Editais em debate: livro orienta como planejar seleções públicas de projetos
Por: GIFE| Notícias| 08/09/2013Cada vez mais comuns no Brasil, a seleção de propostas para patrocínio por meio de editais apresenta-se como oportunidade e, ao mesmo tempo, desafio para empresas, institutos e fundações brasileiras. Olhando para esse cenário, Lárcio Benedetti, especialista em patrocínio empresarial, escreveu o livro Editais de Patrocínio Empresarial – Como Planejar Seleções Públicas de Projetos, um verdadeiro guia para investidores sociais interessados em criar ou aprimorar seus processos de seleção de projetos.
Conversamos com o autor para entender como foi o processo de pesquisa para o livro e como esse lançamento pode apoiar estratégias de investimento social privado. Confira o bate-papo:
redeGIFE – Primeiramente, gostaria que você comentasse o começo de tudo. Como surgiu a ideia de escrever um livro sobre como empresas, institutos e fundações podem planejar seleções públicas de projetos?
Lárcio Benedetti – O livro é baseado na dissertação de mestrado que defendi em 2013 na Universidade de Budapeste. A minha intenção, desde o início, era escrever sobre patrocínio empresarial, já que esta é minha área de atuação profissional há 14 anos. A ideia de escrever sobre editais (ou seleções públicas) surgiu quando constatei que é unânime entre autores internacionais que há enorme carência de estudos e informações sobre aspectos gerenciais do patrocínio no mundo, principalmente no que se refere ao processo de decisão, ou seja, como os patrocinadores recebem, avaliam e selecionam os seus projetos.
A conexão foi imediata: no Brasil os editais existem há muitos anos, têm se popularizado cada vez mais, movimentam milhões de reais, demandam enorme dedicação de quem promove e de quem se inscreve; e mesmo assim não havia uma única publicação que tratasse o assunto de forma prática e aprofundada, que pudesse ser utilizada como referência para os gestores nas empresas, nos institutos e nas fundações.
redeGIFE – Além de apresentar um resgate histórico e um panorama do setor no Brasil, o livro funciona como um manual para criar e aprimorar editais. Como esse passo-a-passo foi pensado e de que forma ele pode apoiar estratégias de investimento social privado?
Lárcio Benedetti – O livro está dividido em duas partes, que se referem a duas regras para se adotar um edital. A primeira metade é dedicada à regra 1 – Só fazer se fizer sentido. Afinal, o edital não é a única e nem necessariamente a melhor forma de seleção de projetos. A outra metade do livro aborda a regra 2 – Se é para fazer, melhor fazer bem-feito. De todas as formas de seleção, o edital é a que mais expõe a empresa. Por isso ele deve ser cuidadosamente planejado e implementado. Assim, com as regras 1 e 2, o livro trata, respectivamente, tanto do contexto estratégico quanto do operacional do edital. Em outras palavras, “”quando”” e “”como”” o edital deve ser adotado.
redeGIFE – Gostaria de falar sobre seu processo de pesquisa. Você ouviu empresas e especialistas no assunto. Como foi essa sondagem?
Lárcio Benedetti – Para que o livro pudesse realmente servir como um manual, um guia para os gestores nas empresas, a minha pesquisa deveria ser bem abrangente. Primeiramente, li mais de setenta livros e artigos de especialistas e estudiosos em patrocínio no mundo. Em seguida, analisei editais de diferentes áreas de cinco patrocinadores brasileiros, misturando empresas estatais e privadas de variados ramos de atuação. Por fim, entrevistei 84 profissionais envolvidos direta e indiretamente com editais no Brasil: patrocinadores, consultores, proponentes de projetos, formadores de opinião e integrantes de redes, comissões de seleção, academia, governo e imprensa.
Para as entrevistas, elaborei um questionário de 17 perguntas, cobrindo aspectos estratégicos e todas as etapas de planejamento de um edital. Cada um dos 84 profissionais, conforme seu perfil e experiência, recebeu de uma a cinco perguntas do questionário. Imaginando o livro como um quebra-cabeça, cada entrevistado ofereceu algumas peças que, ao serem analisadas e dispostas conjuntamente, me ajudaram a compor a figura final.
redeGIFE – Nos últimos anos, observamos um crescimento na oferta de recursos para proponentes de projetos por meio de editais. Você acredita que esse modelo vem se consolidando no Brasil? Quais avanços podemos citar e que oportunidades ainda existem para investidores que pretendem formatar (ou reformatar) seus processos de seleção pública?
Lárcio Benedetti – Sim, a prática dos editais vem se consolidando no Brasil nos últimos anos. No meio empresarial, a pioneira foi a Petrobras em 1999. De lá para cá, os editais já foram utilizados por empresas dos mais variados portes e segmentos, como Natura, BNDES, Oi, Correios, Votorantim, Banco do Nordeste, Claro, Eletrobras, Cultura Inglesa, Comgás, Banco do Brasil, Porto Seguro, EDP, O Boticário, CSN, Vivo, Anglo American, Caixa, PepsiCo, Azul, Banrisul, Lojas Renner, entre outras.
Um aspecto positivo desta popularização é que ela representa mais oportunidades para proponentes de projetos culturais, sociais, ambientais e esportivos em todo o País. O lado negativo é que, como todos sabemos, quantidade não é sinônimo de qualidade. A proliferação dessa modalidade de seleção trouxe à tona editais mal estruturados. São casos que, infelizmente, contaminam a imagem do patrocinador e da prática dos editais em geral. Por isso um dos produtos mais importantes do livro na minha opinião é um capítulo inteiro dedicado a sete princípios que o patrocinador deve adotar em seu edital.
redeGIFE – Você pode citar exemplos já consolidados e apontar investidores que estão no caminho certo?
Lárcio Benedetti – Eu não me sinto à vontade para apontar este ou aquele investidor, até porque eu participei diretamente, como consultor ou gestor direto, de mais de dez editais no Brasil. O que eu posso afirmar com tranquilidade é que, na falta de parâmetros e referências, os investidores sempre tiveram de criar seus edital partindo do zero. Assim, quem está no caminho certo é quem já realiza editais há mais tempo, quem já teve várias edições para fazer ajustes e aprimoramentos.
redeGIFE – Onde estão os gargalos e as armadilhas na hora de planejar um edital?
Lárcio Benedetti – Com base nas duas regras que mencionei, os erros podem ser estratégicos ou operacionais. Do lado estratégico, erra o investidor que adota o edital simplesmente por ele estar consagrado ou por carregar em si uma imagem positiva associada a boa prática.
Do ponto de vista operacional, o erro está justamente em imaginar que a simples adoção do edital já implica em boa prática. Com isso, o investidor pode não perceber que edital é uma ferramenta complexa que possui inúmeros aspectos a serem planejados: regulamento, formulário de inscrição, sistemas, comunicação, orçamento, articulações, equipes de gestão e seleção, entre muitos outros. Nesse lado operacional, eu costumo fazer uma analogia do edital com o cubo-mágico, o famoso brinquedo húngaro criado há exatos 40 anos. Ambos são complexos, dão trabalho, e a solução está em montar todas as suas faces, sem que haja uma única parte fora do lugar.
redeGIFE – Vamos falar especificamente sobre o tema cultura, uma de suas especialidades. Podemos citar vários exemplos de editais voltados para a produção artística, mas ainda são poucos os pensados para a promoção do acesso à arte e à cultura de uma forma geral – um tema que sempre foi muito caro para você. Como podemos fomentar a pluralidade de formatos e de objetivos entre quem investe nesse modelo?
Lárcio Benedetti – Para termos pluralidade basta que as empresas encarem o patrocínio como uma ferramenta de fato estratégica. Isso implica o patrocínio integrado e conectado às demais ferramentas de comunicação institucional ou de marca nas empresas. Como elas possuem diferentes valores, crenças, atributos, públicos-alvo e objetivos, suas estratégias de comunicação são únicas e, consequentemente, a atuação em patrocínio também deve ser.
Utilizando o seu exemplo, imagine duas empresas adotando como foco em patrocínio a promoção do acesso à arte e à cultura. Dependendo da imagem e reputação que as duas empresas possuem, tal foco pode fazer todo o sentido para a empresa X e soar como desconexo e oportunista para a empresa Y. Com isso, mais importante do que escolher uma boa causa de atuação em patrocínio é ter a certeza de que tal causa reflete a visão da empresa ou marca patrocinadora.
Voltando ao tema dos editais, eles são simplesmente uma forma que a empresa pode dispor para selecionar seus projetos. Dependendo das características da estratégia e da política de patrocínio, o edital pode ou não ser o meio de seleção mais adequado. Relembrando a regra número 1, ele só deve ser utilizado quando fizer sentido.
Nos anos em que estive à frente dos patrocínios do Grupo Votorantim a nossa causa era a democratização cultural e o edital era a forma mais adequada, naquele momento, para a seleção de projetos. Hoje, se os editais não estão sendo adotados é porque eles não fazem sentido para o momento atual do Grupo. Não há problema algum nisso. Como bem apontado pelo Andre Degenszajn [secretário-geral do GIFE] no meu livro “”a não utilização de editais não implica uma atuação enviesada. É possível atuar de forma absolutamente estratégica e transparente pela identificação direta de propostas. Mas essa atuação deve estar sustentada por uma visão de transformação muito consistente.””
redeGIFE – Por fim, pode falar sobre próximos projetos ou como vai trabalhar a divulgação do livro?
Lárcio Benedetti – O meu foco profissional há 14 anos é o patrocínio. Dentro deste campo já atuei como consultor e gestor direto em empresas patrocinadoras, e também como professor, pesquisador e agora autor. Meus próximos projetos são desdobramentos do próprio livro: estou conversando com a editora sobre o lançamento em outras cidades e já tenho programadas algumas palestras. Seja como palestrante, professor, consultor ou gestor, minha intenção é seguir trabalhando com patrocínio empresarial por pelo menos outros 14 anos… [risos]
Lárcio Benedetti é administrador de empresas pela FEA-USP e mestre em marketing pela Universidade de Budapeste. Atua desde 2000 na gestão de marketing e comunicação com foco em patrocínio empresarial. Foi gerente no Instituto Votorantim e consultor na Edelman Significa, na qual elaborou e executou políticas de patrocínio para Petrobras, Natura, Pepsico, Votorantim, Bridgestone, Nestlé e Philips. Trabalhou na área de marketing da Colgate-Palmolive e foi consultor da Accenture em projetos para Ambev, Unilever e Rede Globo. É autor do livro “”Editais de Patrocínio Empresarial”” (SESI-SP Editora, 2014). Para mais informações, consulte o site.