A cada 10 ONGs abertas no Brasil, 3 encerraram suas atividades, indica estudo
Por: Fundação Norberto Odebrecht| Notícias| 20/03/2023Pelo menos 1/3 de todas as organizações da sociedade civil (OSCs) criadas no Brasil nos últimos 120 anos já fecharam. E desde os anos 2000, o número de encerramento de atividades é ainda maior: a cada duas organizações que abriram até 2009, uma fechou. Entre 2010 e 2019, os fechamentos foram quase metade, 46%, do número de aberturas. Dados como estes, destaques de um levantamento inédito feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), demonstram a urgência de olhar estas instituições e buscar uma resposta à pergunta: como fazê-las sobreviver e impulsionar seus resultados sociais?
A pesquisa do IPEA analisou a abertura e o fechamento de OSCs desde 1901, traçando um histórico de 120 anos da sobrevivência destas organizações em nosso país. A seguir, a Fundação Norberto Odebrecht analisa estes dados, mostrando como o fortalecimento institucional de organizações sem fins lucrativos pode reverter este quadro e apoiar a transformação que estas instituições realizam, há anos, em nosso país. Confira:
Fechamento de organizações
O estudo do IPEA dá indícios sobre o número e as razões de fechamento de organizações da sociedade civil no Brasil. Mas afinal, por que isso é relevante?
“Por atuarem com ações de interesse público, estas instituições são importantes para a sociedade, muitas vezes contribuindo para garantir direitos básicos à população mais vulnerável”, explica Cláudia Pimentel, coordenadora de Sustentabilidade e Parcerias na Fundação Norberto Odebrecht. “É o caso de organizações que oferecem atendimento à saúde, ou que promovem ações de proteção ao meio ambiente e até aquelas que gerenciam creches e escolas comunitárias”, diz ela.
Mas, como vimos acima, quase 1/3 de organizações sem fins lucrativos criadas desde 1901 parou de realizar atividades. Segundo a publicação, a maior parte das OSCs que fechou tiveram seus CPNJs desativados pelo próprio Governo, por deixarem de cumprir responsabilidades como a entrega de declarações à Receita Federal. Os números só revelam, porém, quando aquele cadastro deixou de estar apto – e não, necessariamente, quando a instituição parou de funcionar.
Estes dados podem dar dois indícios importantes sobre a situação das OSCs no país. Segundo o próprio documento, isso pode refletir a dificuldade que instituições sem fins lucrativos têm de realizar atividades de gestão, impedindo seu funcionamento; ou indicar que organizações que já encerram suas atividades não atualizaram seus cadastros junto ao Governo, outro possível sinal de uma falta de organização administrativa.
“A pesquisa coloca em números algo que já testemunhamos em nosso trabalho”, diz Cláudia. “Não ter uma gestão fortalecida impede que as OSCs consigam cumprir suas responsabilidades fiscais e trabalhistas, manter suas sedes estruturadas e se relacionar bem com seus investidores sociais. São processos que podem parecer muito distantes para quem doa para um projeto social em seu bairro, por exemplo. Mas é essa capacidade que mostra que aquela organização é transparente, capaz, eficiente e merece o apoio das comunidades para seguir com suas ações de impacto social”, conta ela.
Conheça a atuação da Fundação Norberto Odebrecht no fortalecimento institucional de ONGs e institutos!
OSC x ONG
A publicação traz ainda dados sobre a ‘cara’ das OSCs no país: elas estão concentradas no Sudeste (40%), estão cadastradas como associações privadas (85%) e atuam com o Desenvolvimento e defesa de direitos e interesses (40%) ou Religião (24,6%). Mas, afinal, o que caracteriza essas instituições?
Uma organização da sociedade civil, ou OSC, é uma instituição que não tem fins lucrativos, não faz parte de governos federais, estaduais ou municipais e executa uma atividade de interesse público. Entre elas, há uma infinidade de atuações: desde instituições religiosas e associações desportivas até fundações e institutos que realizam projetos sociais, por exemplo.
Na pesquisa realiza pelo IPEA, portanto, os dados coletados se aplicam às organização da sociedade civil como um todo. Ainda que alguns dados indiquem a diferença entre instituições a partir de suas áreas de atuação – confira no próximo item -, não é possível fazer uma análise exclusiva sobre as instituições que efetivamente atuam com impacto social (também conhecidas como organização não-governamentais, as ONGs).
“Desde a criação do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, que buscou facilitar as relações entre estas instituições e o Governo, se criou este nome – OSC. Mas é um termo que a população não necessariamente reconhece”, diz Camila Giuliani, coordenadora de Comunicação na Fundação. A plataforma Google Trends, por exemplo, indica que, entre 2004 e 2022, o termo ‘ONG’ foi buscado, em média, 50x mais do que o termo ‘OSC’. “Apesar disso, o último é mais abrangente, nos permite visualizar a diversidade de organizações neste setor. Nós mesmos, na Fundação Norberto Odebrecht, somos uma organização da sociedade civil”, exemplifica.
Tempo de vida
O estudo indica que, no Brasil, as OSCs ‘sobrevivem’, em média, por 17,6 anos. O tempo de vida destas organizações, porém, varia a depender da área na qual atuam – OSCs religiosas têm menores taxas de encerramento de atividades do que organizações que atuam com assistência social, por exemplo. Também há diferenças entre as classificadas como ‘associações privadas’ (que, em média, fecham após 18,3 anos de funcionamento) e ‘fundações privadas’ (após 19,1 anos, na média).
“É possível que isso aconteça por causa da diferença entre instituições que têm mantenedores mais claramente definidos, como os de uma comunidade religiosa ou de uma família que abre uma fundação, versus aquelas que não têm investidores específicos, e precisam buscar apoio e recursos em uma série de fontes, como editais, patrocínios, parcerias e doações”, opina Adélcio Menezes, responsável por Parcerias na Fundação Norberto Odebrecht.
Mas o tempo de vida também pode ser influenciado pela capacidade destas organizações em seguir padrões de governança, mesmo entre aquelas com mantenedores fixos. Segundo o último Censo GIFE, pesquisa do Grupo de Institutos e Fundações Empresariais que analisou 130 instituições do setor de investimento social e da filantropia, 19% das organizações não têm suas demonstrações financeiras auditadas; 12% não têm estatuto social; e, entre as que o têm, 36% não o divulgam para o público. “Toda organização sem fins lucrativos pode se beneficiar de uma gestão mais eficiente e transparente, mesmo as que já têm parceiros financiadores”, diz Adélcio.
Menos OSCs sendo criadas desde 2010
Depois de um boom nas décadas de 60 e 70, quando as taxas de crescimento na criação de OSCs passavam de 700%, e de um crescimento mais controlado nos anos 90 e 2000, o estudo demonstra que o Brasil tem vivido um momento inédito: a diminuição na abertura de novas organizações da sociedade civil. Entre 2010 e 2019, a taxa de criação destas instituições decresceu em 16%.
Como o número de fechamentos se manteve alto nestes mesmos anos, o resultado é que, segundo os dados, a cada duas organizações sem fins lucrativos criadas na última década, uma foi fechada. Seriam estes sinais de uma crise? “Mesmo para nós, que atuamos no Terceiro Setor, não é fácil imaginar o que estes números podem refletir. Pode ser um reflexo da sociedade se organizando de outro jeito, em coletivos e grupos não formalizados; ou das crises financeiras e sanitárias pelas quais passamos nos últimos anos”, comenta Adélcio.
“O mais provável é que sejam uma série de fatores, e, agora, com os dados desta publicação, poderemos refletir sobre o que nos trouxe até aqui”, diz ele. “Mas não acredito que estes dados indicam que nossa sociedade está menos preocupada com os outros. Hoje, com debates sobre ESG e responsabilidade social, empresas também têm assumido a execução de ações sociais; e o alcance dos objetivos da Agenda 2030 segue mobilizando governos e sociedade civil organizada para resolver problemas socioambientais. Se o número de OSCs não têm crescido como antes, pode ser um sinal de que a sociedade está manifestando esta consciência social e ambiental de formas que ainda não visualizamos perfeitamente”, diz.