A avaliação econômica de projetos sociais

Por: GIFE| Notícias| 05/09/2005

SÉRGIO WERLANG
Diretor executivo do Banco Itaú e professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas

Projetos sociais envolvem ações direcionadas a um grupo de pessoas, que formam o público-alvo do programa. Na grande maioria dos casos, esses projetos afetam não somente esses indivíduos, mas também a população no entorno da qual o público-alvo está localizado. Desde a década de 60, foram desenvolvidos métodos de avaliação econômica desses projetos. Hoje, já há técnicas bem estabelecidas para determinar-se o retorno econômico de um programa social.

A idéia básica é muito simples: o benefício econômico gerado pelo projeto é simplesmente a soma dos benefícios causados em todas as pessoas afetadas pelo programa. Se for possível medir em reais o benefício, então fica tudo fácil. O problema é justamente conseguir obter uma forma razoavelmente inequívoca de encontrar o valor que um projeto social tem para um indivíduo da população afetada. Mais adiante se vai ver como isso é possível em projetos educacionais, de diminuição do trabalho infantil, de melhoria da saúde e de diminuição da criminalidade.

Para que um projeto social seja avaliado, numa primeira etapa é necessário que sejam medidos os impactos diretos do programa no público-alvo, ou em toda a população afetada. Muitas vezes medem-se os impactos diretos no público-alvo, pois é mais difícil delimitar com precisão qual a população afetada. Mas sempre é importante ter em mente que isso não é o ideal. Exemplos de impactos de programas sociais são: menor evasão escolar, maior aproveitamento escolar (medido por testes padronizados), maior probabilidade de obtenção de emprego, menores gastos com médicos e remédios, maior expectativa de vida, menor índice de mortalidade infantil, maior altura dos indivíduos, menores horas de trabalho infantil, entre outros.

Para medir os impactos de um projeto, é preciso assegurar, com a maior certeza possível, que são devidos única e exclusivamente ao projeto. Como as pessoas não estão isoladas em laboratórios, e sofrem todos os dias a ação de diversos fatores, é praticamente impossível ter-se absoluta certeza que o programa foi a única causa de um certo efeito. No entanto, é possível chegar-se bem próximo disso.

O método de avaliação de impacto mais inequívoco consiste em utilizar-se a mesma técnica já largamente empregada na determinação da eficácia dos medicamentos. O processo é o seguinte: divide-se a população entre o grupo dos tratados (que receberão o programa social, ou no caso de um medicamento, serão tratados com o remédio que se quer testar) e o grupo de controle (que não passarão pelo programa social, ou no caso do medicamento, que receberão um placebo). A ciência está em escolher os dois grupos, de forma que as pessoas em um não sejam essencialmente diferentes das pessoas no outro, e há vários métodos para isso.

Ao fim do programa social (ou do tratamento), são feitas comparações entre o grupo dos tratados, que passou pelo programa (ou foi tratado com o remédio), e o grupo de controle, que não passou pelo programa (ou não tomou o medicamento). Dessa comparação sabe-se quais as diferenças entre os grupos e, portanto, os impactos que o programa social teve em uma população, da mesma forma que se pode determinar também se houve sucesso no tratamento com o remédio novo.

Essa forma de medir o impacto é razoavelmente inequívoca, e pode ser sempre utilizada quando o programa é pensado desde o início para ser avaliado, de modo que o grupo de tratamento e o de controle são escolhidos desde o início. Muitas vezes isso não é feito. Nesse caso, há outras técnicas mais elaboradas, que podem ser utilizadas para que se chegue à mensuração dos efeitos do projeto no público-alvo.

Um vez feita a análise do impacto, parte-se para a segunda etapa, a de medir os retornos econômicos. Para isso tem-se que verificar quanto vale (em reais) para cada indivíduo do público-alvo o benefício gerado pelo programa. Para projetos educacionais, o método de verificação do valor do benefício é relativamente simples, e foi desenvolvido desde a década de 60. Pense no caso de um projeto social de melhoria das condições da escola (por exemplo, a merenda escolar, o TV escola, ou o livro didático). Imagine que se mediu o impacto do programa e verificou-se que se um (a) aluno (a) estudou numa escola onde o projeto foi aplicado, ele teria 10% a mais de chances de formar-se na universidade que um (a) aluno (a) que estudou em uma escola em que o programa não foi implantado.

A grosso modo, o benefício para o (a) estudante pode ser medido em termos do maior salário na média que ele (ela) terá por ter maiores chances de terminar o curso superior. Em geral, em projetos educacionais pode-se determinar os benefícios econômicos, pois quando alguém fica mais tempo na escola, seu salário aumenta muito. É claro, tem-se que levar também em consideração que um ano a mais de estudo representa um ano a menos de trabalho, e portanto há também um custo por ficar-se um ano a mais na escola. Contudo, no caso do Brasil os retornos em educação são muito elevados (em média, uma pessoa que termina o curso superior ganha de 2,5 a 3 vezes mais que alguém que completou apenas o ensino médio), de modo que os custos compensam.

Mas não só em projetos educacionais pode-se medir o benefício econômico. Em programas sociais que cuidam de melhorar a chance do indivíduo ser empregado (como o Planfor, de treinamento para desempregados), também é fácil ver qual o benefício – de novo, basta ver se aqueles que passam pelo programa conseguem empregos com maior probabilidade que aqueles que não passam, e isso pode ser transformado em salários.

Para alguns outros projetos sociais, como os que lidam com saúde e criminalidade, os benefícios econômicos são mais difíceis de serem calculados, mas já há técnicas mais recentes que permitem determinar o valor monetário (em reais) que um ano a mais de vida tem para uma pessoa. Com isso é possível avaliar um sem número de iniciativas nessas áreas.

Por fim, uma vez determinado o benefício econômico para cada indivíduo do público-alvo, basta somar esses benefícios na população. E agora o projeto social pode ser avaliado pelas técnicas usuais de avaliação de qualquer projeto de investimento, comparando-se custos e benefícios.

Em suma, já é possível avaliarem-se os projetos e iniciativas na área social. Em alguns países, como no Chile, qualquer programa governamental tem que ser avaliado. E só os projetos que apresentem retornos que os justifiquem devem ser implantados. Muita controvérsia a respeito da eficácia dos programas sociais do governo brasileiro seria definida de modo objetivo, sem paixões, caso a avaliação econômica de projetos sociais fosse obrigatória para todos os programas sociais públicos. É o caminho que deve ser seguido.

Artigo publicado originalmente no Jornal Valor Econômico, em 24/01/2005

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