Arriscando a longevidade: uma terceira opção para fundações subsidiadas

Por: GIFE| Notícias| 26/06/2013

Richard Jenkins*

Não faz muito tempo que os curadores das fundações subsidiadas podiam gastar anualmente 5% do valor de seu portfólio para sua missão, seguros que o resíduo manteria seu valor em relação à inflação, o que os permitiria fazer o bem indefinidamente. Ao que parece, esses dias acabaram e alguns cálculos sugerem que 3,2% seria um nível de gasto mais sustentável para as fundações que querem se perpetuar. Mas a eternidade e o gasto do patrimônio são as únicas opções? Este artigo sugere um terceiro caminho.

Em fevereiro de 2013 a publicação Credit Suisse Global Investment Yearbook registrou uma década na qual os retornos do investimento mal e mal acompanharam a inflação, e prevê a continuidade dos baixos retornos em todas as classes de investimento em um horizonte de tempo visível. O anuário foi publicado no mesmo dia que a Associações de Fundações Beneficentes do Reino Unido publicou um relatório que eu preparei junto com Kate Rogers, uma assessora de investimentos da Schroders Charities, sobre como os investidores em caridade de longo prazo lidam com o gasto em suas metas beneficentes. [1] No relatório, nós concluímos que uma taxa mais “sustentável” para um portfólio típico seria de mais ou menos 3,2% – bem abaixo dos 5% da Receita Federal (Internal Revenue Service) dos EUA, e até esmo dos 3,5% acordados no Canadá.

Embora a austeridade fiscal signifique que há menos dinheiro público em circulação, os constantes baixos retornos do mercado significam que as fundações que precisam dos investimentos para financiar suas atividades também estão passando por tempos difíceis. E, enquanto isso, as necessidades sociais que são a causa da existência das fundações, continuam a aumentar.

Então, aparentemente as fundações devem fazer uma escolha: realizar sua obrigação com as futuras gerações e cortar gastos agora, ou estabelecer um limite te tempo para suas atividades e para gastar seu ativo. No entanto, nossa pesquisa identificou outra abordagem de “fim aberto”, que tem sido adotada pelas fundações. Isso nos fez questionar o pensamento fundamental por trás da abordagem predominante.

Realmente preservação? Questionando a falha

Uma ideia extremamente influente na gestão subsidiada (“subsidiada” é uma palavra usada para descrever investimentos mantidos em custódia para um fim de caridade) é a de “participação inter-geracional”. O conceito é pouco conhecido entre os profissionais de filantropia, mas muito influente entre os assessores de investimento, especialmente na forma que James Tobin, ex-cátedra de Economia na Universidade de Yale, definiu em 1974: “Os Curadores das instituições subsidiadas são os guardiões do futuro contra as demandas do presente. Sua tarefa de gerenciar a dotação é preservar a participação entre as gerações.”[2]

Em termos práticos, a “participação inter-geracional” significa que os que administram as dotações calculam seus gastos de forma a preservar o valor do portfólio, gastando apenas o excesso de retorno sobre a inflação. Nos anos 80 e 90, isso foi bem possível. Mas, desde o início do milênio isso não é mais possível para a maioria dos investidores em caridade, já que os retornos médios do portfólio mal e mal acompanham a inflação – pelo menos no mercado do Reino Unido, onde realizamos nossa pesquisa. Então o modelo é problemático na prática, mas também na teoria.

Por trás do modelo inter-geracional há a hipótese que há um pote de dinheiro que, com a alquimia do mercado de ações, consegue aguentar os gastos constantes que aumentam com a inflação e, ao mesmo tempo, se repõem da mesma forma, por toda a eternidade.

Embora seja atraente ver as dotações como presentes que mantém as doações, a realidade é que a preservação do valor é sempre uma probabilidade e nunca uma certeza. Usando as informações históricas de mercado e as previsões da Schroders Charities, calculamos que a probabilidade seria muito baixa, de 50/50, para os que gastarem cerca de 4% do valor de seu portfólio nos próximos 30 anos.

Com certeza a preservação é alcançada em várias gerações, mas, diante da incerteza inerente aos mercados, a ideia que o valor flutuante do portfólio deve ser o principal guia da política de gasto é questionável e perigosa, se as quedas temporárias levarem os curadores a refrear os gastos em tão curto espaço de tempo.

Como apenas algumas poucas fundações são obrigadas legalmente a serem permanentes, as que não são deveriam “gastar seu patrimônio”?

A opção de “fim aberto”

“Gasto do patrimônio” ou “vida limitada” se tornou uma opção muito debatida ultimamente – para os filantropos que querem lidar os a pressão das necessidades e ver o bem feito durante sua vida, ou os que relutam em criar instituições. Mas se você estiver lidando com uma questão de mais longo prazo, ou estiver dando suporte a uma comunidade específica com um único ativo, essa pode não ser a melhor opção do ponto de vista da missão.

A eternidade não é a única outra escolha. É possível adotar uma abordagem mais de fim aberto. Por exemplo, no Reino Unido o Barrow Cadbury Trust, uma fundação familiar criadas pelos ricos confeiteiros no século XX, tem um patrimônio de cerca de £ 80 milhões, dos quais gastam entre 5,5% e 6% ao ano. Sua missão é a mudança social. Os curadores da fundação sabem que, no ambiente atual, continuar a gastar à mesma taxa poderá erodir o valor de seu portfólio. Eles decidiram continuar com o gasto para atender às necessidades prementes de hoje em dia. Mas eles não decidiram gastar tudo. Ao contrário, eles estão abertos para existir por gerações se os retornos do mercado excederem às previsões atuais, ou se os curadores decidirem, em algum momento futuro, mudar a estratégia e reduzir os gastos.

Assim, as fundações de fim aberto são as que estão preparadas para assumir mais riscos com a longevidade. Elas calculam os gastos segundo o que parece certo para a missão, e não de acordo com a preservação da dotação, cientes que isso significa que talvez deixem de existir em algum momento do futuro.

Determinar sua atitude no longo prazo

Então, talvez a principal questão para os curadores não seja “quanto os mercados nos permitirão gastar com segurança”, mas sim “qual a nossa atitude no longo prazo?”
As fundações de vida limitada ou de gasto do patrimônio têm uma visão clara e fixa de seu horizonte de tempo, As fundações comprometidas com a eternidade sentirão que sua existência por um prazo muito longo é essencial para sua missão. Assim, elas terão menos tolerância com sua própria mortalidade e, consequentemente, reduzirão o gasto para aumentar suas chances de funcionar na mesma escala para sempre. As fundações de fim aberto, como vimos, estarão preparadas para assumir mais riscos com a mortalidade, e estarão preparadas para responder ao ambiente em mudança com mais flexibilidade, inclusive o escalonamento gradual de suas operações, para cima ou para baixo, dependendo do caso.

Mas, independentemente de sua atitude no longo prazo, todos os curadores podem achar bom se verem como administradores de recursos, que receberam uma missão, e não como guardiões do dinheiro, se preocupando em como preservá-lo. Enquanto os guardas mantêm o tesouro ou os prisioneiros seguros, com chaves e cadeados, não deixando que ninguém saia, os administradores cuidam sensatamente de seus recursos e reabastecem suas lojas, para conseguirem continuar a gerar boas coisas pelo máximo de tempo que conseguirem.

Administradores, não guardiões

A ideia de um terceiro caminho entre a eternidade e a vida limitada se encaixa bem em um movimento crescente para que as fundações vejam seus ativos de uma forma mais holística e criativa. Ao invés de se considerarem guardiões do capital e liberadores de doações que comprometem uma pequena quantidade de seu dinheiro, os curadores ambiciosos começam a ver que eles têm à disposição muitas alavancas para a mudança. Eles podem usar sua dotação para investir em empresas que se encaixem em sua missão; como donos de ações, eles podem usar seu direito a voto para influenciar a política da empresa; eles também podem investir em empresas de fim social que causarão um impacto social e também irão gerar retorno financeiro. E, além de sua influência financeira, as fundações também têm sua reputação, seu poder de convocação, seus funcionários e o capital social e conexões que seus curadores podem aproveitar.
A versão mais articulada disso vem da Fundação F B Heron dos EUA: “planejamos investir 100% de nossa dotação – assim como de outras formas de capital – para a missão. E, além de dinheiro, somo obrigados a usar todos os recursos disponíveis – capital, receita, ideias, talentos, influência, aliados naturais – para chegarmos a uma abordagem mais ampla e multissetorial”.

Envolvendo os outros na causa

Esses tempos também têm levado as fundações a pensaram sobre colaboradores e parceiros. Esta tendência se encaixa bem na abordagem de “fim aberto”, já que pode abrir a possibilidade de atrair mais dinheiro para repor a dotação.

Atrair a filantropia existente é uma história antiga para muitas fundações norte-americanas e universidades antigas, para quem as novas doações são uma parte essencial da combinação filantrópica. No entanto, é uma nova forma de pensar para muitas fundações europeias, que estão habituadas a existir como agentes totalmente autônomos, com as finanças hermeticamente fechadas. Essa época pode estar mudando essas atitudes arraigadas. Uma pesquisa da Foundation Source (relatada na no boletim eletrônico da Alliance’s de janeiro de 2013) concluiu que, entre as 519 fundações pesquisadas, aproximadamente 88 centavos do novo dinheiro eram doados, em média, para cada dólar gasto. Isso significa que, embora os valores da dotação tenham caído, a doação poderia continuar alta a uma média de 11,6% do ativo.

Conclusão

Não há uma única resposta certa para as fundações, especialmente quando o ambiente muda tão rapidamente para tantos. Nós começamos com a pergunta que muitas fundações subsidiadas estão fazendo agora, que é “quanto eu posso gastar” e analisamos o que está por trás disso. O que vimos foi a premissa dos curadores que sua missão envolvia uma das duas opções: preservar intacto o valor de sua dotação até a eternidade, ou gastá-la toda em um determinado espaço de tempo.

Ao invés disso, nossa pesquisa mostrou várias práticas ponderadas, inclusive a abordagem de “fim aberto” onde os curadores, reconhecendo que devem assumir riscos calculados o tempo todo, estão também preparados para arriscar seu próprio futuro. Enquanto as pessoas refletem sobre o que significa ser um administrador de seus recursos, esperamos que essa conclusão ajude a gerar um pensamento criativo e dê confianças àqueles que estão buscando por um terceiro caminho.

*Richard Jenkins é um especialista em caridade e fundação. E- mail [email protected]

[1] Richard Jenkins e Kate Rogers (2013) For Good and Not for Keeps: How long-term charity investors approach spending on their charitable aims.http://www.acf.org.uk/publicationsandresources/publications/index.aspx?id=98&eid=4191
[2] J Tobin, ‘What is Permanent Endowment Income?’ American Economic Review 64(2): 427-34.

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