A visão do Brasil

Por: GIFE| Notícias| 26/06/2013

Fernando Rossetti*

As várias semelhanças entre a filantropia brasileira e a indiana residem no fato que onde quer que esteja o crescimento econômico acelerado, ali também haverá uma abundância de novas iniciativas filantrópicas. Mas não podemos vê-las pelas lentes de outras culturas filantrópicas mais estabelecidas. Conceitos como generosidade (giving) ou doação (grantmaking) são periféricos à filantropia liderada pela elite desses países que ficaram ricos recentemente.

Há poucas informações sobre a filantropia no Brasil ou na Índia embora, como mostra o Índice Global de Generosidade da CAF, nenhum dos dois países seja particularmente generoso: o Brasil ocupa a 83a posição e a Índia a 113ª. Mas as coisas são realmente parecidas entre as grandes e multimilionárias iniciativas filantrópicas, com poucas exceções.

Os recursos que financiam esse tipo de filantropia são gerados pelas empresas, algumas com sede nos países em desenvolvimento, algumas familiares com a grande maioria em sua primeira ou segunda geração. No caso das fundações familiares, a primeira geração normalmente tem uma abordagem à filantropia menos sofisticada, mais semelhante à caridade. À medida que a riqueza passa de geração em geração, a filantropia tende a se tornar mais estratégica.

No entanto, quando a filantropia é financiada por dinheiro corporativo, mas liderada por famílias, como acontece nas economias emergentes, geralmente há um conflito entre os profissionais da empresas e os membros da família. Assim, a filantropia está sujeita a diversas influências que fazem com que ela pareça um pouco esquizofrênica. Há vários projetos diferentes, alguns claramente inspirados pela responsabilidade social (por exemplo, não ter crianças na sua cadeia de fornecimento), outros buscam melhorar a reputação da empresa (por exemplo, investimentos em eventos culturais ou em educação) e, outros, nitidamente vinculados aos interesses da família (por exemplo, promoção de geração de riqueza no território nativo da família).

À medida que o negócio se profissionaliza, especialmente quando cotados na Bolsa de Valores e, portanto, menos sujeitos a supervisão, a filantropia corporativa e a familiar começam a divergir. Isso tem acontecido a largos passos no Brasil hoje em dia, onde o boom da filantropia familiar segue ao boom da filantropia corporativa ocorrido há 10 ou 15 anos. Podemos observar a mesma tendência na Índia.

No geral, podemos dizer que a filantropia corporativa tem a ver essencialmente com a reputação, ou com o que poderíamos chamar de adquirir uma licença para funcionar em uma sociedade. Isso acontece especialmente nas indústrias extrativas como mineração, que têm grande impacto sobre as comunidades nas áreas onde funcionam. Mas outras indústrias com maior alcance social, como instituições financeiras e serviços de telecomunicação, também enfrentam desafios para construir sua marca e legitimidade em cada cultura e país. A filantropia tem sido uma ferramenta essencial para essa construção. Então, tanto no Brasil quanto na Índia vemos uma grande variedade de iniciativas filantrópicas relativamente jovens, que às vezes se sobrepõem e estão ficando cada vez mais elaboradas, buscando por impactos mensuráveis em curtos períodos de tempo.

A filantropia familiar tem a ver com legado: devolver à sociedade os privilégios que alguém desfruta. As fundações familiares, também conhecidas como fundações independentes nos EUA, têm mais liberdade para usar seus recursos em apoio a questões controversas.

Outro traço comum aos dois países é a falta de confiança das organizações da sociedade civil. As empresas e as famílias preferem operar seus próprios programas a dar seu dinheiro para os outros. Hoje em dia, quando as OSCs recebem fundos geralmente elas servem mais de agentes para a execução de um programa do que recipiendárias em direito próprio.

Questões controversas como direitos humanos ou transparência do governo quase não recebem investimentos, já que as empresas tendem a favorecer causas que construam suas imagens, como educação, direitos das crianças e desenvolvimento comunitário. Nos dois países as OSCs reclamam a falta de ajuda internacional, porque acham que eles têm os recursos necessários para resolverem seus problemas. Isso tem levado a uma crise no financiamento de questões mais difíceis.

Seria fácil complicar essas semelhanças. Aqui vão duas coisas que devemos ter em mente. Em primeiro lugar, a formação de uma elite global supranacional tende a homogeneizar a forma como a filantropia se parece em qualquer lugar, não somente nos países de mercados emergentes. Empreendimentos como a Promessa de Doação (Giving Pledge), negócios sociais ou microfinanças cruzam o mundo rapidamente, às vezes seguindo o tradicional caminho de Norte a Sul, mas também se movendo do Sul para o Sul e até mesmo do Sul para o Norte.

Em segundo lugar, há uma diferença crucial entre o Brasil e Índia em relação à infraestrutura filantrópica. Embora por quase duas décadas o Brasil tenha tido uma associação razoavelmente forte de fundações – a GIFE -, não há uma associação nacional equivalente na Índia, apesar de o Fórum Indiano de Filantropia, criado alguns anos atrás, estar começando a reunir a comunidade de doadores.

*Fernando Rossetti foi secretário-geral do GIFE, de novembro de 2004 a fevereiro de 2013.
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