Uma jornada pelo quintal amazônico: resistir pela alimentação 

Por: Fundação André e Lucia Maggi| Notícias| 12/08/2024

Atravessamos o porto de Itacoatiara [AM], iniciando uma jornada que nos levaria à comunidade São João do Araçá. A viagem, uma hora e meia de barco pelas paisagens deslumbrantes da fauna e da flora do rio Amazonas, já era um prenúncio das aventuras que nos aguardavam. Ao desembarcar, seguimos em um caminhão pau de arara, rumo ao encontro da dona Socorro. Ela nos esperava para mais uma travessia: outro rio, agora sem água, devido à seca que se aproxima na Amazônia, que cruzamos por uma tábua estreita, levando-nos à sede da associação local, recém-construída. 

Um olhar para a floresta. Foto: Bruna Maciel

Entre árvores altas e os sons da natureza, fomos recebidos com um convite especial para explorar um mundo de sabores e saberes esquecidos por muitos: as Pancs (Plantas Alimentícias Não Convencionais). Já ouviu falar em ariá, cariru, facheiro ou priprioca? Essas plantas, uma vasta variedade de frutas, legumes, ervas e grãos, são tesouros mantidos vivos por indígenas, quilombolas e comunidades rurais, embora já tenham se perdido em boa parte do Brasil. 

À nossa espera, a nutricionista Neide Rigo, uma especialista em Pancs, nos convidava a refletir sobre as riquezas à nossa volta. “Olhe para o quintal amazônico e pense no que temos ao redor e que ainda não utilizamos”, provocava Neide. Em sua companhia, exploramos uma mesa colorida e repleta de delícias: cará roxo, cacto, goma (tapioca), boldo, mari-mari, cariru, mamão e o coração da banana. Cada item, um testemunho da diversidade e do potencial nutritivo dessas plantas pouco conhecidas e muitas vezes negligenciadas. 

Mesa colorida e colhida no quinta da casa de Dona Socorro. Foto: Bruna Maciel

A Fundação André e Lucia Maggi (FALM) atualmente está trabalhando com nove associações de agricultores familiares em Itacoatiara (AM), fortalecendo suas capacidades institucionais e potencializando, junto deles, os seus produtos. Hoje, a Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Artesãs do Rio Arari, presidida por dona Socorro, é uma das que realizam entregas de seus produtos para o refeitório da AMAGGI, demonstrando o impacto positivo dessa parceria. As Pancs, muitas vezes tratadas como plantas daninhas, são verdadeiros superalimentos. Elas são resistentes, adaptadas ao ambiente local e cheias de nutrientes, mas a importância delas vai além da nutrição. 

“[As Pancs] trazem um resgate cultural, uma valorização do bioma e um incremento para a saúde da população”, destacou Aletea Rufino, gerente de investimento social da FALM. A resistência pela alimentação e o resgate do “quintal” próprio são formas de reafirmar a identidade e a conexão com a terra. Neide Rigo, uma das principais referências sobre Pancs no Brasil, exemplifica essa filosofia em sua prática e ensino. 

Momento da oficina com Neide Rigo e comunidade. Foto: Bruna Maciel

O curso, realizado nessa quarta-feira (07/08), com a participação de agricultores familiares da Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Artesãs do Rio Arari, merendeiras da escola local, cozinheiros e nutricionistas da AMAGGI, foi um mergulho no universo das Pancs. Foi uma forma de trazer à consciência a importância de olhar para a terra, valorizar suas dádivas e transformá-las em saúde e identidade cultural. Cada planta, cada sabor, traz consigo uma história, uma tradição e um potencial enorme para transformar vidas. 

Dona Socorro, com sua sabedoria e conexão profunda com o território, reforçou: “Somos filhos da terra e nos preocupamos com o cuidado da floresta. Fazer a oficina abriu nossos olhos para outras plantas que antes passavam despercebidas”. Suas palavras ecoam o espírito de resistência e renovação que pulsa na Amazônia. 

Dona Socorro, contando sobre a construção da Associação. Foto: Mandal

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