As loas de D. Ruth

Por: GIFE| Notícias| 30/06/2008

Rodrigo Zavala

“”Exemplo de intelectual””, “”mãe do terceiro setor brasileiro””, “”encarnação da democracia””, “”excepcional líder””. Desde sua morte, aos 77 anos, na última terça-feira (24), não faltaram loas a uma das brasileiras mais reverenciadas no campo social brasileiro, Dra. Ruth Cardoso.

Doutora em antropologia, ela atuou como professora nas universidades do Chile, Berkeley (Califórnia, EUA), Columbia (Nova York, EUA) e de São Paulo, onde conquistou um espaço privilegiado entre os docentes. “”Como presidente do GIFE (gestão 2005-2007), estive, em inúmeras oportunidades, com a professora Ruth. O sentimento de perda que tenho, neste momento, deve-se menos a essa convivência do que à admiração pelo seu modo de ser, pensar e agir, que nos serviu, sempre, de exemplo e fonte de estímulo””, descreve o secretário-geral da Fundação Roberto Marinho, Hugo Barreto, ex-presidente do Conselho de Governança do GIFE.

Mais do que uma celebrada vida acadêmica, Dra. Ruth teve um papel fundamental na transformação da relação do Estado e das empresas com a área social. Seu período no governo, de 1995 a 2002, mudou de maneira definitiva o papel da primeira-dama (título que rechaçava) do país, de um paradigma de atuação assistencialista (na época, sinônimo de distribuição de leite), para um muito mais estratégico, baseado na cidadania e nos direitos humanos.

“”O apoio que vinha da primeira-dama significava um aval e tanto para aquele movimento ainda um tanto disforme que tratava de atualizar o conceito equivocado de “”filantropia”” e, ao cunhar novos termos deflagrar, também, uma nova ordem social””, lembra a presidente da Fundação Iochpe, Evelyn Iochpe, co-fundadora e ex-presidente do GIFE.

Considerada por muitos de seus admiradores como a “”mãe do terceiro setor brasileiro””, ela foi responsável, em 1994, pela criação e presidência da organização social Comunidade Solidária. Esse foi o modelo fundante de uma nova maneira de fazer políticas públicas sociais. Foi com ela que surgiram algumas das primeiras e mais consistentes parcerias entre Estado, empresas e organizações da sociedade civil.

“”A organização partiu de uma decisão extremamente importante: substituir a LBA (Legião da Brasileira de Assistência), palco de grandes escândalos no governo Collor, por uma organização que adotava uma parceria importante com a sociedade civil e com o empresariado. Foi o primeiro grande exemplo do processo colaborativo que deveria sustentar políticas públicas: trazer junto o setor público, o privado e a sociedade civil””, afirma o presidente do Instituto de Desenvolvimento do Investimento Social (Idis), Marcos Kisil.

Depois dos dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso, a doutora deu continuidade a esse trabalho, ao fundar, em 2002, a ONG Comunitas, que até hoje segue as diretrizes de sua mentora: fortalecer as pessoas e comunidades para combater a pobreza excludente.

Mais do que investir seu tempo na criação de projetos sociais próprios, ela liderou as alterações mais recentes e interessantes na legislação que regula a organização da sociedade civil brasileira. Uma das principais manifestações disso foi a Lei das OSCIPs (promulgada em 1999), que estabelece a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, uma regulamentação que aumenta a transparência e diminuiu a burocracia na relação entre governos e ONGs, favorecendo um controle social maior dos recursos públicos que são administrados pela sociedade civil.

Ruth Cardoso também esteve à frente do movimento de responsabilidade social empresarial e de investimento social privado, contribuindo para a construção de organizações como o GIFE.

“”No início dos anos 90, o GIFE era ainda um grupo informal. Estávamos todos, uns com os outros, aprendendo a fazer investimento social privado. Lembro-me de um convite de Dra. Ruth a alguns participantes do grupo para uma reunião em seu apartamento. O assunto era a troca de idéias sobre o incipiente terceiro setor, responsabilidade social corporativa, voluntariado etc. Não houve ata da reunião, mas um importante detalhe eu registrei: sua atitude serena, de ouvinte atenta e amável anfitriã””, recorda um dos co-fundadores do GIFE, Antonio Carlos Martinelli.

Aos 77 anos, a Dra. Ruth Cardoso estava no auge de sua produção acadêmica e de sua liderança no terceiro setor. Segundo Hugo Barreto, “”todos nós do GIFE temos hoje a clara visão de que a agenda social brasileira está marcada definitivamente pelas idéias de Ruth Cardoso””. “”Seus valores, atitudes e realizações deixam lições e nos inspiram para os profundos desafios que precisamos ainda enfrentar””, garante.

Para a Ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, o falecimento dela significa uma grande perda para o País, tendo em vista o seu compromisso com a democracia e a justiça social. “”Ruth Cardoso ocupou com brilhantismo o espaço das mulheres no mundo acadêmico, com intensa produção científica e reflexiva acerca dos fenômenos sociais e culturais do Brasil e da América Latina. Ela sempre serálembrada pela sua luta e iniciativas””, destaca.

Independentemente das loas à antropóloga, um dos maiores ensinamentos de Ruth Cardoso era a seu luta contra a degradação dos costumes, a total indiferença aos princípios éticos, a passividade da população diante desse quadro. Em palavras ditas por ela, em setembro de 2007, “”o mais incrível é que ninguém é punido, fica tudo por isso mesmo””.

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