Negócios de Impacto & Investimento Social Privado: reflexões possíveis
Por: Instituto Sabin| Notícias| 21/09/2015Por Fabio Deboni
Para além da curiosidade que profissionais de institutos e fundações têm nutrido sobre o campo emergente dos negócios de impacto no Brasil, nos toca refletir sobre as pontes possíveis entre ambos, bastante convergentes, porém ainda caminhando de forma paralela. Se o campo do ISP já acumulou consideráveis avanços e já lida com suficientes desafios e perspectivas na atualidade, sabemos também que sua característica de ser um “radar de inovação social” o faz, intuitivamente, aproximar-se do campo dos negócios de impacto/finanças sociais. Este, com linguagem e repertório próprios, tem trilhado conquistas recentes importantes, colocando-o numa posição de maior visibilidade no cenário da inovação e do empreendedorismo social global, mas ainda não parece ser visto por institutos e fundações como algo prioritário, pelo menos por enquanto.
Ocorre que, para além de visualizações mútuas entre os campos, esta sinergia inicial não tem sido suficiente para criar pontes mais efetivas de diálogo e parcerias entre ambos. Na ótica do ISP, os negócios de impacto são ainda algo “estranho”, mas com enorme potencial. Na ótica do campo dos negócios de impacto, institutos e fundações são ainda vistos como atores um pouco distantes e até certo ponto de acesso restrito. De um modo geral, parecem ainda não ter incluído no seu radar os negócios de impacto, ou se já o fizeram, isso ainda parece ser um movimento tímido e inicial.
Multiplicidade de compreensões
É possível sugerir alguns recortes didáticos para melhor compreensão do campo de negócios de impacto. Sem entrar no debate sobre modelos jurídicos (bastante necessário, mas complexo) podemos, grosso modo, posicionar duas visões que demarcar um par de linhas de pensamento acerca dos chamados negócios de impacto social:
- Visão Yunus que, em geral, denomina como “negócios sociais”, não aceita a atuação de investidores em negócios sociais, em especial, com retirada de “lucro” (os chamados dividendos) neste tipo de empreendimento. Só se aceita que seja recuperado o montante que foi investido para viabilizar o negócio, sem que hajam mais retiradas por parte do(s) investidor(es) a partir deste ponto (o chamado breakeven).
- Outra visão que, em geral, denomina como “negócios de impacto” e que parte do princípio de que, como qualquer negócio, investimentos e investidores (sejam PF ou PJ) são também parte integrante dos negócios de impacto social. Se aceita, portanto, o retorno para os investidores, para além do montante inicialmente injetado no negócio.
Em geral, ambas as linhas de pensamento partem da premissa de que qualquer negócio de impacto social deve assumir algumas destas características:
- Foco em populações de baixa renda (classes C, D, E), a chamada “base da pirâmide”
- Intencionalidade de que o negócio gere impacto social e/ou ambiental como “core” do seu valor
- Tenha potencial de escala e de ser ampliado
- Tenha rentabilidade e que “pare em pé” na ótica financeira
Há diversas outras características e nuances que merecem ser destacadas e aprofundadas em outra oportunidade. Além disso, há ainda diversos modelos e formatos de criar e gerir negócios sociais, temas para reflexões futuras…
E o ISP com isso?
Institutos e Fundações, de um modo geral, têm cada vez mais detectado em seus radares os negócios sociais. A partir de mera curiosidade, busca por novas tendências ou demanda de seus conselhos, passam a levantar informações sobre os negócios em si e deparam-se com um campo (ou “ecossistema”) em plena construção e expansão no Brasil, composto por empreendedores sociais, aceleradoras, organizações intermediárias, investidores, dentre outros. Entendemos que Institutos e Fundações podem traçar 3 caminhos para melhor se aproximarem com o campo dos negócios de impacto no Brasil. São eles: a) Foco diagnóstico; b) Foco no Ecossistema; c) Foco nos Negócios.
- Foco Diagnóstico
Adentrar neste campo pressupõe conhecer seu panorama, tendências e limites. De um lado requer esforço de entendimento sobre as diferentes compreensões, modelos e correntes dos negócios de impacto no Brasil. Passa ainda por conhecer in loco diferentes cases e identificar possíveis sinergias de parceria com eles. Algumas questões que consideramos pertinentes de serem refletidas neste foco:
- Quais as fronteiras entre os negócios de impacto e o investimento social privado? Até onde deve ir o escopo do ISP e o dos negócios de impacto?
- Como lidar com lucro e retorno financeiro junto a organizações sem fins lucrativos?
- Como lidar com as organizações da sociedade civil com as quais já trabalhamos à luz de uma ampliação do escopo de atuação para abranger os negócios de impacto? Haveria algum conflito de interesses?
- Como conhecer e identificar diferentes modelos híbridos? (organização sem fins lucrativos criando um braço de negócio social)
- Foco no Ecossistema
Possivelmente o caminho mais natural de envolvimento de Institutos e Fundações com o campo dos negócios sociais se dá diretamente com os próprios empreendedores sociais. Mais raro e mais complexo, porém, é o estabelecimento de parceria e conexões com o Ecossistema, buscando perceber e pensar o campo de forma mais ampla. Isso pressupõe capacidade de conectar-se e de dialogar com aceleradoras, investidores e outras organizações chamadas “intermediárias” neste campo. Este tipo de engajamento poderia trazer aberturas de portas mais coletivas para os campos do ISP e dos negócios de impacto. Estariam os Institutos e Fundações dispostos a empreender neste sentido? Algumas ações possíveis neste sentido:
- Apoio e/ou realização de estudos, diagnósticos e análise de cenários de negócios de impacto em diferentes áreas temáticas (ex: negócios sociais em Saúde, em Educação, etc) ou em diferentes contextos territoriais (ex: negócios sociais na comunidade X)
- Promoção de encontros e eventos de aproximação entre os diferentes players dos dois campos (ISP e negócios sociais) para networking e troca de experiências
- Realização de cursos e workshops de aprofundamento conceitual e prático sobre o tema
- Foco nos Negócios
Engajar-se no Ecossistema não exclui o envolvimento direto com negócios sociais. Talvez a prospecção e parceria direta com negócios torne este desafio mais simples para a lógica de Institutos e Fundações, mas uma boa visão do Ecossistema pode trazer vantagens adicionais neste processo. A título de sugestão, vislumbramos alguns caminhos possíveis para Institutos e Fundações se engajarem neste sentido:
- Realização de premiações, circuitos, jornadas e eventos de mobilização de negócios sociais em diferentes contextos, temas e locais
- Criação de espaços colaborativos físicos para reunir e abrigar empreendedores e organizações envolvidas no campo
- Apoio e/ou criação de aceleradoras para startups em temas chave e em estágios de interesse
Na ótica dos Negócios de Impacto
- Institutos e Fundações seriam apenas fomentadores de negócios ou também parceiros na sua concepção, criação, aceleração e expansão? Como ampliar o escopo desta atuação sem perder a identidade de cada ator?
- Quais cases existentes de parcerias efetivas entre ISP e negócios de impacto? Quais aprendizados e limites?
Seja qual for a opção de cada Instituto e Fundação temos visto o crescimento de diversas iniciativas pelo país, mais ligados ao fomento a negócios/empreendedores do que ao Ecossistema. Vale ressaltar que, como vem ocorrendo em outros países, a Força Tarefa de Finanças Sociais[1] no Brasil lançará suas Recomendações em outubro de 2015, sinalizando múltiplos caminhos para os diversos setores da sociedade que lidam direta ou indiretamente com o campo de negócios sociais no país. Será uma extraordinária oportunidade de trazer para o palco principal este assunto, engajando Institutos e Fundações a interagirem e se envolverem cada vez mais com ele. Nunca é demais lembrar que, neste caso, ousadia e disponibilidade para assumir riscos são condições essenciais para voos mais inovadores e promissores.
[1] Saiba mais em: http://www.ice.org.br/#socialTaskForce