A economia de amanhã: um guia do filantrocapitalista

Por: GIFE| Notícias| 26/06/2013

Matthew Bishop*

“Eu nunca faço previsões, especialmente para o futuro”, brincou Yogi Berra, uma estrela do beisebol e um legendário talento americano. Quando o assunto é prever tendências na filantropia, o conselho dele é especialmente válido, já que é necessário prever tanto o fornecimento de capital filantrópico, o que significa mapear o possível caminho do crescimento econômico, compartilhar preços e normas sociais, além de a demanda por dinheiro privado participar no combate aos problemas da sociedade. Contudo, depois de dar o meu alerta, eu vou tentar.

De forma geral, espero que tenha muito mais filantropia nos próximos anos, feitas melhor do que nunca, que será cada vez mais global, tanto em termos da origem do dinheiro como de onde ele é gasto.

A quinta Era Dourada da Doação

Nesses tempos de austeridade, isso pode parecer um otimismo exagerado. No Philanthrocapitalism (Filantrocapitalismo), meu primeiro livro com Michael Green, nós defendemos que o mundo está nos primeiros aos da Quinta Era Dourada da Doação. Em cada uma das eras douradas anteriores, o começo da criação de um período semelhante dourado de riqueza geralmente resultou de inovações empresariais que, depois, foram adaptadas para facilitar a doação mais eficiente. A primeira foi na Idade Média, quando as novas classes de mercadores da Europa fizeram fortunas com o comércio; a segunda foi no século 18, depois da invenção da sociedade anônima; a terceira na Bretanha Vitoriana e na Europa continental, quando aconteceu a revolução industrial; e a quarta na América, quando novos processos industriais criaram o que continua a ser a maior economia do mundo.

A atual Era de Ouro da Doação é liderada por um longo boom econômico que começou nos anos 80, produzido por uma combinação de inovação técnica rápida, liberalização do mercado, reduzidas taxas de imposto marginais sobre mercados de ação que estão cada vez mais ricos e com maior liquidez, e a globalização. A quebra do Lehman Brothers em setembro de 2008 marcou um ponto de inflexão neste boom, como Michael Green e eu discutimos em nosso livro The Road from Ruin.

Antes desse ponto, a forte economia global parecia fazer ondas que levantavam todas as embarcações, mesmo se o crescimento fosse mais forte no mundo em desenvolvimento, onde novas fortunas foram criadas e centenas de milhares de pessoas foram tiradas da pobreza. Os formuladores de política do mundo rico ficaram cada vez mais confiantes que haviam encontrado a fórmula mágica para aumentar empregos e manter a inflação baixa – o que Bem Bernanke, o presidente do Banco Central (Federal Reserve) dos EUA, chamou de “grande moderação”.
O mundo em desenvolvimento caminha para o estágio central

Depois de setembro de 2008, essa confiança foi destruída. Ficou cada vez mais claro que os benefícios do crescimento para as famílias médias do mundo desenvolvimento foram extremamente exagerados pela pronta disponibilidade de dívida. A falsa sensação de riqueza alimentou uma enorme bolha imobiliária. O estouro da bolha deixou claro que na América, e em partes da Europa, a família média pouco melhorou economicamente na década anterior e, ao mesmo tempo, criou uma profunda sensação de insegurança econômica. Quando o crescimento econômico no mundo desenvolvido esmoreceu, ficou claro que o centro de gravidade em qualquer economia global estava passando rapidamente para o mundo em desenvolvimento.
Grande parte do crescimento desde 2008 tem acontecido nas economias dos países em desenvolvimento. A cada trimestre deste a quebra do Lehman Brothers, as economias emergentes geral pelo menos dois terços do aumento global no PIB total e, em alguns trimestres, todo o aumento.

Esta mudança dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento deve continuar ainda por muitas décadas, com drásticas consequências para o formato da economia global e, com isso, para o potencial da filantropia. Em 2011, a América contribuiu com quase 23% to PIB global total e os países da zona do euro com 17,1%, um pouco mais do que a China que foi responsável por 17%, enquanto a Índia promoveu 7%, segundo a OCDE. Até 2030, a China deve gerar 28%, em comparação a pouco menos de 18% dos EUA e menos de 12% da zona do euro.

Resta saber se esse crescimento será acompanhado por alguma mudança significativa no percentual da renda nacional que é distribuído e que, atualmente, parece ser muito menor nos países em desenvolvimento do que nos desenvolvidos, especialmente na América do Norte. Um alerta: há poucos estudos confiáveis que comparam os níveis de doação entre os países, por causa da coleta de dados inadequada e das diferenças de como doação é definida.

Surpreendentemente, a fonte mais citada sobre as diferenças internacionais continua a ser um estudo rudimentar de 2006, feito pela Charits Aid Foundation, que analisou 12 países, desde os EUA (com 1,7% do PIB doado anualmente) e a Bretanha (0,7%) até a França (0,14%). O Índice Mundial de Generosidade, da CAF, que sugere que a doação caiu em 146 países em 2011, ainda não tem grande aceitação.

Acompanhando os mercados

As tendências de crescimento do PIB podem ser indicadores razoáveis da doação entre o público em geral que, nos EUA, por exemplo, é dez vezes maior do que a doação dos super ricos, apesar de as ocasionais grandes doações dos ricos saírem mais nas manchetes. A doação dos ricos, ao contrário, está mais relacionada às mudanças nos preços das ações, como Patrick Rooney do Centro de Filantropia da Universidade de Indiana observa.

Isso também é verdade para as fundações subsidiadas, onde o principal curso de variações nos valores do ativo são os movimentos nos preços das ações, especialmente nos EUA, por causa da exigência legal de 5% do lucro. Em outros países os dividendos costumam ser bem menores do que 5%. Na Bretanha, por exemplo, em 2010 duas das maiores fundações, a Garfield Weston e o Children’s Investment Fund, distribuíram apenas 0,8% e 1,6% de seus ativos, respectivamente, segundo a Cass Business School. Eu gostaria de ver uma regra de distribuição de 5% dos dividendos em todos os lugares e acredito que isso aumentaria a quantidade de dinheiro disponível para os beneficiários. No entanto, essa ideia sofre grande resistência do setor de fundações, e há poucos sinais em outros lugares do tipo de retrocesso populista contra as fundações que acelerou a introdução da regra de distribuição de dividendos na América do Norte nos anos 60.

Em grande contraste com o PIB global, os mercados de ações do mundo não mudaram muito para o mundo em desenvolvimento. Durante a quebra, a parcela dos países desenvolvidos na capitalização do mercado global caiu de aproximadamente 95% em 2000 para 74,3% – ainda muito acima de sua parcela do PIB – e até 2012 havia até mesmo subido um pouco, para 75%. Isso se deve parcialmente ao fato de as subsidiárias das empresas do mundo desenvolvido instaladas no exterior terem se beneficiado do crescimento do mundo em desenvolvimento, na forma de maiores preços de ação, e parcialmente porque é mais atraente para as empresas de países em desenvolvimento venderem as ações nas bolsas do mundo rico. Isso dificulta trabalhar onde o controle dessa riqueza do mercado de ações realmente reside e, assim, como e onde parte dessa riqueza tem potencial de ser distribuída.

Erguendo todas as embarcações – ou somente os iates de luxo?

No mundo todo, as perspectivas econômicas dos ricos melhoraram rapidamente depois do final a crise financeira que seguiu à quebra do Lehman. Isso reforçou uma crescente tendência de desigualdade no topo da escada de renda e riqueza. Segundo um estudo da OCDE em 2011, nos 20 anos anteriores a desigualdade entre a renda do decil mais rico e do mais pobre da população aumentou na maioria dos países desenvolvidos, da mesma forma que reduziu nos países em desenvolvimento (apesar de mesmo lá a riqueza dos mais ricos estar crescendo mais rapidamente do que a de qualquer outra pessoa).

A OCDE argumenta que nada disso é inevitável. As políticas concentradas em investimento em capital humano através da educação e do treinamento, políticas ativas de mercado de trabalho que ajudam os desempregados a voltar ao trabalho e às pessoas subempregadas a participarem de trabalhos mais gratificantes e lucrativos, juntamente com políticas fiscais e de incentivo elaboradas para garantir que ninguém seja desencorajado a trabalhar, poderiam resultar no tipo de “crescimento inclusivo”” que é realmente a onda que eleva todas as embarcações. Até agora, contudo, a despeito do persistente e escandalosamente alto desemprego nos países desenvolvidos depois da crise financeira, parece-me que há pouco progresso na introdução dessas políticas. Se isso não mudar, a tendência de crescente desigualdade deve continuar.
Mais bilionários e mais deles vindos dos países em desenvolvimento

Segundo a classificação anual de bilionários feita pela revista Forbes, o número caiu de um pico de 1.125 no início de 2008 para 792 em 2009. Mas em 2013 houve uma nova alta para 1.426. Em 2008, 444 dos bilionários (pouco menos de 40%) eram dos EUA, enquanto a Rússia, Índia e a China totalizaram 182 (pouco mais de 16%); em 2013, no entanto, apesar de os EUA ainda terem a maioria dos bilionários, sua parcela caiu para 31%, enquanto a Rússia, Índia e China, juntas, se gabam de 287 (20%). Um número cada vez maior de bilionários vem de outras partes do mundo em desenvolvimento, da Indonésia ao Brasil e México, onde Carlos Slim hoje é, sem dúvidas, o homem mais rico do mundo.

Encontramos uma tendência semelhante entre os meros milionários. Segundo a Cap Gemini, que publica um Relatório Mundial de Riqueza anual, o número de indivíduos de alto valor líquido (definidos com os que têm pelo menos US$ 1 milhão em ativos financeiros) ultrapassou 11 milhões, em comparação aos 8,2 milhões em 2004. Mais de 3,4 milhões desses milionários estavam na região Ásia e Pacífico, quase o mesmo número que os EUA e um pouco mais do que na Europa.

A sensibilidade extra das fortunas dos ricos às mudanças nos mercados de ações aumentou rapidamente nos últimos 25 anos, já que um número maior de empresários buscou, desde o início, colocar o dinheiro no banco conseguindo uma “saída” para suas startups, preferencialmente por meio de uma OPI (Oferta Pública Inicial) quente. Isso criou um fenômeno que o jornalista Robert Frank (em seu livro “High Beta Rich”) chamou, em uma tradução aproximada, de “Altos Ricos Beta”, onde a exposição aos mercados financeiros tende a fazer com que as fortunas dos ricos subam desproporcionalmente nos tempos bons, para afundar drasticamente nos tempos ruins. Para entender essa volatilidade, compare as mudanças relativamente modestas, digamos, no PIB os EUA entre 2007 e 2010 – alta de 4,9%, alta de 1,9%, queda de 2,3%, alta de 3,7% – com a montanha russa que foi o índice S&P das ações norte-americanas: alta de 3,5%, baixa de 38,5%, alta de 23,5%, alta de 12,8%.

A volatilidade de sua riqueza deixou várias pessoas ricas em uma situação difícil quando suas fortunas viraram fumaça. O empresário varejista escocês Tom Hunter com certeza se arrependeu de seu compromisso público de doar no mínimo £ 1 bilhão durante sua vida, quando ele se viu valendo muito menos do que isso ao final da crise financeira. Meu palpite é que essa experiência castigante não limitará tanto a vontade dos ricos de virarem filantropos – a decisão de Mark Zuckerberg, o co-fundador do Facebook, de distribuir milhões de dólares com 20 e poucos anos, certamente faz parte de uma tendência de começar a filantropia o mais jovem possível -, mas sim até que ponto e com que rapidez os filantropos jovens transferem seus ativos financeiros para uma fundação de caridade ou os distribuem definitivamente.

Portanto, se não houver uma mudança significativa na elaboração de política, eu vejo a continuidade de três tendências bastante fortes:
• Haverá mais pessoas ricas com fortunas maiores.
• Uma parcela maior dessas pessoas ricas estará fora do que agora chamamos de países desenvolvidos.
• Nos países desenvolvidos (e talvez nos países em desenvolvimento, que estão se aproximando dos níveis de PIB per capita dos países ricos), a desigualdade continuará a crescer, especialmente entre 1% e o restante.
Consequências para a filantropia

O que isso implica para a filantropia? Analisando simplesmente pela oferta, eu apostaria em muito mais bilionários e multimilionários se tornando doadores ativos; uma parcela crescente de doações super ricas como percentual da doação total da maioria dos países; e, a emergência de uma filantropia significativa em muitos países agora considerados em desenvolvimento, onde até o momento ela tem sido relativamente insignificante.

No entanto, o processo de converter as tendências de riqueza em tendências filantrópicas nem sempre é direto. Talvez os esforços do governo para promover a filantropia com flexibilidade fiscal – ou acabar com esse tratamento preferencial, como recentemente discutido pelos EUA e a Bretanha – façam uma grande diferença, apesar de as evidências sugerirem que raramente esta é a principal influência no motivo de as pessoas doarem.

O Compromisso de Doação – uma nova norma para os ricos?

Outro grande mistério é até que ponto a filantropia será uma norma social no futuro para todos os que ficarem super ricos. Em 2007, durante minha pesquisa para o Philanthrocapitalism, Bill Gates me disse que ele achava que a filantropia séria hoje em dia ainda era uma atividade minoritária, mas que eventualmente uma grande parcela da riqueza se envolveria na doação séria – “mais provável que 70% do que 15%”.

Com o Compromisso de Doação (Giving Pledge) Gates e seu amigo filantropo Warren Buffett estão fazendo sua parte para tornar a filantropia uma norma social para os ricos. 102 bilionários já assinaram o compromisso. Os céticos dizem que isso é apenas 7% da lista dos bilionários da Forbes, então ainda há muito a fazer. Além disso, a maioria dos signatários já praticava a filantropia antes de assinar o compromisso e, portanto, Gates e Buffett só estariam aumentando o coro. No entanto, Buffett discorda. Ano passado ele me disse que os signatários do compromisso devem dar “”mais, mais cedo”” e se tornar uma fonte de inspiração para os outros, que ainda não doam, começarem a doar, como fazem empresários mais jovens como Mark Zuckerberg e Elon Musk.

Também há alguma divergência de opinião em relação a se inclusão de vários não americanos na lista dos novos signatários do Compromisso de Doação, anunciada em fevereiro, é tão positiva quanto parece à primeira vista. A maioria deles, como Mo Ibrahim, já faz filantropia há muito tempo. Além disso, ouvi dizer que talvez fosse criado um novo Compromisso de Doação para as pessoas fora dos EUA, mais ajustado às convenções culturais locais e que acrescentar esses estrangeiros à lista americana era simplesmente uma segunda melhor opção.

Ao divulgar o Compromisso no estrangeiro, Gates e Buffett também não foram sempre recebidos de braços abertos. Em países com a China e a Índia, disseram a eles abertamente que uma sociedade que ainda enfatiza responsabilidades da dinastia não vai receber bem essa distribuição do grosso de suas fortunas. Por outro lado, nos dois países e, na verdade, em grande parte do mundo, parece haver uma expectativa crescente que os ricos se envolverão com a filantropia significativa, mesmo que em uma escala mais modesta do que na América. A pressão dos pares parece desempenhar um grande papel neste caso. Como um magnata vai ousar aparecer, digamos, no Fórum Econômico Mundial em Daos sem poder falar com orgulho do trabalho de sua fundação?

Investimento de impacto – menos conversa, mais ação

Os signatários do Compromisso agora se reúnem todos os anos para, como Warren Buffett diz, se tornarem doadores mais inteligentes – compartilhando as melhores práticas, buscando por oportunidades de colaboração e se concentrando em questões temáticas como o investimento de impacto. Se eles puderem ajudar a criar um mercado viável para o investimento de impacto, haverá um grande impacto na direção futura da filantropia, no mínimo por permitir que os doadores coloquem seus ativos para trabalharem em apoio a uma missão filantrópica, mesmo antes de serem usados para seu fim beneficente. Hoje, a maioria das fundações investe suas dotações sem pensar se o dinheiro está afetando suas missões.

Embora eu ache que o investimento de impacto faça muito sentido, também acho que há muita conversa e pouca ação. Se isso não mudar, o impacto pode ser mínimo. Os governos têm um papel importante a desempenhar para encorajar essa mudança, talvez por meio de incentivos fiscais e certamente fazendo o máximo de uso possível dos chamados títulos de impacto ou de progresso social. Sou particularmente otimista que o investimento de impacto se enraizará nos países em desenvolvimento, onde as oportunidades ganha-ganha para os colaboradores privados e comerciais continuam a crescer, talvez antes de se enraizar nos países ricos.

Um fator crucial será se a nova geração de filantropos ativos conseguirá apresentar resultados, tanto quanto a Carnegie Corporation, a Fundação Rockfeller e a Fundação Ford fizeram em seus áureos tempos. Os magnatas ricos de hoje em dia são muito motivados pelo ganho, então se a filantropia for associada a fazer as coisas acontecerem, os que a fazem farão ainda mais, e os outros tentarão fazer, competindo para serem os melhores. No entanto, não apresente resultados e a filantropia pode começar a deixar de ser atraente para os ricos. É por isso que as novas técnicas e assumir os riscos, sobre os quais escrevo em Philanthrocapitalism, são tão importantes. Desde que a filantropia possa – e aproveite a oportunidade – usar seu ponto forte de pensamento em longo prazo, assumir riscos e sua perícia em aplicar os melhores métodos de negócios, eu acredito que a lista de êxitos vai aumentar rapidamente, com um círculo virtuoso crescente de doação.

Doação de varejo

A doação mais inteligente terá um efeito positivo semelhante na chamada filantropia de “varejo” praticada pelo público em geral? A emergência da mídia social trouxe com ela a possibilidade de mesmo pequenos doadores terem um compromisso maior com os que eles tentam apoiar, dando um feedback significativo sobre suas doações. Tenho esperança que isso ajude a superar os sentimentos de insatisfação que muitas pessoas têm quando colocam dinheiro em uma lata e nunca mais ouvem falar dele, ou são pardos na rua por “”caritantes”” (assaltantes de caridade). Em combinação com mídias de massa mais sofisticadas e campanhas da mídia social para incentivar a doação – tais como a campanha #givingtuesday que eu ajudei a lançar na América ano passado, ou a campanha “um yen por mês” do astro Jet Li na China – pode haver uma mudança para cima nas taxas de doação pelo público em geral. Isso poderia ser parte de um grande passo no desenvolvimento de uma sociedade civil global que funcione bem, ajudado pela difusão da mídia social (e, talvez, como aconteceu com o trabalho de Ford nos anos 60 e 70, por alguma grande filantropia inteligente). Mas, vamos ver.

Também espero que as grandes empresas tenham um papel importante na superação dos grandes desafios sociais e ambientais. Não é de surpreender que a doação corporativa tenha mais a ver com a rentabilidade corporativa, que tem aumentado constantemente no mundo todo, como parcela do PIB. No entanto, espero que o papel mais importante das empresas nas questões sociais e ambientais não seja tanto por meio da doação quanto por uma abordagem mais esclarecida sobre sua estratégia, conforme descrito pelo professor da Escola de Comércio de Harvard, Michael Porter, em seu trabalho sobre a criação de “”valor compartilhado”” para os acionistas e a sociedade. Mais uma vez, estamos só no começo. Como a Unilever faz na execução de sua audaciosa estratégia de duplicar suas vendas e reduzir à metade sua pegada ambiental servirá de indicador chave sobre em qual direção o vento corporativo está soprando.

Onde a provisão pública encontra a privada

As Eras Douradas de Doação anteriores surgiram por causa de uma maior oferta de riqueza a ser doada e por causa de uma crescente demanda pelo dinheiro e pelos serviços dos filantropos. Mesmo antes de 2008, a demanda tem crescido por causa dos novos problemas que surgiram e que não são facilmente combatidos pelo governo (de mudança climática e pandemias e tráfico humano) e porque os governos estavam lutando para cumprir com as obrigações imputadas a eles pelas gerações anteriores de políticos. A crise financeira de 2008 aumentou muito a pressão sobre muitos governos, ao aumentar as demandas por serviços básicos de bem-estar, fazendo com que eles aumentassem massivamente o empréstimo para níveis nos quais os mercados financeiros exigiam cortes nos gastos para continuarem a emprestar. Ao mesmo tempo, o rápido desenvolvimento de países como a Índia e a China está trazendo pressão para resolver grandes problemas como aumento na poluição e a construção de uma rede viável de segurança do bem-estar.

Fica claro que os governos de todas as partes permitirão cada vez mais que a doação privada e comercial desempenhe um papel maior na promoção do progresso social, geralmente em parceria com eles. Um grande desafio será conseguir a divisão do direito trabalhista. Quanto mais os filantropos têm a permissão de se entregar a assumir risco e pensamento em longo prazo ou contrário, e quanto menos forem vistos como carteiras de dinheiro, maior a chance de desempenharem um papel positivo.

Medidas de desempenho não econômico

É necessário um guia sobre onde precisa de pensamento mais inovador para que os países avancem no novo Índice de Progresso Social, lançado em abril. Este projeto, inicialmente proposto por um Conselho de Agenda Global do Fórum Econômico Mundial que eu presidi, e que foi levado a diante com apoio filantrópico, compara os países segundo uma bateria de medidas não econômicas de desempenho social e ambiental.

Entre outras coisas, dá destaque aos países que, em termos de progresso, estão atrás de outros países com PIB semelhante. A América, a África do Sul, a Índia e a Rússia relataram um progresso social muito menor do que o esperado em relação a seu PIB, segundo a primeira versão do que será uma lista anual. Nesses países, é necessário que haja uma demanda especialmente forte por soluções inovadoras, do tipo que os filantropos podem oferecer. É notável a quantidade de ação filantrópica desenvolvida na Índia recentemente, focada na capacitação da sociedade civil para cobrar a responsabilidade do governo. A iniciativa de criar uma identidade única para cada cidadão indiano, que envolve o governo da Índia, o filantrocapitalista Nandan Nilekani e o setor privado, pode mostrar como dar aos inovadores do setor privado um papel de liderança pode fazer com que os países em desenvolvimento superem os desenvolvidos na criação de um Estado do século XXI que funcione bem.

Além das MDMs

Outro sinal de como o mundo está mudando é o papel de liderança que os filantropos e os negócios estão desempenhando no debate sobre qual estratégia de desenvolvimento internacional deveria seguir às Metas de Desenvolvimento do Milênio para 2015.

Minha maior incerteza é se as políticas evoluirão de forma a aumentar a demanda por filantropia. O público vai ser cada vez mais hostil às atividades dos super ricos e isso levará os ricos a usarem a filantropia como uma forma de melhorar sua posição com o público? Por outro lado, a maior filantropia poderia ser vista como uma demonstração de uma crescente influência plutocrática e, assim, poderia haver pressão política para refrear essas intervenções.
O chamado de Andrew Carnegie para que os ricos abracem a filantropia (“”o homem que morre rico morre em desgraça””) se baseia em parte em sua crença que a doação pode proteger o capitalismo contra o socialismo. Por outro lado, nem Gates nem Buffett acreditam que os filantropos de hoje sejam motivados pela ideia “que isso vai acalmar as massas”, como Bufett coloca. Na verdade, ele observa, “é impressionante o grau de desigualdade que existe sem as pessoas ficarem realmente contrariadas”.

Imagino por quanto tempo a desigualdade poderá continuar a crescer sem que um número grande de pessoas fique contrariado, ou seriamente bravos, e em qual ativismo eles deveriam se envolver para convencer os ricos a distribuírem mais, pelo menos como precaução. Talvez menos do que Warren Buffett acha. De qualquer forma, espero que não seja o medo crescente que convença os ricos a colocarem mais a mão no bolso.

Em relação ao resto de nós, talvez nossos formuladores de política nos surpreendam criando as condições adequadas para um crescimento econômico significante e inclusivo. Então poderemos fazer nossos próprios compromissos pessoais de doação e tirar vantagem dos avanços tecnológicos que facilitam com que nós doemos, mesmo pequenas quantias, de forma a fazer uma diferença mensurável. Então todos nós poderemos desfrutar do bom sentimento que os neurocientistas dizem que a filantropia gera. Pode ser. Mas como Yogi Berra também gracejou “não chegou ao fim até acabar””.

*Matthew Bishop é Chefe do Escritório de Nova York do The Economist e co-autor, junto com Michael Green, de vários livros, inclusive o Philanthrocapitalism: How giving can save the world. E-mail: [email protected]

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