Ações coordenadas na educação buscam superar déficit deixado pela pandemia

Por: Fundação FEAC| Notícias| 04/07/2022

A pandemia de Covid-19 trouxe prejuízos que levarão anos para serem superados. O Brasil corre o risco de regredir mais de duas décadas no acesso à educação, segundo o Unicef. E os prejuízos não param por aí. Em vários estados brasileiros, cerca de três em cada quatro crianças do 2º ano estão fora dos padrões de leitura.

Outra preocupação é o aumento da evasão escolar. Dados divulgados pelo Unicef, em janeiro deste ano, no Dia Internacional da Educação, mostraram que um em cada dez alunos de 10 a 15 anos afirmou que não retornaria às aulas quando a escola voltasse ao presencial. “A não ida à escola, a ida em períodos alternados ou a tentativa de educação remota geraram um déficit educacional que pode marcar para sempre essa geração”, destaca Jair Resende, superintendente socioeducativo da Fundação FEAC.

Na rede municipal de Campinas, as escolas ficaram fechadas entre março de 2020 e abril de 2021, quando começaram a retornar de forma gradativa (revezando atividades remotas, no modelo híbrido). A partir de novembro, as aulas voltaram a ser 100% presenciais.  Neste período, a secretaria municipal de Educação elaborou, com a ajuda dos professores, uma avaliação diagnóstica para verificar os impactos da pandemia no aprendizado dos estudantes.

Entre novembro e o início desse ano, a avaliação foi aplicada em 19 mil estudantes do ensino fundamental, com foco em português e matemática. Dentre os resultados divulgados pela prefeitura, constatou-se que 15% dos estudantes do 4º e 5º ano (ciclo II) não tiveram a alfabetização consolidada, ou seja, não alcançaram os níveis ideais de leitura e escrita. Em 2019, em um cenário sem pandemia, esse índice foi de 7%.

“O Brasil sofreu muito por não ter uma infraestrutura mínima, principalmente para as pessoas mais vulneráveis. Não houve uma coordenação nacional que nesse momento apoiasse os estados e municípios para pensar como o impacto da não ida à escola poderia ser minimizado”, analisa Jair.

Recuperação lenta e gradual

Um esforço de coordenação municipal em várias frentes, no entanto, vem sendo implementado em Campinas. Calcula-se que, no mínimo, três anos sejam necessários para minimizar os impactos da crise sanitária. Uma criança que estava com seis anos quando começou a pandemia (em 2020), por exemplo, entraria no primeiro ano do ensino fundamental, e começaria a ser alfabetizada. Porém, ela passou dois anos fora da escola e, em 2022, começou o terceiro ano. “Corrigir essa defasagem vai exigir mudar não apenas esse terceiro ano, mas também o quarto e o quinto”, explica José Tadeu Jorge, secretário municipal de Educação.

Um dos desafios das escolas para resolver essa questão é que os professores do 6º ao 9º ano do ensino fundamental não trabalham com alfabetização, uma vez que esse ensino requer profissionais de pedagogia. Detectando isso, as escolas demandaram para a secretaria de Educação um professor pedagogo para auxiliar as turmas.

“A ideia é que eles acompanhem os professores, ajudando nas atividades e incluindo exercícios de leitura e escrita dentro das disciplinas”, explica Luciane Palma, coordenadora pedagógica do Núcleo de Avaliação Institucional, responsável pela elaboração do diagnóstico. As escolas municipais devem receber, ainda neste semestre, 600 estagiários de pedagogia.

Já para as crianças que estavam na educação infantil (zero a seis anos) durante os dois anos de pandemia, o secretário analisa que os danos de aprendizagem foram menores – ao menos em relação à alfabetização. “Elas vão seguir a ordem normal do currículo e no terceiro ano do ensino fundamental já estarão alfabetizadas”, diz José Tadeu Jorge.

Ensino remoto e consequências

Durante o período de ensino híbrido, os alunos da rede municipal receberam atividades remotas, como forma de o aprendizado não ser totalmente paralisado. Os estudantes também ganharam chips de celular e cada um era assistido remotamente por um professor. Entretanto, José Tadeu Jorge analisa que tal modelo não pode ser chamado de “aulas on-line”, que devem ocorrer em tempo real pela internet.

“Na rede pública, raríssimas são as cidades que têm estrutura para fazer algo assim. E a gente generaliza essa história [de transmissão virtual], como se todo mundo tivesse internet a qualquer hora, em qualquer lugar. Em Campinas, há várias regiões que nem possuem sinal de celular”, aponta.

Isso não quer dizer, porém, que as atividades remotas foram em vão. O secretário reconhece o esforço dos profissionais: “Isso exigiu dos professores uma dedicação enorme, porque era algo que nunca tinham feito. Graças a eles, hoje temos um problema que é grande, mas certamente é menor do que poderia ser.”

A maior heterogeneidade que há nas salas de aulas, após a retomada presencial, é um fato que chama a atenção de Luciane Palma. “Isso sempre esteve presente. Nós vivemos num país drasticamente desigual, mas com a pandemia essa desigualdade piorou e isso se refletiu na escola”, destaca Luciane. A falta de acesso à tecnologia e de apoio para realizar as atividades remotas, por exemplo, são alguns dos motivos que, segundo ela, explicam esse cenário.

Além das perdas no aprendizado, há questões como a alimentação que a rede pública proporciona, e foi perdida com a interrupção das aulas presenciais. “Essa questão é muito importante para crianças no contexto das famílias mais vulneráveis. A não ida para escola interrompeu, em muitos casos, a principal refeição que essa criança fazia”, ressalta Jair, da FEAC.

Para mitigar esse impacto, a secretaria da Educação distribuiu cestas básicas para as famílias das crianças da rede municipal (educação infantil e ensino fundamental) e kits de hortifruti. “Foi uma minimização de um problema que poderia ser maior”, diz o secretário.

Campinas lança o programa Superação
Após a realização do diagnóstico sobre as defasagens de aprendizagem no ensino fundamental, a secretaria municipal de Educação consolidou um plano de ação para minimizar os efeitos da pandemia. Surgiu, assim, o programa Superação, lançado em maio de 2022. A iniciativa abrange a rede municipal do ensino fundamental e, ainda esse ano, a secretaria prevê que seja replicado na educação infantil.“Nós estamos diante de uma realidade em que as crianças não aprenderam o que tinham que aprender por causa da pandemia. A nossa perspectiva é recuperar esse tempo”, explica o secretário municipal de Educação José Tadeu Jorge.Campinas optou por não ir pelo caminho do “reforço escolar”. “Nosso entendimento é que você só reforça alguma coisa que foi dada”, diz o secretário, e os alunos não receberam o conteúdo necessário durante 2020 e 2021.O Superação é pautado por um plano de reordenação curricular, elaborado por cada escola de acordo com as dificuldades dos seus alunos. Isso significa um rearranjo das disciplinas: “Vamos ordenar os currículos dos anos escolares para poder dar conta de, em menos tempo, transmitir todos os conhecimentos de aprendizagens necessárias”, diz o secretário.
 

Danos emocionais e sociais

Segundo Roberta Borges, pesquisadora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (Nepp) da Unicamp, a escola não é um espaço apenas para a aprendizagem das disciplinas. A sociabilidade das crianças e adolescentes também foi impactada: “A escola é um espaço para as aprendizagens das relações sociais, de saber estar em grupo, de uma vida coletiva, e tudo isso foi deixado nesse período da pandemia.”

Visando trabalhar questões emocionais, o programa Superação prevê a contratação de 35 psicólogos do projeto Ecoar – Psicologia na Escola, da PUC-Campinas. “As crianças perderam hábitos de convivência, de tolerância e de convívio com as outras crianças. É muito visível isso. Então o programa busca também recolocar o acolhimento das crianças na escola”, diz o secretário José Tadeu Jorge.

Para as crianças da educação infantil, fase em que as habilidades socioemocionais começam a ser desenvolvidas, os impactos também foram significativos nesse ponto. A pesquisadora Roberta explica que, devido à perda de emprego, muitas mães passaram a ficar com as crianças em casa e não viram mais necessidade de deixá-las matriculadas na escola.

“Houve grande evasão na educação infantil. Ainda há esse conceito de que a primeira etapa da educação, que é a creche ou a pré-escola, é para os casos em que as mães trabalham fora, e não um direito da criança de frequentar a educação”, diz Roberta.

A educação, sobretudo a educação infantil, é um dos principais investimentos da Fundação FEAC, que trabalha em rede com cerca de 30 instituições de educação infantil de Campinas. “Nós sabemos que a responsabilidade da educação é uma responsabilidade governamental, mas o terceiro setor pode, em forma de parceria, trazer as boas iniciativas e ajudar os municípios na recuperação desse déficit que a pandemia infelizmente criou”, reflete Jair Resende, da FEAC.

Enquanto as creches estavam fechadas, por exemplo, o Programa Primeira Infância em Foco idealizou o percurso formativo Novo Olhar, com a proposta de qualificar professores e gestores da educação infantil nesse período. Entre março e agosto de 2021, mais de 400 profissionais da educação infantil de Campinas participaram da formação on-line, coordenada por pesquisadores da Unicamp.

“A união entre governos municipais, estaduais, federal e organização de terceiro setor é fundamental em todos os processos de desenvolvimento da criança, e com certeza é ainda mais importante num momento como esse”, conclui Jair.

Por Laíza Castanhari

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