A saúde na sociedade de consumo e a promoção da saúde

Por: GIFE| Notícias| 18/10/2013

Fernando Lefevre*

A saúde não deve ser definida como um estado (de bem estar), mas sim como produção, e esta produção tem uma dimensão simbólica, material e política.

Para entender o sentido da saúde e da doença é preciso partir da sociedade e não dos indivíduos. É a sociedade que gera saúde ou doença nos indivíduos. Por isso a saúde não é um estado que os indivíduos têm ou não tem, mas um estado gerado neles pela sociedade.

Ao longo da história humana as sociedades adquirem diferentes formas. Hoje a maioria das sociedades são sociedades de consumo e o Brasil, hoje, também é uma sociedade de consumo. Uma sociedade de consumo é aquela onde tudo gira em torno de mercadorias e serviços, ou seja, de coisas feitas ou produzidas para serem consumidas.

Dimensões da saúde em uma sociedade de consumo
Numa sociedade como a nossa, a saúde apresenta três dimensões: dimensão simbólica, dimensão material e dimensão política.

A dimensão simbólica da saúde é a produção, pela sociedade, da aceitação de que a saúde é também um bem de consumo. Após aceita tal visão da saúde, é preciso pô-la em prática; daí a razão da presença da dimensão material ou “”fabril”” da saúde articulada à dimensão simbólica, ou seja, a necessidade de que no final seja produzido, efetivamente, um determinado resultado ou efeito, que é a presença material da saúde nos corpos e mentes do homem. Em outras palavras, o consumidor brasileiro tem que acreditar (dimensão simbólica) que tomar Doril ou um analgésico é a melhor forma de fazer a dor sumir, mas a dor também tem que sumir (dimensão material) quando Doril ou um analgésico é consumido.

A saúde além de constituir uma produção simbólica e material é, também, politicamente, uma representação social que busca se impor hegemonicamente ao conjunto da sociedade. Mas qualquer processo de imposição de ideias sempre encontra resistências: a disputa de ideias faz parte da política e o campo da saúde não foge a esta regra. Por isso o processo imposição da visão dominante da saúde e doença gera todo tipo de tensões ou contradições, que devem ser entendidas, estudadas e aproveitadas para fazer avançar e transformar o campo da saúde sociedade.

Três visões
Como consequência do que foi colocado a proposito da dimensão simbólica, material e política da saúde, podemos dizer que para entender o sentido atual da saúde/doença entre nós brasileiros é preciso considerar três visões:

Saúde como bem de consumo individual a ser comprado pelo consumidor no mercado;
Saúde como bem de consumo individual a ser custeado socialmente pelo conjunto da sociedade via Estado (saúde como direito do cidadão e dever do Estado);
Saúde como Promoção de Saúde: busca e intervenção nas causas básicas ou raízes do adoecimento.

Os bens de consumo de saúde são produtos ou serviços destinados, sobretudo ao atendimento e numa menor medida à prevenção de doenças. No que toca ao atendimento, tais produtos são remédios, cirurgias, exames de laboratório e, no caso da prevenção, vacinas, preservativos, cinto de segurança, etc. Assim, temos entre nós brasileiros, um modelo baseado no consumo de mercadorias e serviços para o atendimento e a prevenção de doenças e um modelo baseado na Promoção de Saúde.

Muito do que se estudou, pesquisou e publicou mostra que o modelo de saúde baseado no atendimento a doenças e na prevenção é inviável a médio e longo prazo. O atendimento à saúde é um círculo vicioso: um bom exemplo disso é o tratamento da dor de cabeça comum: como coloca a propaganda, para sumir com a dor é preciso tomar Doril. Mas como a dor sempre reaparece, é preciso tomar novamente Doril…

A prevenção, por outro lado, é um muro, que impede que a doença chegue ao individuo. Por exemplo, o cinto de segurança é um “muro” que dificulta que o acidente atinja os ocupantes de um carro. Mas a doença ou o acidente permanecem do outro lado do muro… e um muro pode sempre ser pulado.

Só a Promoção de Saúde vai atrás da raiz da doença, de suas causas últimas. Por isso, se não se investir na promoção de saúde os sistemas baseados, sobretudo no atendimento e subsidiariamente na prevenção vão se inviabilizar.

Algumas causas básicas do adoecimento a serem enfrentadas pela promoção de saúde são:

– Hiper concentração urbana
– Hedonismo primário
– Injustiça social/miséria/pobreza
– Desequilíbrio ecológico
– Competição pessoal/individualismo
– Violência
– Comportamento escapista (álcool e drogas)

Tarefas Coletivas

Em função do exposto temos nos brasileiros duas importantes tarefas coletivas:
1. pesquisar e mostrar a associação das causas básicas com os diferentes processos de adoecimento;
2. pactuar soluções/intervenções socialmente consensuais.

O objetivo tem que ser este. Resta saber quais os papeis a serem desempenhados pelos diferentes stakeholders. Estamos todos envolvidos: governo, setor privado, terceiro setor, academia e cada um de nós como pessoa humana e animal político.


*Fernando Lefevre é professor titular da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do GIFE ou de seus associados. Sua veiculação nos canais de comunicação do GIFE tem como objetivo estimular o diálogo sobre os desafios e oportunidades para o campo social, tal como refletir sobre as tendências do setor.

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