A sustentabilidade e o medo de ser feliz

Por: GIFE| Notícias| 15/06/2009

Ricardo Voltolini *

Autor de “”A Revolução Decisiva – Como Indivíduos e Organizações Trabalham em Parceria para Criar um Mundo Sustentável””, Peter Senge não gosta do termo sustentabilidade. Isso ele fez questão de deixar claro em palestra ministrada para 500 pessoas, a convite do Grupo Santander, em São Paulo.

Sua aversão a essa palavra, que tem sido utilizada como bálsamo para nove entre dez problemas da atualidade, não se deve -como seria razoável supor – ao desgaste provocado por excesso de uso nem pelo consequente esvaziamento do seu significado num mundo cada dia mais ansioso por significados. Deve-se sim a uma conotação negativa que ela encerra.

Na opinião do professor do MIT, a sustentabilidade desperta medo nas pessoas. Não por acaso, a expressão tomou impulso após o anúncio do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, no final de 2006, quando cientistas convocados pelas Nações Unidas advertiram sobre o aquecimento global, a responsabilidade humana e o risco para a vida na terra.

Na análise de Senge, o medo assusta e imobiliza. Mas não necessariamente induz à mudança. Para mudar, os indivíduos precisam se sentir emocionalmente parte do processo. E a conexão será tanto mais forte quanto mais intensos e claros forem os sentimentos positivos envolvidos. Parece retórico, mas não é.

A mudança para um modelo mental sustentável não advém da racionalização provocada pelo medo. As pessoas devem senti-la e vivenciá-la, fazendo emergir as soluções novas -processos, produtos, hábitos e estilos de vida — não a partir da análise dos elementos do passado, mas da ousadia de criar o futuro, algo que só pode nascer de mentes abertas e livres de condicionamentos.

No lugar de sustentabilidade, Senge prefere utilizar em seus treinamentos a expressão “”ampliação do sistema””. Atitude justificável para alguém a quem se atribui a iniciação das corporações ao pensamento sistêmico (seu livro A Quinta Disciplina ainda repousa na cabeceira de muitos executivos em todo o mundo).

Na prática, o que ele propõe, com outro nome, é que os líderes aprendam a reconhecer, no desenho de suas estratégias e na tomada de decisões de negócio, a interdependência entre os sistemas econômico, social e ambiental. Há pouco mais de uma década -lembra – as empresas reagiam ás questões socioambientais como elas não fizessem parte do seu mundo.

Era normal pensar e agir assim. Ninguém se sentia constrangido por tratar como externalidades os impactos provocados no meio ambiente e nas comunidades. Nos últimos anos, no entanto, essa posição conveniente teve que ser revista ante à maior pressão da sociedade por novos compromissos e responsabilidades, mas principalmente, à constatação de que o esgotamento dos sistemas social e ambiental pode impor limites severos ao desempenho do sistema econômico.

Um exemplo ilustrativo de “”ampliação de visão sistêmica”” no mundo corporativo é – segundo Senge -a Nike. Na metade dos anos 1990, essa fabricante norte-americana de materiais esportivos se viu objeto de uma denúncia de trabalho infantil e semi-escravo, praticada por um de seus parceiros de cadeia produtiva na Indonésia. O escândalo logo se transformou em crise de reputação, prejuízos colossais e uma onda global de antipatia que só não causou perdas irreparáveis porque a companhia contava com boa imagem de marca e consumidores fiéis.

Para o raciocínio predominante na época, a Nike reagiu conforme o script: alegou inocência, transferiu a responsabilidade ao fornecedor e tentou mostrar que não podia ser “”punida”” por uma questão “”alheia”” á natureza do seu negócio. Pressionada, assumiu culpa, mudou práticas e procurou fazer a sua a lição social de casa. Aprendeu, a duríssimas penas, que as responsabilidades de uma empresa se estendem por toda a sua cadeia produtiva, e que o eventual desrespeito aos direitos de uma criança, em qualquer lugar do mundo, impacta diretamente a sua rentabilidade.

Ainda que iniciado sob a pressão dos fatos, como alternativa para não perder mais, o processo de integrar o sistema social ao econômico fertilizou o ambiente interno e criou condições para inserir as demandas ambientais na gestão do negócio. Nos últimos cinco anos, a Nike tem feito uma revolução. Além de elevar seus padrões de desperdício na fabricação, criou uma linha de vestuário á base de algodão orgânico, retirou os solventes dos processos de manufatura, livrou os tênis de borracha de toxinas químicas e passou a utilizar materiais alternativos ao PVC. Sua equipe de design trabalha hoje, em ritmo acelerado, para criar componentes recicláveis e reutilizáveis que tornem seus produtos inteiramente desmontáveis ao final do ciclo de vida.

O que motiva a empresa, em torno de ousadas metas verdes, não é o medo de viver num mundo insustentável em que as pessoas repudiem tênis feitos com uso intensivo de derivados de petróleo. Mas a alegria de inventar a melhor solução, de se antecipar á concorrência e de participar da criação de um futuro sustentável. Segundo Senge, a alegria produz ambiente favorável ao engajamento, à colaboração e à criatividade.

* Ricardo Voltolini é publisher da revista Ideia Socioambiental e diretor da consultoria Ideia Sustentável: Estratégia e Inteligência em Sustentabilidade.

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