A consultoria filantrópica deveria ser uma área regulamentada?

Por: GIFE| Notícias| 24/02/2011

Caroline Hartnell*

A consultoria para investimento social privado deveria ser uma área regulamentada? Se for, deveria ser regulamentada externamente ou auto-regulada? Quais seriam as qualificações para se associar à profissão? Quais são as questões éticas-chave envolvidas na definição dos padrões? Os bancos estão oferecendo aconselhamento filantrópico em casos especiais?

Estas eram as questões anteriores à primeira reunião do Café da Manhã da Alliance, que aconteceu no Coutts Bank, em Londres. O objetivo dela foi estudar o tema das consultorias para a filantropia, uma profissão à procura de Padrões.

É evidente que as pessoas ficam preocupadas com a ideia de regulamentação. A reunião começou com uma série de questões do auditório de onde um terço dos 40 a 50 dos presentes estavam de acordo de que a área de aconselhamento do investimento social privado não tem padrões profissionais consistentes e apenas quatro acharam que deveria ser regulamentada.

Dois de três membros da mesa diretora foram similarmente ambivalentes sobre a ideia. Olga Alexeeva, da Philanthropy Bridge Foundation, achou que para a maior parte do mundo é simplesmente muito cedo. Ela afirmou que pelo menos para a metade dos doadores com quem ela se encontrou nos países do sul não sentem que são doadores e muito menos necessitando de aconselhamento. E muitos deles não entendem o termo investimento social privado. Portanto, a regulamentação poderia ser apropriada para o Reino Unido e os EUA, mas não para a maioria do resto do mundo por outros 20 anos.

Michael Alberg-Seberich, da Active Philanthropy de Berlim, sentiu que já existem muitos padrões nas áreas legais e tributárias, mas que devemos pensar sobre padrões éticos para doar e aqui, ele insistiu, o primeiro passo é a transparência sobre o que exatamente os consultores estão oferecendo e porquê. Algumas grandes ONGs, por exemplo, têm consultores de investimento social privado onde sua função é, basicamente, atrair doações para os projetos da ONG.

Não há nada intrinsecamente errado com isto desde que a situação esteja muito clara para aqueles que estão sendo “aconselhados”. É interessante notar que tanto Alexeeva e Alberg-Seberich mencionaram a tênue linha entre angariamento de doações e aconselhamento.

Um modelo para a autorregulamentação

Maya Prabhu, principal Executiva de Investimento social privado na Coutts do Reino Unido, foi mais aberta à idéia de ter algum tipo de autorregulamentação na área. Padrões profissionais e éticos são necessários, ela disse, numa área onde qualquer um pode estabelecer sua própria empresa de aconselhamento filantrópico. Mas isto não é questão de policiamento, ela insistiu, mas sobre ter “uma estrutura informal onde as pessoas poderiam compartilhar as melhores práticas”. Ela mencionou que o Family Firm Institute (FFI), uma indústria semelhante preocupada com aconselhamento de negócios da família o fez e com sucesso.

A FFI oferece palestras, cursos, publicações e entre outros, melhores práticas. Concede aos seus membros dois certificados que os distinguem por terem logrado pelo menos conhecimentos básicos da profissão. Enquanto estas certidões lhes dão os primeiros passos da qualificação, ninguém presente tinha ouvido falar de alguém que foi expulso pela FFI por não satisfazer os padrões.

A Associação de Consultores de Angariamento de Doações formada inicialmente para desenvolver um código de ética, anuncia explicitamente que as pessoas podem prestar queixas se os consultores quebram seu código de ética. A qualificação do Chartered Financial Analyst, reconhecido mundialmente, dá outro exemplo de modelo de autorregulamentação.

Apesar da preocupação inicial, muitos no auditório pareciam satisfeitos com este nível de autorregulamentação. Uma limitação assinalada por Remi Ayiela da Cavendish Law, era de que enquanto a FFI pudesse ter credibilidade com outros profissionais, seus clientes em sua maioria nada sabiam sobre isso. Uma entidade reguladora precisa criar consciência fora de sua própria indústria.

A paixão é suficiente?
Rosamund McCarthy da firma de advogados Bate Wells and Braithwaite chamou a atenção sobre as qualificações de admissão. Qualquer um pode ser um fiduciário de uma caridade, ela afirmou, e por que não um consultor de investimento social privado. Ela deu o exemplo de um ex-funcionário da ActionAid, Índia, que poderia estar bem qualificado para oferecer aconselhamento em investimento social privado. Certamente, o ponto mais importante é ter paixão e comprometimento, ela afirmou. Se regulamentamos demais podemos perder algo muito precioso.

Nenhum dos presentes enxergou a paixão como uma boa coisa em si mesma. Depende pelo que você está apaixonado. Na experiência de Albert-Seberich, a maioria das pessoas que desejam ser consultores de investimento social privado o é por uma ou duas razões: são apaixonadas por um tema ou desejam trabalhar com gente endinheirada. Uma caracterização que a consultora de investimento social privado Theresa Lloyd disse foi que “simplesmente não reconheceu”.

Todos os três membros concordaram que estar apaixonado e ter conhecimento sobre uma causa não é suficiente para um consultor de investimento social privado. Como se encontra o “entremeio que traz o conhecimento mais amplo”, perguntou Albert-Seberich. Os consultores precisam conhecer sobre os doadores, sobre os beneficiários e o acesso a ambos, disse Alexeeva. O aconselhamento de doadores é mais amplo do que as causas ou caridades específicas, disse Prabhu. Você precisa ter também certo conhecimento/compreensão das aspirações do dono, estratégias de investimento social privado e avaliações do impacto.

Os consultores devem orientar os doadores sobre questões que deveriam fazer aos potenciais beneficiários, disse Thereza Lloyd. Então, eles devem “voar livremente”. Se as pessoas estão motivadas pela paixão por uma causa em particular, disse Warren Lancaster da Geneva Local, melhor elas trabalharem com uma caridade. A motivação que ele vê para os consultores é evitar “desperdícios” do dinheiro do doador que poderia ser melhor utilizado.
Seriam os bancos um caso especial?

Questionada se os bancos que oferecem aconselhamento de investimento social privado seriam casos especiais, dado a posição de confiança que têm com os clientes e o conflito de interesses em potencial (veja o artigo da edição de setembro da Alliance), foi inevitavelmente apontado que a regulamentação não tem sido muito boa para o “negócio principal” dos bancos: “Se fosse, nós não estaríamos nesta bagunça financeira”.

Aqueles que representam bancos não sentiam, a rigor, que estes deveriam ser vistos como um caso especial. Maya Prabhu enfatizou que é importante reconhecer todos os conflitos de interesse; um ponto fortemente reafirmado por Mário Marconi da UBS. Vivemos num mundo de conflitos de interesse, ele disse. Ele não enxergava os bancos de maneira muito diferente de outros aconselhamentos. Aqui a transparência com o cliente, explicando adequadamente o que o motiva , é chave.

A necessidade da neutralidade
Prabhu também apontou que os consultores dos bancos precisam dar bons e objetivos aconselhamentos; do contrário poderiam danificar o relacionamento ou até perder o cliente. “Emma Turner da Barclays Wealth afirmou a necessidade de os consultores dos bancos serem “totalmente neutros’”; eles estão ali para facilitar e guiar seu cliente a fazer o que é bom para ele. Você não pode jogar fora a reputação de um banco com um comentário ou sugestão tolo; ela disse.

Jason Jarvis da Coutts fez um paralelo com o mundo do investimento predominante. O que é aconselhamento? Ele perguntou. Se alguém estiver à procura de comprar valores negociáveis, pergunte para o operador do mercado “como está indo o petróleo?”; ele está pedindo informações. Mas, “o que eu devo fazer?” é um pedido de conselho. Os consultores de investimento social privado também precisam fazer a distinção entre educar e informar os clientes ao invés de dar-lhes conselhos sobre o que devem fazer. Quando estão dando conselhos, ele sugere, eles precisam de algum tipo de padrão/regulamentação interna para que assim possam demonstrar “um grau limiar de competência”.

Os perigos do “Faça-a Você Mesmo”
Nem todos no mundo estão de acordo de que os bancos não são diferentes dos outros consultores. Alexeeva mencionou “pressão da diretoria” em potencial em cima dos consultores para estimular os clientes a organizar suas próprias fundações dentro do banco em vez de doar dinheiro à caridade. O que ela chamou de uma “Epidemia do Faça-a Você Mesmo” significa que 90% do dinheiro doado não chega ao setor da caridade. Portanto, a necessidade de ser transparente sobre seus honorários e de onde vêm suas receitas e de quem e como ou o porquê do aconselhamento.

Alberg-Seberich manifestou as mesmas preocupações sugerindo que mais e mais bancos estão oferecendo “investimentos de impacto” em fundações dos seus clientes, controlados pelo próprio banco, como uma ferramenta de investimento.

Outro assunto levantado por Alexeeva e que se aplica também aos bancos e outros consultores é sobre a terceirização. Os consultores precisam estar dispostos a conduzir os clientes para os consultores especialistas na causa/país em que estão interessados. A tendência de manter tudo dentro de casa precisa ser combatida. No caso dos bancos, um erro pode gerar a perda de um cliente não só para este, mas para o investimento social privado para sempre pela perda da confiança.

Qual será o próximo passo?
O próximo passo? David Ainslie da firma de advogados Stone King, sugere um enfoque leve, muito leve. ”Não precisamos de regulamentação governamental como a Autoridade de Serviços Financeiros” (Financial Services Authority), ele disse. “Pessoas com idéias afins que acreditam que está na hora de ter padrões precisam criar uma associação de consultores de investimento social privado.” A princípio esta deveria ter uma estrutura bem ampla de membros. “Mais adiante, pode-se intensificar as exigências”.

De fato existem iniciativas em andamento e algumas delas estão mencionadas na edição de Setembro da Alliance. “Tenho o pressentimento de que isto é apenas o começo”; disse resumindo Olga Alexeeva. Ela poderia estar resumindo para todos.


*Caroline Hartnell é editora-chefe da Alliance Magazine.
www.alliancemagazine.org

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