A importância da primeira infância no desenvolvimento saudável das crianças

Por: Fundação FEAC| Notícias| 30/10/2023
A importância da primeira infância no desenvolvimento saudável das crianças.

Foto: Freepik

Os primeiros anos de vida são fundamentais para o desenvolvimento das crianças. É nessa fase, conhecida como primeira infância – que vai até os 6 anos de idade – em que são desenvolvidas muitas das habilidades físicas, sociais, emocionais e cognitivas. Estudos na área da neurociência vêm mostrando que durante os primeiros 1.000 dias, as crianças respondem mais rapidamente às intervenções do que em qualquer outra fase, podendo fazer até 1 milhão de novas conexões neurais por segundo.

A pesquisa O impacto do desenvolvimento na primeira infância sobre a aprendizagem, desenvolvida pelo comitê científico do Núcleo Ciência pela Infância (NCPI), mostra que competências como atenção, memória, planejamento e raciocínio também se formam nesse período. Por mais que se desenvolvam e sejam amadurecidas e elaboradas ao longo da vida, são nesses primeiros momentos após o nascimento que essas conexões fundamentais se estabelecem.

Todas as experiências vividas nessa etapa são valiosas e vão interferir na formação cerebral dessa criança, tendo relação direta com o adulto que ela será no futuro.

No entanto, garantir o desenvolvimento pleno de uma criança não é tarefa fácil nem responsabilidade exclusiva de seus familiares e cuidadores. “O mais importante é oferecer um apoio intersetorial, para ampliar e fortalecer a capacidade protetiva dessas famílias”, pontua Stelle Goso, líder do Programa Infância em Foco, da Fundação FEAC.

Se cuidar de um bebê já é difícil por si só, até mesmo para quem está em um contexto socioeconômico favorável, é ainda mais complicado para aquelas famílias que, em situação de vulnerabilidade social, não contam com o apoio necessário para proporcionar um crescimento saudável das crianças.

“É fundamental garantir o acesso desses cuidadores aos seus direitos e aos programas de apoio, para que eles consigam, dentro das possibilidades, ter uma atitude responsiva com essa criança, oferecendo segurança alimentar e nutricional e garantindo o conforto e as condições para ela se desenvolver”, enfatiza Stelle.

Com apoio da FEAC, projeto acompanha famílias de bebês em situação de vulnerabilidade

Com foco na primeira infância, o Projeto Ciranda integra as famílias ao processo de desenvolvimento e aprendizagem das crianças. A iniciativa é realizada pelo Centro Promocional Tia Ileide (CPTI), de Campinas, e conta com o apoio técnico e financeiro da FEAC, que tem o tema como um de seus focos de atuação.

Sua proposta é priorizar essa faixa etária no contexto da assistência social, garantindo acesso e encaminhamentos para famílias em situação de vulnerabilidade, fortalecendo vínculos familiares e comunitários e subsidiando informações para os cuidados na primeira infância. “Não é falar sobre o que está errado, mas como a gente consegue acertar”, diz Ana Belisário, educadora do Ciranda.

A iniciativa foi idealizada para atender a crianças e familiares já contemplados pelo Programa Viva Leite, do governo estadual. “Diante das necessidades dessas famílias, a gente viu que não era só a necessidade alimentar, mas também desse incentivo para que os cuidadores fossem motivadores do desenvolvimento pleno das crianças”, revela a coordenadora do Ciranda, Daniela Cavaletti.

Lançado no início do ano, o projeto trabalha de modo intersetorial, com parcerias no sistema de saúde e educação, e age como um facilitador deste contato família-assistência. Se uma das crianças está doente, por exemplo, é possível, por meio dessa articulação em rede, garantir o acesso dela ao centro de saúde.

Na escola, as crianças são autorizadas a sair mais cedo duas vezes por semana para realizar as oficinas no CPTI. O objetivo é garantir não apenas o acesso, mas a qualidade no atendimento das 54 crianças e 52 famílias que fazem parte do Ciranda.

O local conta com salas de leitura, espaço para atividades artísticas, equipamentos para trabalhar a coordenação motora e um grande espaço externo com parquinho, que estimula as brincadeiras ao ar livre. “Nossa ideia é contribuir para que os cuidados sejam sempre em prol da criança, entendendo que tudo o que a gente faz na primeira infância vai ressoar na vida dela”, ressalta Ana.

O brincar ainda é negligenciado em nossa sociedade

Brincar de bola, de cabaninha, encaixar peças de cores e formas diferentes, desenhar, dançar, fazer mímica, leitura de histórias, esconde-esconde. Não importa. Desde que realizado de forma saudável, segura e respeitando as vontades dos pequenos, toda atividade é bem-vinda. “Através do brincar, essa criança vai se desenvolvendo e conquistando novas habilidades que serão necessárias para suas etapas de desenvolvimento posteriores”, explica a líder do Programa da FEAC.

É comum pensar que apenas brincadeiras com caráter pedagógico gerem benefícios cognitivos e intelectuais na infância, mas isso é um mito. O simples ato de um bebê interagir com um paninho, jogar para cima, deixar cair no olho e sentir a textura já é considerado um estímulo. “É a partir dessa exploração do mundo físico que as conexões neurais vão se formando. Essa relação olho-mão-boca é o pilar do movimento do bebê. Isso pode não parecer nada, mas é muito significativo”, comenta Stelle.

Na visão da educadora do Ciranda, o ato de brincar é bastante negligenciado na sociedade, já que existe a falsa percepção de que isso não tem relevância e é apenas uma distração enquanto a criança não consegue fazer “coisas de adulto”. “Mas o brincar é a forma como essa criança vai entender e interagir com o mundo. É uma forma de ela ir se apropriando desse espaço”, explica.

Brincar também é um exercício de imaginação. Para um adulto, que já compreende o mundo pelo lado da razão, talvez aquele objeto realmente seja só uma garrafa plástica, que serve para conter líquidos. Aos olhos de uma criança, aquilo representa um universo de possibilidades: pode ser um carrinho, um avião, uma máquina que espirra água e tudo mais o que ela conseguir imaginar.

Outro ponto que Stelle chama atenção é para a valorização do livre brincar. “O brincar é muito institucionalizado: ocorre dentro de um determinado tempo, com uma condição que o adulto coloca e no formato que ele propõe. Não necessariamente é o desejo da criança”, explica. Enquanto isso, “brincar livremente significa ter sua motricidade garantida, podendo se movimentar com segurança e conforto, e com a presença de um adulto acolhedor, que respeite e apoie os interesses daquele bebê”.

Por meio de um diagnóstico feito pelo Projeto Verdejando Escolas, foi possível verificar que grande parte dos adultos cuidadores acredita que é pouco importante que as crianças brinquem livremente, sem direcionamento dos adultos, e que isso acontece pouco no dia a dia delas.

Para a educadora Ana Belisário, muito dessa dificuldade em entender a importância do ato de brincar vem da ideia de que essa fase é transitória e só será necessário se preocupar com as demandas da criança quando ela for um pouco mais crescida. “Quando, na verdade, ela é um ser humano desde que nasce e precisa ter suas demandas assistidas. O brincar entra nessa demanda da criança”, enfatiza.

Presença de adultos é primordial para fortalecer vínculos

É por isso que é tão importante trazer os pais e responsáveis dessas crianças para as atividades. Quando isso não acontece, para além de gerar inseguranças e um afastamento da criança, seu desenvolvimento integral é comprometido. “E isso tira dos pais a chance de participar ativamente do processo de desenvolvimento dessa criança, de ouvir, conversar e vê-la crescendo”, reforça a educadora.

“Eu sinto que o brincar é um encontro geracional entre o adulto e a criança. É aquela cabeça de adulto, que tem uma explicação para tudo; com uma cabecinha nova, fresca, que acabou de chegar ao mundo e que, para ela, tudo pode ser tudo”, compartilha Ana.

É a partir desses momentos juntos que as famílias criam laços poderosos, por meio do respeito, cuidado e da comunicação não violenta. O que no começo era um receio da equipe do projeto, por não saber se o modelo seria abraçado pelas famílias, hoje é extremamente natural. A educadora revela que elas não precisam mais falar para a criança chamar a mãe para brincar ou instigar os adultos a participarem das atividades com os filhos. “Eles entenderam que é um espaço para ambos”, conta. 

“É [um processo] importante para os adultos também, porque ajuda a gente no desenvolvimento das nossas capacidades, faz a gente retomar algumas memórias. Eu sempre uso isso com as famílias: lembra do que você brincava com seus pais? Você tinha um tempo em que sua família entrava no seu mundo?”, diz Ana.

O projeto tem sido relevante até mesmo no sentido de criar vínculos entre as cuidadoras. Em sua maioria mulheres, as participantes se sentem cada vez mais confortáveis para trocar experiências, compartilhando aspectos da própria vida e de seus relacionamentos. “É uma oportunidade de essas cuidadoras se conhecerem e se apoiarem, para diminuir também esse isolamento e essa solidão que enfrentam no processo”, avalia Stelle.

Apesar de as mães serem as mais presentes, o Ciranda verificou que não necessariamente essa função vai ser cumprida por elas, mas por quem cuidar da criança e puder fazer esse acompanhamento de perto. Daniela e Ana, coordenadora e educadora do projeto, contam que a importância da presença de um adulto já foi tão incorporada pelas famílias que, quando a pessoa que geralmente leva a criança não pode ir, é comum que peçam para outro familiar ir no lugar. Já aconteceu, inclusive, de outros participantes se disponibilizarem para levar aquela criança junto de seus filhos.

Projeto ajuda a construir uma relação familiar mais afetuosa

Essa também é uma realidade para Karen, de 23 anos, mãe de Sofia, de 5, e Benjamin, de 3 anos. Ela conheceu o projeto por meio do Programa Viva Leite, do qual já fazia parte, e desde o início demonstrou interesse em participar, sendo, junto de seus filhos, uma das primeiras integrantes.

No entanto, depois que começou a trabalhar, não tinha mais como levar os pequenos ao CPTI. “Eles ficaram tristes quando ficaram sabendo que eu não ia mais com eles, mas eu expliquei que poderia mandar o vovô ou o papai no meu lugar”, diz. Ela conta que foi uma alegria instantânea descobrir que não precisariam deixar de frequentar o projeto.

Afinal, o Ciranda tem sido uma parte importante da vida deles e tem impactado diretamente na construção de uma relação familiar mais afetuosa. Com a rotina e as tarefas domésticas, Karen revela que ficava difícil dar tanta atenção ou ter um tempo de qualidade juntos. “Eu nunca parava para brincar, para perguntar se eles estavam bem, se estavam frustrados, se tinha alguma coisa que eles queriam falar, porque estava sempre cheia de serviço”, revela.

Com isso, ela notou que o filho mais novo estava apresentando problemas de desenvolvimento. Ele chegava da creche, ia direto para o celular e acabava dormindo muito tarde. “Eu dava o celular para tentar manter a organização [da casa], mas, no fim, eu estava acabando com a saúde dele”, lamenta a mãe.

Após o projeto, ele está ótimo, brincando bastante, desenhando e cheio de interesse pelo mundo ao seu redor. “Às vezes ele não quer ir para a escola para ir ao projeto. Se pudesse, ia todo dia”, comenta Karen.

Nesse processo, o Ciranda também foi de grande aprendizado para ela, que entendeu a importância de brincar e de estar presente nas atividades, melhorando seu relacionamento com os filhos. Hoje em dia, Sofia e Benjamin são muito mais carinhosos, calmos e dispostos. “É muito bom para as crianças. É um mundo diferente, com brinquedos que eles não têm em casa, atividades que a gente não costuma fazer, então eles ficam bem entusiasmados”, compartilha a responsável.

Por Bárbara Vetos

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