A importância do apoio para o fortalecimento institucional das organizações

Por: Fundação Tide Setubal| Notícias| 14/06/2021
Agenda 2030

Os editais de apoio às atividades-meio das organizações sociais brasileiras são um importante caminho para o investimento social privado diversificar suas formas de fomento. Considerar necessidades das proponentes como o suporte estruturante, fazê-las olhar para si e contribuir para seu desenvolvimento organizacional e sua capacidade de crescimento podem aprimorar as ações e promover um impacto positivo na ponta, tanto quanto aquele apoio que é exclusivo para as atividades-fim, lógica mais tradicional dos editais com foco em um projeto.

Apoiar atividades-meio melhora a estruturação da organização, na medida em que ela passa a ter condições de olhar da porta para dentro, para seu coração, de refletir sobre suas práticas e de contar com uma margem de recursos para aperfeiçoar sua própria gestão. Afinal, para poder fazer uma boa entrega, é necessário que a instituição conte com uma boa equipe, seja uma equipe administrativa para a prestação de contas ao financiador, uma equipe de captação de recursos para garantir a sustentabilidade financeira, ou uma equipe de comunicação para divulgar o trabalho realizado.

O edital-meio permite a qualificação de infraestrutura com a compra de equipamentos ou melhoria do espaço físico e o investimento na formação de equipes e no desenvolvimento de planos de mobilização de recursos ou de comunicação bem direcionada, além de elaboração de projetos e planejamento estratégico. Esse investimento pode movimentar inclusive a economia do território, por meio da contratação de profissionais locais pela própria organização. Mais estruturada, a instituição poderá conseguir captar mais recursos no futuro, pois terá saído de uma gestão por “intuição” e “instinto” para uma mais “pensada”.

Somados ao apoio financeiro, o apoio técnico e a mentoria com profissionais com experiência no campo social permitem às organizações conectarem-se com orientações e com outras instituições que de fato acrescentem algo a elas e as façam amadurecer e crescer, deixando um legado do apoio concedido por um período determinado. Vale destacar que não se trata de o investidor “falar como se faz algo”, mas de agregar novas possibilidades às equipes das organizações apoiadas, ampliando seus horizontes.

Grande parte das organizações que atuam na ponta lidam com situações emergenciais com relação aos recursos, o que dificulta o planejamento para o médio e longo prazo. Dezenas correm o risco diário de fechar as portas, diante do enorme e permanente desafio da mobilização de recursos. As mais frágeis, que não possuem estratégias, plano de mobilização de recursos, plano de comunicação, que de alguma forma lhes proporciona uma visibilidade, não conseguem se planejar e ficam focadas o tempo todo na urgência real, no hoje.

Enquanto essa maioria delas precisa “vestir uma roupa apertada e incômoda” para se adequar às exigências dos editais porque necessita de recursos para seguir operando, uma minoria, que tem melhor estrutura organizacional, consegue se programar e se ordenar de forma mais estratégica e para o longo termo, contribuindo em parte para a concentração de recursos nas organizações mais estruturadas.

Atuamos nesse sentido com o edital Elas Periféricas, por meio do investimento nas atividades-meio de organizações formalizadas e não-formalizadas que demandam o fortalecimento das suas capacidades institucionais. Em sua terceira edição, as apoiadas estão recebendo o recurso para o uso de forma mais flexível. Entre as 327 inscritas de 2021, os principais destinos dos recursos indicados por elas foram: estruturar área de comunicação (79%), capacitar a equipe (72%), criar plano de mobilização de recursos (62%) e aprimorar a estrutura administrativa (54%). O Elas parte da premissa de que o ideal seria que cada apoiador deixasse um legado para a organização fomentada, para além do projeto executado, ou seja, um fortalecimento, um amadurecimento para que a organização possa avançar.

Essa ideia não é nova. O Brasil já tem bons exemplos de movimentos do investimento social nesse sentido. Anos atrás, investidores como o Instituto C&A e a Fundação Kellogg já atuaram por muito tempo com o olhar para o desenvolvimento institucional de várias organizações. Mais recentemente, relatório da Fundação Citi, produzido pelo Synergos, abordou justamente a relevância do financiamento operacional geral e do desenvolvimento de competências institucionais. Em outro exemplo, o programa Missão em Foco, do Itaú Social, promove apoio institucional e recursos flexíveis, além de formação e instrumentos de monitoramento e avaliação. Por fim, um encaminhamento do Grupo de Colaboração de Grantmaking no último Congresso GIFE trouxe uma série de orientações e uma “provocação” para o campo quanto aos investimentos mais flexíveis.

Os editais estanques, pouco flexíveis, específicos para um projeto ou ação, com uma lógica de métricas e de resultados numéricos complexos e de curto prazo, que bebem da lógica do mundo corporativo, têm a sua importância para o campo social e para os territórios, mas nem sempre conseguem promover transformações tão duradouras nas organizações sociais. É preciso um outro olhar do investidor para compreender que cada entidade opera de uma forma, tem diferentes pontos para melhoria e desempenha diversos papeis na sociedade. Não atender a um ou dois requisitos de um edital não significa que um proponente não cause impacto positivo na ponta. Ao contrário, muitas vezes realiza muito com poucos recursos, mas com um forte engajamento e comprometimento das suas equipes do território.

Chega-se aqui a um fator de extrema importância: a relação de confiança. É essencial que o investidor se aproxime bem, observe a natureza e a dinâmica dos vários apoiados, sejam coletivos, redes, grupos, movimentos, organizações, associações, e confie no trabalho desenvolvido. Essa relação de mão dupla deve ser construída, alimentada e nutrida e pode gerar resultados bastante consistentes e duradouros para ambos, contribuindo assim para promover muitas transformações sociais.

* Wagner Silva (Guiné) é cientista social formado pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), com especialização em Gestão de Projetos no Território pelo Centro Universitário Senac. Atualmente, cursa MBA em Gestão de Projetos pela ESALQ/USP. Possui experiência na gestão e realização de programas e projetos sociais em periferias urbanas. Fruto das periferias e da escola pública, é coordenador de apoio e fomento a agentes e causas na Fundação Tide Setubal, associada ao GIFE.

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