América Latina deve fechar 2002 com aumento de 44% da pobreza
Por: GIFE| Notícias| 18/11/2002ROBERTA PAVON
Em 2002, a América Latina deve presenciar um aumento de 44% da pobreza e de 20% da indigência. É o que revela o relatório anual Panorama Social da América Latina 2001-2002, divulgado no último dia 7 de novembro, pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), da ONU (Organização das Nações Unidas). De acordo com o estudo, o aumento desses índices é conseqüência da retração econômica na região, que pode atingir 0,8% neste ano.
Segundo a pesquisa, em 2001, 214 milhões de pessoas, quase 43% da população latino-americana, viviam na pobreza. Destas, 92,8 milhões (18,6%) eram indigentes. Para este ano, as previsões indicam um aumento de 7 milhões de pobres, sendo que, destes, 6 milhões viverão em condições de indigência. A Argentina é o país que mais contribuirá para o aumento destes índices, seguida por Venezuela, Paraguai e Uruguai. Os únicos países latino-americanos que apresentaram leve melhora foram Peru e República Dominicana.
Para Luiz Eduardo Wanderley, professor do departamento de Sociologia da PUC-SP e coordenador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais, o tema da pobreza é complexo e envolve causas históricas, estruturais e conjunturais. “”Com a globalização e o domínio do capital financeiro, medidas do Consenso de Washington, vieram as crises que abalam todas as nações e especialmente os países pobres e subdesenvolvidos. Sem emprego e com aumento das desigualdades sociais, a tendência, confirmada pela Cepal, é de ampliação da pobreza””, afirma.
Meta – No início da década passada, a Declaração do Milênio das Nações Unidas propôs que o índice de pobreza mundial fosse reduzido pela metade entre os anos de 1990 e 2015.
De acordo com o levantamento da Cepal, para alguns países da América Latina a possibilidade de atingir essa meta é quase nula. Segundo os cálculos da comissão, para que pobreza fosse reduzida pela metade até 2015, o PIB (Produto Interno Bruto) total da região deveria crescer 2,7% ao ano. Para isso, os países com maior pobreza deveriam crescer 5,7%, os com níveis médios, 2,7%, e para aqueles com menor pobreza, 2,5%. Em muitas nações, este crescimento projetado da economia ultrapassa o desempenho médio histórico.
Em 2000, por exemplo, apenas Chile e Panamá apresentaram situação mais favorável, conseguindo reduzir o índice de pobreza extrema pela metade. O Brasil cumpriu parcialmente (95%) a meta. Colômbia, Equador, Paraguai e Venezuela apresentam um cenário grave: os níveis de pobreza em 2000 foram superiores aos constatados em 1990.
Sociedade civil – Para amenizar esse problema, o órgão da ONU afirma que há necessidade de recorrer a políticas econômicas e sociais que reforcem as possibilidades de ampliar a base produtiva e impulsionar a atividade econômica, elevando o nível de vida da população com menores recursos.
“”Acredito que o Estado tem uma tarefa crucial para a superação da pobreza, mas não com ações isoladas. É preciso o engajamento de todos os atores sociais e da sociedade civil organizada para que, de fato, as iniciativas propostas dêem resultado. Não que o Estado não tenha competência para superar a pobreza, mas é preciso parceria entre os setores para que consigamos superar um problema que é emergencial em nossa sociedade””, afirma Léo Voigt, presidente do GIFE.
Para ele, a erradicação da pobreza passa por dois eixos: ações mais imediatas e de curto prazo, como o combate à fome, e também políticas públicas que trabalhem diretamente nas questões de habitação, saneamento básico, luta contra o analfabetismo, entre outras. “”Desta forma, a solução para a pobreza é a longo prazo, porque é preciso criar condições para que o indivíduo possa exercer seus direitos de cidadão””, analisa.
O relatório da Cepal destaca a importância do papel das organizações da sociedade civil no combate à pobreza. Para Wanderley, esta é uma tendência mundial, e que se reforça na América Latina. “”Constata-se o surgimento de uma ′sociedade civil global′, com movimentos, ONGs e redes internacionais que fazem parcerias com organismos mundiais (ONU, Banco Mundial) e os pressionam para atender certos objetivos””, lembra.
Voigt acredita que as organizações da sociedade civil podem ser porta-vozes para as necessidades da população, articulando entre o público e o privado, na busca de soluções para os problemas que elas enfrentam. “”As ONGs podem colaborar com o Estado cobrando a criação e a execução de políticas públicas e, eventualmente, assumindo o papel de executora de algumas ações, uma vez que por conhecerem a realidade social, conseguem fazer com mais eficiência e de forma mais econômica””, lembra.
Para Wanderley, este diálogo entre público e privado ainda é conflitivo, pois os atores envolvidos têm visões de mundo e projetos políticos distintos e mesmo divergentes. Porém, ele acredita que mesmo assim experiências criativas e significativas vêm acontecendo. “”No Brasil, basta ver a atuação dos Conselhos legitimados pela Constituição de 88, a atuação das ONGs mais representativas, das entidades do terceiro setor e de outros setores sociais importantes. O que não pode é satanizar o Estado e imaginar que a sociedade civil é maravilhosa, cair no corporativismo de cada entidade defender seus próprios interesses. A sociedade civil, organizada e democratizada, deve criticar, denunciar, controlar, apresentar alternativas e medidas propositivas e fazer parcerias. Um objetivo central é o de lutar por políticas efetivamente públicas, que vão além das estatais””, ressalta.