Ações pela diversidade racial estão mais no conceito do que na prática

Por: GIFE| Notícias| 24/11/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Lançada na última segunda-feira (17/11), a campanha Ação Afirmativa, Atitude Positiva é uma iniciativa do Ceap (Centro de Articulação de Populações Marginalizadas), com o apoio de organizações da sociedade civil e empresas, como a Fundação Ford e a Xerox. A proposta é reconhecer empresas que promovam ações afirmativas voltadas à população negra brasileira, por meio da concessão de um selo de qualidade.

Na semana em que se comemora o Dia da Consciência Negra, Ivanir dos Santos, presidente do Ceap, falou ao redeGIFE sobre diversidade racial nas empresas, leis contra a discriminação e negros na mídia. Para ele, fala-se muito de ação afirmativa, mas pouco se pratica.

redeGIFE – Como e quando surgiu a idéia de criação do selo?
Ivanir dos Santos – Essa é uma idéia antiga. Vários setores do movimento negro já fizeram propostas nessa direção. Isso ganhou muita força durante a conferência de Durban, em 2001. Nas reuniões preparatórias e na própria conferência, pensava-se em criar um selo, mas isso nunca tinha sido concretizado. Nos últimos quatro meses, o Ceap amadureceu a idéia de que precisava fazer uma campanha de ação afirmativa e que deveria escolher um símbolo, que foi a camélia.

redeGIFE – Por que a camélia?
Santos – A camélia era o símbolo dos abolicionistas radicais, que voltou a ser utilizado em um livro (As Camélias do Leblon e a Abolição da Escravatura). Achamos, então, que nada melhor do que ela para simbolizar as pessoas e as organizações que de fato respeitam e promovem a cultura e a dignidade do povo negro. São poucas as empresas que têm tido uma política concreta de diversidade racial, especialmente quando se trata de abrir espaço para os negros em postos de gerência e direção. Há uma oportunidade para que elas façam isso, e o selo é importante para qualificá-las. Em vez de dizer “”Não consuma ali, porque não emprega negros””, faremos o contrário e diremos “”Valorize esta empresa, esta pessoa, este espaço, porque eles nos dignificam, nos respeitam e promovem a igualdade racial””.

redeGIFE – Estas poucas empresas que você diz que têm feito pela igualdade racial, têm tido esta consciência desde quando?
Santos – Há algumas empresas que já começam a falar deste tema, e muitas têm até ensaiado alguma ação, apesar de muito tímida. Mas já vemos um avanço. Eu não acredito que em 10 anos elas vão mudar uma cultura que já existe há muito tempo. É necessário um período de transição, porque há muitas pessoas que não estão preparadas para ter um chefe ou uma secretária negros, mas é importante que elas se preparem para essa nova realidade. A diversidade étnica é um dado fundamental para uma empresa moderna. Por isso é preciso que se faça planos de metas e de qualificação, que se prepare as pessoas que vão receber e se promova uma discussão na área de seleção e recrutamento, que é uma porta de exclusão da comunidade negra para alguns cargos. Se a empresa se prepara, abre o debate e faz um plano, ela está dando um passo significativo e importante para um Brasil moderno.

redeGIFE – Hoje em dia, falar em diversidade racial já se transformou em “”moda””. Até que ponto isso beneficia realmente a população negra?
Santos – É importante termos espaço na economia e no mercado de trabalho. Na televisão já se pontua um pouco, apesar de não ainda como desejável, mas quero saber qual será a contribuição dos grandes empresários, do grande comércio e da indústria. Na comunicação, por exemplo, vemos mais negros na televisão, mas nas redações dos grandes jornais eles são apenas dois ou três.

redeGIFE – As cotas para negros nas universidades podem ser tomadas como um bom exemplo de ação afirmativa?
Santos – As pessoas falam muito de ação afirmativa, mas praticam pouco. A rigor, acreditamos que as cotas são apenas uma medida, um dos aspectos da ação afirmativa. Ação afirmativa é a empresa investir, dar bolsas e qualificar seus quadros, direcionando-se à população negra. Se não tem negro na direção, na gerência ou nos quadros de engenheiro técnico, cabe investir nesse segmento. Isso é ação afirmativa. A sociedade perde abrindo mão destes talentos e precisamos ter clareza disso. A convivência com a verdadeira diversidade ajuda a enriquecer a vida da empresa. Não estamos na Europa, mas sim num país com uma das maiores populações negras do mundo.

redeGIFE – As leis e programas do governo brasileiro que visam ao fim da discriminação são eficazes?
Santos – Eu gostaria que a sociedade fizesse toda essa mobilização sem precisar de leis, mas estou convencido de que a resistência é tão grande que a lei é necessária. Se ela será eficaz ou não, isso cabe ao próprio movimento negro. Quero lembrar que a lei anti-racista, que todos consideravam inócua, deixou as pessoas mais atentas quando o movimento negro começou a utilizar o instrumento jurídico e a levar pessoas aos tribunais.

redeGIFE – O que as empresas e organizações da sociedade civil devem levar em conta para que seus projetos voltados à diversidade racial sejam mais eficazes, e não apenas ações pontuais?
Santos – Tenho observado que muitas empresas apóiam projetos sociais, mas poucas têm um relatório de impacto. E o balanço social não deve incluir apenas o que a empresa fez na comunidade. É preciso reconhecer que sua responsabilidade social deve ser coerente com o que ela está investindo fora. Além de apoiar escola, creche e capoeira em comunidades de maioria negra, deve haver uma presença considerável de negros nos quadros de gerência e diretoria. Ligando à sua retórica de investimento social uma prática de diversidade étnica internamente, a empresa será um parâmetro importante para seus fornecedores. Somos uma sociedade de 350 anos de escravidão, na qual houve acúmulo de riqueza e privilégios, e hoje temos de corrigir isso. A abolição não foi completa. Qualquer indicador social hoje, em qualquer área, mostra que os negros estão em desvantagem. Cabe a nós tomar uma atitude positiva para mudar essa realidade.

redeGIFE – As empresas que receberem o selo terão algum tipo de acompanhamento?
Santos – Claro. Temos uma equipe interna que apóia as empresas nesse processo. Não estamos apenas cobrando que elas promovam a diversidade, mas também apoiando sua formação, já que temos experiência acumulada sobre a questão dos negros. Às vezes, entende-se bem de alguns negócios, mas não de relações raciais. Não estamos sendo intransigentes, queremos ser parceiros.

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