Ações do Terceiro Setor de Natureza Cultural

Por: GIFE| Notícias| 06/08/2007

Fernando Moraes Quintino da Silva*

Em paralelo a inúmeras ações de mercado e aspirações de natureza comercial que vêm sendo promovidas no âmbito cultural, o terceiro setor tem desenvolvido diversas modalidades de ações culturais, por intermédio de associações (institutos) e fundações, cujo efeito benéfico muitas vezes transcende a finalidade cultural pontual.

Entre outros objetivos, as ONG´s que desenvolvem ações culturais buscam democratizar o acesso da população aos bens culturais, recuperar e restaurar bens que compõe o patrimônio cultural, manter museus e registros históricos da cultura brasileira, difundir a leitura de obras literárias, promover oficinas de arte e música a crianças e jovens, que representam ações privadas de interesse público voltadas ao segmento cultural.

Além das atividades culturais pretendidas, há um fluxo de resultados que chega a atingir outras áreas contíguas a cultura.

Marcadas por relevante capacidade criativa, as ações de cultura têm se revelado como importante instrumento para que as ONGs possam atingir objetivos focados em outras áreas de interesse, especialmente nas áreas da educação voltada a crianças e jovens, na preservação ao meio ambiente, valorização das tradições locais, urbanismo, cidadania, entre outros, especialmente porque a linguagem estabelecida nas diversas formas de manifestação cultural permite que conceitos e informações sejam transferidos de forma simples e eficaz, sendo absorvidas com grande facilidade.

Outro aspecto que tem levado ao desenvolvimento de ações culturais que conduzem a objetivos que transcendem a área cultural é o fato de que as principais leis de fomento no Brasil estão na área cultural, seja pela Lei Rouanet, Leis Estaduais ou Municipais de Fomento à Cultura.

Essa alternativa torna-se viável à medida que os projetos culturais permitem que sejam atingidos objetivos outros ligados à educação e a garantia de direitos sociais, sendo a cultura o instrumento necessário a perseguir o desenvolvimento intelectual e o acesso a manifestações culturais de cunho educacional.

Ações Culturais Voltadas a Objetivos Educacionais e Sociais

Para tratar da capacidade multiplicadora da cultura em suas diversas expressões e dos efeitos sociais gerados pela atividade cultural, recorreremos a um exemplo específico de programa cultural que acaba gerando benefícios em outras áreas igualmente de interesse público, a Festa Literária de Paraty (FLIP) realizada pela Associação Casa Azul, instituição sem finalidade lucrativa com sede em São Paulo e com filial em Paraty.

Tendo nascido como uma festa de natureza literária, que reúne autores de todo o planeta para ciclo de debates e divulgação das obras literárias em período determinado do ano na cidade histórica de Paraty, a FLIP segue sua trajetória reunindo em torno de si importantes realizações de cunho educacional e urbanístico.

Com o afluxo crescente de interessados em assistir e acompanhar os eventos da FLIP e OFF-FLIP (evento cultural paralelo às mesas de literatura), as forças vivas de Paraty em conjunto com a municipalidade, têm promovido diversas medidas para melhorar a infra-estrutura da cidade, mediante processos de recuperação do patrimônio histórico, com a recente recuperação da margem do rio que corta a cidade e especialmente com a atração a investimentos privados para melhoria da estrutura hoteleira e da oferta de serviços de lazer e de cultura aos cidadãos e turistas.

Um dos projetos paralelos a FLIP de grande relevância e de resultados educacionais de extrema importância à comunidade de Paraty é o desenvolvimento do projeto Flipinha que atende a crianças e jovens do município de Paraty em ações de educação, estímulo à manifestação artística e de resgate às tradições locais durante o ano todo e que culmina com a participação das crianças e jovens em projeto perene.

Ao voltar-se para atividades que envolvem 90% das crianças e jovens de Paraty, o projeto resta por atrair o interesse dos pais e adultos em geral, possibilitando que estes se identifiquem com o movimento cultural promovido, há portanto, o reconhecimento da população quanto à importância do projeto, o que permite a integração entre os locais e turistas no período de desenvolvimento da FLIP.

Nessa esteira, Paraty recentemente foi escolhida como um dos 10 (dez) municípios de importância estratégica ao turismo no Brasil e, ao justificar a escolha, o Ministério do Turismo ressaltou a importância de sua localização estratégica na Estrada do Ouro e também, por possuir evento cultural de caráter exemplar e original, a FLIP, que, segundo o Ministério, posiciona a cidade como um destino significativo de Turismo Cultural.

É de se notar como um projeto cultural como a FLIP, que se vale em parte de recursos de incentivo fiscal a cultura, tendo realizado recentemente sua quinta edição, tenha gerado efeitos multiplicadores em diversas áreas e de forma sustentável.

Outro efeito importante gerado por projetos de natureza cultural é o de formação de pólos de produção cultural pelo país, marcado especialmente pelo incentivo a formação de produtores culturais.

Há inúmeros projetos culturais que tem como objetivo direto à realização de shows, espetáculos de dança e música, exibição de cinema itinerante, entre outros, que tem como principal efeito o de formação de produtores culturais pelo Brasil e formação de público, com a democratização do acesso a cultura pela população.

Não houve até o momento a realização de levantamento econômico que pudesse quantificar os efeitos econômicos gerados pelo afluxo de recursos a cultura, nem tampouco, pesquisa qualitativa que possa revelar em que medida as ações culturais podem impactar no desenvolvimento educacional e social das comunidades, o que seria de extrema importância para o segmento cultural.

Ações de Terceiro Setor Voltadas ao Setor Audiovisual

Há também infinidade de ações culturais desenvolvidas por entidades sem finalidade lucrativa que representam ações de interesse ao setor do audiovisual, o que se dá no caso de ciclo de exibição de filmes de um cineasta específico, na realização de documentário que registre momento histórico do país ou ainda em projeto que tenha por objeto a construção de sala de cinema na sede da associação ou fundação.

Nesses casos, seja em ações de evidente interesse público como em ações de interesse associativo específico, há o desenvolvimento de atividades que visam promover a cultura e, em especial, atividades de difusão e exibição de obras audiovisuais, tentando ampliar o acesso da população aos filmes.

No que se refere à difusão e exibição de filmes, se considerarmos que apenas 8% (oito porcento) das cidades brasileiras possuem salas de cinema, resta evidenciada a falta de investimento em infra-estrutura de exibição cinematográfica, não havendo até então políticas públicas definidas, muito embora seja possível valer-se de recursos gerados por renúncia fiscal para a construção de salas de cinema, como veremos no item seguinte.

Em relação à difusão das obras audiovisuais brasileiras, é de se notar que a redução de custo dos aparelhos de VHS e DVD faz com que o mercado de “”home video”” se desenvolva de forma extraordinária, permitindo que um maior número de pessoas tenha acesso às obras cinematográficas brasileiras e estrangeiras, ampliando inclusive a produção de filmes independentes que passam a ter uma janela possível de difusão de suas obras.

Aspectos da Lei Rouanet Específicos para Ações Culturais de Terceiro Setor

Em muitos aspectos, a Lei Rouanet equipara entidades privadas para a fruição dos recursos oriundos de renúncia fiscal e, em casos específicos, privilegia que ONG´s de natureza cultural (objeto não exclusivo) possam pleitear recursos privados para a consecução de seus projetos, podendo conferir contrapartida em benefícios fiscais ao patrocinador, sendo, atualmente, a Lei Rouanet o principal mecanismo de renúncia fiscal utilizado por entidades sem finalidade lucrativa em todo o país.

A Lei Rouanet confere a entidades sem fins lucrativos algumas vantagens sobre as lucrativas, a principal delas reside no fato de que a única pessoa jurídica privada apta a pleitear incentivos fiscais para a construção ou aquisição de bens que incorporem o ativo permanente é a pessoa jurídica sem finalidade lucrativa (associação/instituto ou fundação) com objeto social que contemple áreas da cultura nacional.

Nesse sentido, cabe assinalar que grande parte das salas de cinema construídas em centros culturais sem finalidade lucrativa vem sendo realizada com recursos oriundos de renúncia fiscal, passando o referido patrimônio a compor os ativos da associação ou fundação, a qual o explora como forma de obter recursos para o desenvolvimento de suas atividades institucionais, sendo vedada qualquer distribuição de lucros ou dividendos a associados.

A previsão legal que confere a entidades sem fins lucrativos a possibilidade de se valer de recursos incentivados para a aquisição de bens a integrar seu ativo patrimonial permite, nesse âmbito, que sejam adquiridos todo e qualquer equipamento necessário ao desenvolvimento do projeto cultural aprovado na seara da Lei Rouanet, incluindo a aquisição de instrumentos musicais, equipamentos de filmagem, exibição, iluminação, cenografia, etc., desde que comprovada a sua imprescindibilidade ao desenvolvimento do projeto.

Outro aspecto importante para as entidades de terceiro setor está contido na Lei Rouanet e merece ser comentado. Trata-se do dispositivo legal que permite a empresas privadas verterem parte do IR a pagar – via Lei Rouanet – a entidades sem fins lucrativos instituídas pelo próprio patrocinador.

Com efeito, embora a Lei Rouanet tenha previsto inicialmente a vedação para que empresas vinculadas à instituição beneficiária pudessem oferecer patrocínio ou doação aos projetos de autoria desta, posteriormente foi aprovada exceção legal que deve ser observada por todas as entidades sem fins lucrativos criadas por iniciativa de grupos econômicos específicos desde a sua constituição.

Nesse sentido, a leitura do artigo 27 da lei nº 8.313/91 – Lei Rouanet – revela que: “”A doação ou patrocínio não poderá ser efetuada por pessoa ou instituição vinculada ao agente””, considerando-se, para estes efeitos, vinculados ao doador ou patrocinador a “”pessoa jurídica da qual o doador ou patrocinador seja titular, administrador, gerente, acionista ou sócio, na data da operação ou nos doze meses anteriores”” e, ainda, “”o cônjuge, os parentes até terceiro grau, inclusive os afins, e dependentes do doador ou patrocinador””.

Entretanto, a Lei Federal de Incentivo Fiscal à Cultura contém um permissivo legal que permite o patrocínio ou doação a entidades vinculadas ao agente, desde que sejam entidades sem fins lucrativos e tenham sido constituídas para a realização de ações culturais concretas.

Essa permissão está contida no próprio Parágrafo Segundo do mesmo artigo 27, ao dispor que “”Não se consideram vinculadas às instituições culturais sem fins lucrativos, criadas pelo doador ou patrocinador, desde que devidamente constituídas e em funcionamento, na forma da legislação em vigor””.

Nesse sentido, inexiste qualquer óbice ao emprego de recursos, a título de doação ou patrocínio, por quaisquer das pessoas jurídicas que concorram para a criação da instituição cultural sem fins lucrativos em projetos culturais de autoria e iniciativa desta.

Contudo, para que a empresa ou o grupo de empresas vinculados à entidade cultural possa se valer dessa exceção, torna-se necessário que os atos constitutivos da entidade disponham expressamente que as empresas do mesmo grupo econômico são associadas instituidoras, podendo, assim, verter recursos incentivados para o desenvolvimento das atividades institucionais.

O mesmo não se aplica, no entanto, as pessoas físicas membros da associação que tenham poderes de gestão, que possuem a vedação legal conforme interpretação do conteúdo do artigo 27 acima mencionado. Esta vedação estabelece que os membros da associação e pessoas a eles vinculados que tenham poder decisório na entidade não podem fazer doações a projetos em nome da entidade, tendo em vista que a legislação caracteriza e veda a vinculação, conforme vimos do texto da Lei Rouanet.

Desta forma, procuramos abordar os principais aspectos da Lei Rouanet que buscam estimular e fortalecer o terceiro setor no desenvolvimento de atividades culturais, possibilitando que as entidades sem fins lucrativos possam adquirir bens para a formação de seus ativos e possibilitem a instituidores a plena capacidade de versão de recursos com contrapartida em benefício fiscal.

* Fernando Moraes Quintino da Silva é advogado formado pela Universidade de São Paulo, sócio do escritório Cesnik, Quintino e Salinas Advogados, especializado em trabalhos voltados ao Terceiro Setor, membro da comissão de informática da OAB/SP, vice-presidente da União Cultural Brasil Estados Unidos, palestrante de diversos cursos e seminários sobre Terceiro Setor e direito societário.

(Este artigo foi originalmente publicado na edição de julho da revista Integração, publicação do Centro de Estudos do Terceiro Setor (CETS) da FGV-EAESP.

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