Ações emergenciais têm impacto restrito sem iniciativas contra as causas da violência

Por: GIFE| Notícias| 11/04/2005

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

A chacina que deixou cerca de 30 mortos na Baixada Fluminense (RJ) no último dia 31 de março, despertou, mais uma vez, grande revolta e debate a respeito da violência urbana no Brasil. Crianças e adolescentes foram a maioria das vítimas.

De acordo com o Mapa da Violência IV: Os Jovens do Brasil. Juventude, Violência e Cidadania – divulgado no ano passado pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) em parceria com a Secretaria Especial de Direitos Humanos e o Instituto Ayrton Senna -, a taxa de homicídios na faixa etária de 15 a 24 anos teve um aumento de 58,2% (passando de 34,5% em 1993 para 54,7% em 2002), bem maior que o índice para a população como um todo (que cresceu 39,4% na década).

Um dos maiores problemas hoje em dia, no entanto, é que muitos jovens têm sido também agentes dessa criminalidade. Mais do que um fenômeno associado à pobreza em si, isso está relacionado à ausência de condições básicas para o exercício da cidadania, como falta de emprego, cultura, educação e lazer. Por isso, de acordo com a coordenadora de projetos do Instituto Votorantim, Ana Paula Fleury de Macedo Soares, a violência urbana não pode ser olhada apenas do ponto de vista da segurança pública.

“”O que leva a cidade a índices tão altos de violência? Onde se concentra essa violência? Qual faixa etária mais envolvida? Se levarmos em conta essas questões, veremos que respostas de curto prazo não terão resultado significativo””, afirma. Ela explica que, se não há inserção social, não há como as pessoas pactuarem regras de convivência. “”Dessa forma, a vida societária fica regida pelo ′salve-se quem puder′, valendo roubar, matar, qualquer coisa. É preciso constituir uma agenda pública de combate à violência.””

Essa agenda deve ser elaborada pelo setor público e pela sociedade civil, numa relação de parceria. Segundo Ana, é possível investir em algumas ações de curto prazo, mas um problema tão sério quanto esse não pode ser resolvido pelos seus sintomas, e sim com atuação nas causas. “”Ações essenciais são aquelas que garantam ao jovem inserção social e construção de um projeto de vida, que pode ter conotações de caráter comunitário. Nesse sentido, temos investido muito na formação de pessoas preocupadas e atuantes no desenvolvimento comunitário, incentivando o seu protagonismo.””

Ela conta que, se por um lado os jovens constituem a parcela da população mais afetada pelo desemprego e pela violência, por outro lado eles têm uma excelente capacidade de atuação. Entretanto, não basta apenas formá-los, é preciso sensibilizar as instituições locais (setor público, ONGs e grupos empresarias) para dar apoio, criando um ambiente favorável à atuação deste jovem e garantindo a eficácia das ações promovidas.

Protagonismo – Simone André, coordenadora da Área de Juventude do Instituto Ayrton Senna (IAS), concorda que é importante dar relevância aos potenciais dos jovens, e não às suas fragilidades e carências. “”Quando associamos a juventude à violência ou à criminalidade, tendemos a ver e a lidar com os jovens como se fossem potencialmente violentos. Isso acaba por alimentar seu envolvimento com a violência””, afirma.

Em aliança com o Instituto Vivo, o IAS leva a escolas públicas de São Paulo, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Pará e do Distrito Federal o Programa SuperAção Jovem. Com vistas à educação para o desenvolvimento humano, a iniciativa destaca a capacidade dos jovens de criarem novas sensibilidades, valores e atitudes na escola e na comunidade, além de capacitar em escala gestores e educadores. Apenas no estado de São Paulo, onde o programa virou política pública, já participam mais de 2,1 mil escolas. Em todo o país, são mais de 2.300 escolas públicas de 491 municípios, atingindo 7,2 mil educadores e 178 mil jovens.

“”O relacionamento entre jovens e comunidade escolar é tenso e, por vezes, pouco educativo. A visão predominante sobre o jovem está pautada no problema, na indisciplina, no desinteresse, na prevenção de riscos e no fracasso escolar. Nossa aposta foi que os finais de semana na escola seriam a melhor porta de entrada para que os jovens demonstrassem à comunidade escolar todo o seu potencial.””

Formado por presidentes de grandes empresas, o conselho da ACJ Brasil decidiu pelo apoio a ONGs de base comunitária e projetos que são coordenados conjuntamente por jovens. Seu programa envolve parceria com o voluntariado inter-empresas ACJ, bolsas para apoio à inclusão cultural e consonância com o campo das políticas públicas de juventude. “”Já temos grupos liderados por jovens em processo de formação de associações e cooperativas, inclusive administrando pequenas linhas de micro-crédito para empreendimentos de outros jovens já capacitados pela mesma ONG””, afirma Jaqueline de Camargo, superintendente de projetos da organização.

Ela acredita que é justamente na qualificação e identificação de competências na formação de jovens, na sua sistematização e na disseminação em diálogo com as políticas públicas que as empresas podem ter um papel estratégico no campo da juventude e em todas as questões derivadas, entre elas a violência urbana. Além disso, segundo Jaqueline, também é importante viabilizar ações no apoio à aplicação de medidas em regime de Liberdade Assistida, sempre que for uma alternativa.

Reintegração – O Grupo Pão de Açúcar mantém o Programa Gente de Futuro, no qual jovens vindos da Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) e sob medida socioeducativa são contratados pela empresa, com o direito de manter sigilo sobre sua condição, recebendo a formação e o apoio necessários para sua reintegração. “”Programas educacionais realizados pelo Instituto Pão de Açúcar envolvem jovens de famílias de baixa renda, que desenvolvem potenciais e novas perspectivas, indo em direção contrária ao apelo mais fácil e muitas vezes mais atraente da violência e da marginalidade. Desta forma, além da estrutura familiar, os elementos mais poderosos na prevenção da violência são as ações que promovem educação e trabalho””, declara Rosângela Bacima Quillici, diretora do Instituto.

Para ela, ações de curto prazo estão mais ligadas a inibir ações de violência – como preparo e presença da polícia, desarmamento da população, não impunidade e maior agilidade do sistema judiciário -, mas são responsabilidade direta dos governos. “”Investimentos das empresas devem vir nos aspectos mais abrangentes e indiretos, portanto de médio e longo prazos, como a geração de empregos ou implantação de políticas de atuação na área social, educacional e cultural””, explica.

Democratização de espaços públicos e prática de resolução pacífica e democrática de conflitos são algumas das ações de prevenção da violência entre jovens desenvolvidas pelo Instituto Sou da Paz. “”Resolver conflitos por meio do diálogo é uma prática que se adquire com a educação. Hoje em dia, há muita dificuldade em se praticar esse diálogo porque a sociedade é cada vez mais individualista e imediatista. Incentivando os jovens a descobrir novas formas de conquistar seus direitos e se fazerem ouvir, podemos disseminar os valores de uma cultura de paz em vez da cultura de violência que vemos hoje””, afirma Ana Paula Drumond, coordenadora de comunicação e captação de recursos da organização.

Ela conta que atuar na prevenção da violência é a maneira mais adequada de abordar o problema. “”O esforço de garantir esses direitos básicos da população tem, a médio e longo prazo, impacto no desenvolvimento da sociedade e na redução da violência, enquanto a simples atuação para ′consertar′ problemas pontuais apenas resolve superficialmente uma situação””, explica. Ações de curto prazo, lembra Ana, são reativas aos problemas de violência diagnosticados. Assim, podem ser úteis para conter alguma situação emergente em um determinado local, mas têm impacto restringido, pois o problema pode “”migrar”” para outro local com outro formato. Neste caso, a violência não é contida, mas sim transformada.

Para Marianna Olinger, pesquisadora do Coav (sigla em inglês para Crianças e Jovens em Violência Armada Organizada), ações de controle/repressão, que visam o combate imediato a atividades criminosas, apesar de serem extremamente necessárias, têm eficácia muito limitada se não combinadas com outras que ataquem as causas geradoras da violência.

“”Ainda existe muito preconceito em relação a jovens em conflito com a lei. Uma imagem distorcida da realidade acaba afastando a sociedade da participação na condução das políticas públicas, o que também favorece um distanciamento por parte das autoridades na execução dessas políticas. Nesse ponto, a participação da sociedade civil só tende a aumentar a eficácia dessas ações””, afirma.

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