A culpa não é das estrelas

Por: InstitutoEcofuturo| Notícias| 13/06/2016

Por Christine Castilho Fontelles*

Segundo o Inaf 2015, 38% dos universitários não são plenamente alfabetizados – há dez anos esse percentual era de 24%, ou seja, em dez anos subiu 14%, o que é muito! muito ruim -; 57% dos estudantes do ensino médio e 27% da população adulta são analfabetos funcionais. Expresso em números inteiros, são milhões de pessoas que não tem “habilidade de ler e escrever diferentes gêneros e suportes, com coerência e compreensão crítica”.

De acordo com a pesquisa que baseia a tese de mestrado da pedagoga Noemi Lemes, para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP de Ribeirão Preto, “os alunos brasileiros estão saindo da escola com dificuldades para argumentar, defender teses e construir pontos de vista”.  E revela que a razão está no restrito acesso a um único gênero textual, o livro didático, repleto de informações extraídas das mídias e que reproduz opinião de quem os escreveu. Nada ou quase nada de literatura, filosofia, política, retórica. Ou seja, ao invés de serem ensinados a buscar informações em diversos gêneros textuais e autores para desenvolver pensamento autoral e posicionamento crítico, reproduzem ideias  pré-concebidas, ou preconceitos (mais sobre a pesquisa aqui ).

Outro dado assustador revelado pelo Inaf e que compõe o complexo e dramático cenário do letramento no País: em 2015 o Instituto Paulo Montenegro e a ong Ação Educativa, que realizam a pesquisa, incluíram um 5º. Nível de alfabetismo aos 4 pré-existentes, visando acurar ainda mais os dados, que por hora nominam de “proficiente”. Ou seja, um nível que indica “habilidade de ler, compreender, tomar decisões e argumentar a partir da avaliação de diversas variáveis e bases textuais”. No recorte posição de trabalho declarada, a pesquisa revela que apenas 22% dos que exercem posição de liderança nas empresas tem o nível proficiente.

Einstein dizia que “um problema não pode ser resolvido no mesmo nível de consciência no qual foi gerado”. Logo, diante deste “apagão”, como assegurar as habilidades que todos e cada um de nós precisa ter para promover o mundo que queremos: íntegro, preservado, com qualidade de vida para todas as vidas, aqui e agora?

Inseridos num mundo onde a economia pauta vidas, os desafios para o que chamamos de sustentabilidade pede abertura para pensar o novo bom e melhor, para olhar além do imediatismo e do consumo desenfreado como opção para o que chamamos crescimento e pensar novas tecnologias de produção para causarmos o mínimo de dano e o máximo de bem; para repensar este modelo claramente antropofágico. Para respeitar a diversidade humana e cuidadosamente pensar arranjos que promovam o bem coletivo; para entrar em contato com outros pontos de vista, para pesquisar incansavelmente, para inovar, para debater, para rever-se, para colocar-se no lugar do outro, para reinventar o mundo.

Diz o professor Luiz Percival Leme de Britto, linguista, escritor, ativista e parceiro incansável por leitura e escrita de qualidade para todos: “O mundo que a gente quer pode ser o mundo que a gente decidir fazer: e isso significa gente que pensa, cria e estuda. A educação é a possibilidade da consciência de que a vida se faz na história humana e essa história é também uma história de fazer a natureza além de simples coisa “. Ou seja, é certo que não há uma função redentora na leitura, pois as pessoas se constituirão e junto com elas seus valores e consciência a partir de uma série de outras interações no mundo, extremamente complexas. Como se diz, é preciso uma aldeia para educar uma criança. E essa aldeia precisa ser constituída por pessoas conscientes de que há muito no chão a ser pisado e não será sem muito esforço intelectual, inclusive, e acolhimento que chegaremos na plena proficiência para fazer as leituras de mundo necessárias e assumir os compromissos idem, que não será transmitida pelo contato cotidiano com leituras descuidadas internet adentro; leituras sem propósito formativo, sem o apoio permanente de um adulto educador: em casa, na escola, na cidade, no campo, no chão que a gente pisa e habita.

O que quero dizer é que há uma atenção estratégica na garantia da plena inserção na cultura escrita que precisa ser conscientizada e assumida com efetividade: desde os primeiros momentos da vida de uma criança no colo da família, recebendo direto da fonte de afeto o alimento literário, nas instituições de ensino, nas bibliotecas abertas ao público. Deve estar em campanhas para informar famílias, no projeto político pedagógico das escolas, nas bibliotecas nas escolas plenamente integradas à educação integral, no currículo das universidades, em especial na formação dos professores,

Há muitos debates sobre a relevância da literatura, da ficção, ao promoverem a fantasia, a fruição, que oferecem aos leitores a experiência de se colocarem no lugar dos personagens e a sua possibilidade de experimentarem a alteridade, fundamental para desenvolver uma habilidade imprescindível ao comportamento de abertura para o conhecimento e o acolhimento, a capacidade de escutar e se colocar no lugar do outro; um requisito estruturante para a vida democrática.

Somos feitos dos mesmos elementos presentes nas estrelas, heranças do big bang, mas está em nossas mãos o nosso destino comum. Diante do cosmos, somos figurinhas insignificantes planando numa pequena poeira cósmica: “a pale blue dot” (um pálido ponto azul), como Carl Sagan se referiu à Terra, observável pela primeira vez fora das fronteiras de sua atmosfera graças ao lançamento da Voyager nos idos de 1977. E há um bonito paradoxo nesta frágil existência: a força da pulsão de todas as vidas vividas, conhecidas de nós ou não, que nos antecede e prolonga para além de nós. Uma razão a mais para seguir o conselho de Carl Sagan: nos apegarmos com amorosidade e responsabilidade a este pequeno planeta. Para isso, inclusive, precisamos ser plenamente proficientes em ler e escrever. Aqui o link, para saber e se encantar.

 

*Cientista social formada pela PUC/SP com MBA em marketing pela FIA/FEA/USP. Consultora de educação do Instituto Ecofuturo, organização da qual foi co-idealizadora e onde criou e dirigiu o Programa Ler é Preciso por 15 anos. É conselheira do Movimento por um Brasil Literário e da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Fundadora da Centhral do Brasil Consultoria de projetos de educação para a leitura e escrita e sustentabilidade.

 

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