A fome atinge mais de 33 milhões de brasileiros e é prioridade social do novo governo

Por: Fundação FEAC| Notícias| 24/02/2023

Em Campinas, 90 mil famílias se encontram em situação de vulnerabilidade e insegurança alimentar, segundo dados do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) de 2022. Foto: Agência Brasil.

Uma das primeiras ações do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi o anúncio do retorno do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), extinto em 2019. Enquanto ativo, a função do Consea era monitorar programas relacionados à segurança alimentar e nutricional, agindo no combate à fome e na redução do uso de agrotóxicos na agricultura.

Atualmente, mais de 33 milhões de brasileiros sofrem com a fome, de acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). O retorno do país ao Mapa da Fome, da Organização das Nações Unidas (ONU), reforça a urgência de estratégias e políticas públicas voltadas ao enfrentamento da insegurança alimentar.

Em Campinas, 90 mil famílias se encontram em situação de vulnerabilidade e insegurança alimentar, segundo dados do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) de 2022, ferramenta que identifica famílias de baixa renda e é utilizada como referência para a criação de políticas sociais.

Para entender o cenário, a Fundação FEAC conversou com a nutricionista, mestre e doutoranda em Gerontologia pela UNICAMP Carolina Neves Freiria.

Carolina é autora de uma tese de doutorado que aborda a insegurança alimentar em idosos, que tem como base cadastros da Estratégia de Saúde da Família (ESF) nas cidades de Campinas, Limeira e Piracicaba.

O que é insegurança alimentar?

A insegurança alimentar ocorre quando uma pessoa não tem acesso regular a alimentos em quantidade e qualidade suficientes para uma vida saudável. Já a segurança alimentar é o contrário: a pessoa tem acesso regular e permanente à alimentação. Carolina Neves Freiria enfatiza que esse consumo não deve afetar as outras necessidades essenciais da pessoa, como o acesso adequado à saúde.

A insegurança alimentar pode ser classificada em três níveis, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO):

  • Leve: incerteza de conseguir alimentos e/ou qualidade de alimentos comprometida.
  • Moderada: quantidade insuficiente de alimentos.
  • Grave: privação no consumo de alimentos e fome por um dia ou mais.

“A insegurança alimentar está relacionada às desigualdades sociais presentes no país”

Quem são as pessoas mais atingidas pela insegurança alimentar? Ela está ligada a quais fatores?

Carolina Freiria
Carolina Freiria

Carolina Neves Freiria – A insegurança alimentar está relacionada às desigualdades sociais presentes hoje no país. No último relatório da Rede Penssan, sobre a segurança alimentar e nutricional do Brasil, em 2022, a fome aparece em famílias de baixa renda, que tinham menos de meio salário-mínimo per capita, e em lares com baixa escolaridade.

Outro dado é que seis em cada dez lares comandados por mulheres convivem com a insegurança alimentar. E em 65% dos lares em que o chefe da família se autodeclarou preto ou pardo foram classificados em insegurança alimentar.

Em relação à pandemia, um dado importante a ser analisado é que a insegurança alimentar está mais associada aos lares em que o chefe de família está desempregado ou tem um emprego informal. Também vale ressaltar que a insegurança alimentar é maior nos estados do norte e nordeste.

Esse relatório é importante para identificar quem são as pessoas mais vulneráveis à essa situação e subsidiar a criação de políticas públicas específicas.

Qual é o cenário da insegurança alimentar no Brasil nos últimos anos?

Carolina Neves Freiria – A pandemia não é a única causa da insegurança alimentar, ela só agravou a situação. Em 2014, o Brasil saiu do Mapa da Fome da ONU. Naquela época, 60% das pessoas estavam em segurança alimentar. Mas em 2015 voltamos ao Mapa da Fome, e esse cenário só vem se agravando.

Atualmente existem mais de 33 milhões de pessoas famintas no país. Dessas pessoas, 28% estão em insegurança alimentar leve, 15,2% no nível moderado e 15,5%, grave. Ou seja, só 43,3% da população está em segurança alimentar.

O novo governo anunciou a volta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea). Qual é a importância do Consea no combate à fome?

Carolina Neves Freiria – O Consea é fundamental porque é um órgão consultor do presidente para a criação das políticas públicas. O que eu considero mais importante é a capacidade dele se interligar entre todos os ministérios, porque a insegurança alimentar é ocasionada por diversos fatores. Desde a produção de alimentos até a questão de renda. Por isso precisa ter essa conexão.

E além de ter essa participação do governo, também tem a participação de setores privados e representantes de populações mais vulneráveis que vão auxiliar na formulação de políticas públicas.

Com a volta do Consea, quais são os desafios nos próximos anos?

Carolina Neves Freiria – Os desafios vão estar ligados à essa articulação entre os ministérios, com a participação do setor privado e da população, e a criação de uma proposta de política pública que seja acatada pelo governo. Também trabalhar com o desemprego, com as políticas de transferência de renda. Porque se melhorar apenas um setor, não vamos conseguir combater de forma efetiva a insegurança alimentar.

Como já mencionei, por exemplo, a segurança alimentar é influenciada por diversos fatores, desde a produção no campo Então incentivar mais a agricultura familiar, que exerce um papel importante. Uma boa estratégia para combater a insegurança alimentar é o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que tem a participação de pelo menos 30% da agricultura familiar.

Você está fazendo um doutorado sobre insegurança alimentar em idosos de Campinas, Limeira e Piracicaba. Poderia explicar sua pesquisa?

Carolina Neves Freiria – O meu estudo é tentar entender quais são os fatores que estão associados com a insegurança alimentar em idosos.

E por que eu estou estudando a insegurança alimentar em idosos? Porque muitas pesquisas focam apenas na nutrição materno infantil, e não havia essa visão dos idosos no Brasil. Eu optei por esse público porque o idoso pode estar mais associado à insegurança alimentar por vários fatores, não somente pela renda. Ele pode ter uma dificuldade no preparo dos alimentos ou alguma incapacidade que o impeça de conseguir ter acesso aos alimentos, por exemplo.

De resultado inicial, do que já foi publicado, temos um dado importante que cerca de 42% dos idosos entrevistados estavam em insegurança alimentar antes da pandemia. Descobrimos que estavam mais associados a essa situação, idosos que se autodeclararam pretos ou pardos. Outro dado é que entre os idosos que tinham o menor suporte social, eles estavam em insegurança alimentar. Então vemos como é importante o apoio social ao idoso.

Como está o cenário da insegurança alimentar em idosos em Campinas?

Carolina Neves Freiria – Como Campinas era a maior proporção da amostra da pesquisa, havia a questão de ter maior insegurança alimentar. Pesquisamos em sete Centros de Saúde, e um fato interessante é que constatamos que aqueles que eram mais afastados do centro da cidade, tinham uma maior proporção de idosos em situação de insegurança alimentar.

Como podemos combater a insegurança alimentar?

Carolina Neves Freiria – As políticas públicas são as principais. Temos, por exemplo, a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o Plano Nacional de Alimentação Escolar, o Programa de Aquisição de Alimentos e o Programa de Transferência de Renda.

Acho que é também importante ressaltar, que além desse papel do governo, as entidades privadas podem ter uma participação ativa. Elas podem incentivar doações para organizações que trabalham com a segurança alimentar e distribuir cestas básicas.

E também de forma individual. Podemos fazer a nossa parte evitando desperdícios de alimentos, priorizando uma alimentação mais saudável e orgânica, apoiando agricultores familiares. Temos o papel importante do governo, mas cada um também pode fazer a sua parte.

Por Pietra Bastos

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