A fome dos outros
Por: GIFE| Notícias| 25/05/2009Rodrigo Zavala
Já no início da projeção de Garapa, o novo documentário do premiado diretor José Padilha, de Tropa de Elite e Ônibus 174, o espectador compreende que existem duas formas de morrer de fome. A primeira é simplesmente fechando a boca. A segunda, mais cruel, é comendo muito pouco, para que as doenças correlatas à desnutrição vitimem a pessoa.
No texto seguinte, o dado dramático: 11,5 milhões de brasileiros passam por insegurança alimentar grave e – por dedução lógica – se enquadram no segundo grupo. O número é do Ibase (Veja Pesquisa), divulgado no ano passado, em pesquisa sobre os impactos do programa Bolsa-Família do governo federal.
Essa é a moldura de Padilha para o seu filme, que retrata o dia-a-dia de três famílias miseráveis e famintas do interior do Ceará. Filmado em preto-e-branco, o que se vê na tela é o suplício de casais e crianças que vivem da racionalização de alimentos e da ajuda de outros não tão desafortunados.
Basta entender que o título da produção tem a ver com a penúria da dieta. Garapa é a mistura de água e açúcar, que, pelo que se vê no documentário, é usado como suplemento alimentar na de alimentos. Por exemplo: em vez de leite, na mamadeira de recém-nascidos tem garapa.
Embora o diretor se atenha aos sintomas e não as causas da desolação das cenas, ele coloca indiretamente ao espectador a uma pergunta – ou mais uma inquietação. Se os personagens recebem o bolsa-família – programa de transferência direta de renda, que beneficia famílias em situação de pobreza -, por que estão na penúria? Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, Padilha afirmou o seguinte:
“”É eticamente inadmissível que alguém, no grupo dos beneficiados históricos do país, olhe para os miseráveis que não têm o que comer e diga que os R$ 58 que o governo dá a eles são uma política errada””. Disse, seguro que o valor oferecido é inferior às necessidades do beneficiado. Garapa vem a provar que sua lógica é correta.
O que parece contraproducente nesse debate é acreditar que a solução é simplesmente aumentar o valor dos benefícios. Sabe-se que o programa dá pouco a quase 47 milhões de pessoas, supondo que todas elas passem fome. O que, visto pelos próprios dados do Ibase, não é bem assim.
Mesmo o filme não mostra isso, já que as famílias não são diretamente atendidas pelo Bolsa-Família. Isto é, apesar de levantar a questão, Padilha se fia na suposição do grupo de entrevistados e não mostra outras formas de receitas das famílias.
O indicativo, aqui, é a necessidade premente de dimensionar de forma correta os recursos do programa federal. Ao focar naqueles que não têm o que comer, que passam fome e morrem aos poucos – grupo representado pelos personagens de Padilha – melhor seriam gastos os R$ 11,4 bilhões investidos pelo governo. O resto poderia ir, aí sim, para projetos de educação, a saída mais evidente da linha de pobreza.
Acreditar que a discussão paire apenas no valor dos benefícios e que se passa fome no Brasil porque os recursos são escassos é incorrer em erro. Por isso é sempre importante ver com olhos atentos as discussões latentes nas entrelinhas de Garapa.
O filme entra em cartaz no dia 29 de maio.