Arte-cidadania pode ser alternativa para desenvolvimento do setor cultural

Por: GIFE| Notícias| 29/11/2004

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Nesta quarta-feira (1º/12), o Instituto GTech inaugura sua nova sede, no centro de São Paulo, abre a quarta edição de sua exposição anual Em Obras: Um Olhar em Construção e lança a Rede Arte-Cidadania, parceria com a ONG Cidade Escola Aprendiz. A iniciativa busca promover uma articulação comunitária tendo a arte como fator de integração, diálogo e desenvolvimento.

A nova sede do Instituto será o centro de articulações do Bairro-Escola-Centro, que prevê a estruturação de uma espécie de teia para facilitar o acesso dos estudantes de escolas públicas a oportunidades de desenvolvimento artístico e cultural e o enriquecimento de sua consciência crítica. Conectando pessoas e entidades em rede, o projeto deve transformar o centro de São Paulo num espaço de conhecimento pela arte e pela cultura.

A exposição Em Obras acontece de 6 a 19 de dezembro, em locais do centro histórico da cidade, como o Pátio do Colégio, o Largo São Francisco e o Ministério Público, que exibirão obras produzidas por 850 crianças, adolescentes e membros de comunidades participantes do Programa Asa – Oficina de Arte-cidadania, do Instituto Gtech. Todo o trabalho está permeado pelo conceito de arte-cidadania, traduzido pelo estímulo a crianças e jovens de 7 a 17 anos para que manifestem sua consciência crítica e exerçam sua cidadania, adotando como ferramenta a expressão artística.

Em entrevista ao redeGIFE, o diretor do Instituto Gtech, Leonardo Brant, fala sobre o surgimento do conceito de arte-cidadania, os planos para sua difusão e os resultados da 1ª edição dos Encontros de Arte-cidadania, promovidos em parceira com o Ministério da Cultura e o shopping cultural Fnac, no último mês de outubro.

redeGIFE – Como surgiu o conceito de arte-cidadania e o que se pretende difundir com ele?
Leonardo Brant – Começamos o trabalho do Instituto Gtech em 2000, implementando o Asa – um programa que então definíamos como sendo de arte, educação e tecnologia. A nossa idéia era trabalhar com arte em comunidades, usando a tecnologia como ferramenta para a criação artística. Aos poucos fomos percebendo que o contato com a arte e a vivência de processos criativos geravam benefícios enormes aos jovens participantes das oficinas, reiterando a importância de seu posicionamento enquanto criadores, valorizando seu repertório cultural e abrindo caminhos para um posicionamento mais autônomo e construtivo dentro da sociedade. Era o contato com a arte – com todas suas possibilidades simbólicas e expressivas – gerando oportunidades para o desenvolvimento da cidadania. Assim surgiu a percepção de que o que estávamos fazendo era arte-cidadania. O termo foi ganhando importância à medida que percebíamos o grande número de iniciativas comunitárias que buscavam promover cidadania e desenvolvimento humano a partir de experiências artísticas, entendendo a participação cultural como um caminho sólido para a transformação da sociedade. Então implementamos eixos de reflexão e articulação e adotamos a arte-cidadania como missão institucional, sustentada em três princípios: agir, pensar e trocar. Os primeiros passos desse processo ganharam forma com a sistematização do Asa e com o início do mapeamento de projetos de arte-cidadania no Brasil. Hoje em dia temos uma revista eletrônica sobre o tema e mais de 100 iniciativas mapeadas, além de outros muitos projetos voltados para a articulação de políticas públicas de arte-cidadania.

redeGIFE – De que maneira este termo se diferencia do conceito de arte-educação?
Brant – A grande diferença está no foco de ação. Estamos falando de iniciativas comunitárias, que apresentam alternativas aos processos muitas vezes falidos da educação formal. Contudo, reiteramos a importância de parceria com escolas e museus, espaços tradicionais da arte-educação. É importante dizer que existem iniciativas, como o próprio Asa, que não fazem arte como instrumento da educação. A vivência cultural e a arte são tão fundamentais à formação do cidadão quanto a própria educação. As iniciativas de arte-cidadania consolidam um campo de ação maior, integrando comunidades e apresentando propostas concretas para alçar a cultura como fator indispensável ao desenvolvimento humano e social. A arte-cidadania não está tratando simplesmente do ensino da arte. Está atenta a soluções para a transformação de comunidades e indivíduos freqüentemente alijados de processos de participação cultural. O mais importante, portanto, é perceber que a arte-cidadania é uma atividade, um setor em desenvolvimento. Vale ressaltar, contudo, que arte-educação está presente no cotidiano das instituições que atuam no setor e que esses não são conceitos rivais. A diferença é que a arte-cidadania tem se firmado como uma alternativa para o desenvolvimento do setor cultural, mostrando que os processos artísticos desenvolvidos em comunidades podem se apresentar como alternativas sólidas para políticas públicas de cultura comprometidas com o desenvolvimento social.

redeGIFE – Qual a expectativa com relação à adoção do termo pelo terceiro setor brasileiro?
Brant – Estamos apenas iniciando o processo de articulação e já tivemos contatos muito bem-sucedidos. Temos o exemplo de instituições que passaram a se definir como iniciativas de arte-cidadania, como é o caso da Casa de Ensaio, no Mato Grosso do Sul. A expectativa é que os projetos passem a se reconhecer a partir do que têm em comum, pois isso faz com que as ações muitas vezes pontuais tornem-se ações em rede e seus benefícios sejam ampliados para o âmbito nacional, a partir do fomento de políticas públicas para a cultura e para a juventude baseadas em suas experiências bem-sucedidas. Vivemos em um contexto em que as ações culturais muitas vezes não consideram a imensa demanda social que temos por iniciativas que promovam o acesso participativo à cultura, valorizando manifestações autênticas de nosso cenário. A arte-cidadania, à medida que se propõe a estender os processos artísticos às comunidades, valorizando a expressividade humana e a diversidade cultural, é uma alternativa sólida para a construção de uma ação cultural consistente e democrática, que considera o indivíduo como parte ativa da cultura.

redeGIFE – Recentemente, o Brasil foi apontado pela ONU como um dos países com experiências mais bem-sucedidas de subsídios ou de incentivos fiscais para a indústria cultural. Podemos dizer que também somos um país que apresenta boas condições para o desenvolvimento de ações de arte-cidadania?
Brant – Podemos dizer que existem diversas iniciativas de arte-cidadania. Contudo, muitas dessas iniciativas sobrevivem sem apoio algum e vivenciam em seu dia-a-dia a ameaça constante do encerramento de suas atividades. Isso mostra, por um lado, a quantidade de soluções criativas e efetivas – compatíveis com o desenvolvimento democrático do país – que têm sido encabeçadas pela sociedade civil, mas reitera, por outro lado, a necessidade de articulação política e democrática do setor cultural, promovendo seu desenvolvimento e valorizando suas práticas positivamente reconhecidas.

redeGIFE – Qual o balanço da primeira série de Encontros de Arte-Cidadania, realizada no mês passado?
Brant – Extremamente positivo. Tivemos um público muito bom, de 283 pessoas, somando os quatro dias de evento. Há mais de 100 e-mails de participantes registrados e o retorno que estamos recebendo tem revelado a pertinência da discussão no cenário atual. O mais importante, contudo, foi o grande entusiasmo do público participante, formado basicamente por educadores e representantes de diversas organizações não-governamentais que protagonizaram um aquecido debate sobre o assunto e deixaram suas expectativas para os próximos momentos de reflexão e troca.

redeGIFE – Quais são os próximos passos para a divulgação deste conceito?
Brant – Após a primeira edição dos Encontros e do lançamento da revista online www.artecidadania.org.br, estamos programando uma série de iniciativas. Além da inauguração da nova sede do Instituto Gtech – uma espécie de centro emanador desse conceito, com oficina, galeria, auditório, biblioteca, espaço de convivência – e da exposição Em Obras, o ano de 2005 começa com nossa participação no Fórum Social Mundial. Estamos organizando uma conferência sobre arte-cidadania, que tem como intuito articular representantes de instituições e formar um comitê responsável pela formação de um fórum nacional sobre o assunto. Esse fórum será um passo decisivo para a articulação democrática do setor. Em janeiro também será lançado o livro Arte-Cidadania: Reflexões sobre Participação Cultural e Desenvolvimento Social, que conta com artigos dos participantes dos Encontros e propõe reflexões direcionadas à arte-cidadania. E vamos lançar a revista impressa Arte-Cidadania e o edital do prêmio que Instituto irá promover para ampliar a articulação do setor. Além disso, estamos desenvolvendo e apoiando pesquisas no setor e trabalhando na disseminação do Asa, que em 2005 ganha a sua mais nova unidade, em Barueri.

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