Atender a diversas ‘juventudes’ é desafio para políticas públicas no país

Por: Fundação FEAC| Notícias| 05/09/2022

Enfrentar desafios da juventude no pós-pandemia exige investimento em políticas públicas

O último relatório da Organização Mundial do Trabalho OIT (Global Employment Trends for Youth 2022), divulgado em 11 de agosto, véspera do Dia Internacional da Juventude, destaca que a recuperação do emprego juvenil pós-pandemia ainda acontece de forma muito lenta. De acordo com o estudo, o número total de jovens desempregados(as) em todo o mundo alcança 73 milhões em 2022, o que significa uma leve recuperação em relação ao ano de 2021, que registrou 75 milhões.

“Os dados confirmam o que já sinalizavam os primeiros estudos: que a pandemia ainda gera consequências mais perversas para os jovens do que para os adultos. O legado da crise sanitária pode durar décadas, devido aos efeitos de longo prazo do aumento do desemprego juvenil”, afirma Enid Rocha Andrade Silva, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e especialista em infância e juventude, em entrevista à Fundação FEAC.

As importantes medidas de isolamento social tomadas para conter o contágio do vírus Sars-CoV-2 no Brasil tiveram como consequência a redução do consumo e do investimento e a perda expressiva de postos de trabalho. Segundo o relatório da OIT, o desemprego juvenil no Brasil aumentou de 25,2% no quarto trimestre de 2019 para 30,7% no quarto trimestre de 2020, enquanto a taxa de participação da força de trabalho jovem caiu de 56,6% para 51,8% durante o mesmo período. A pesquisa destaca que uma especificidade da crise foi o aumento da inatividade e, principalmente, “do número de jovens desalentados, que desistiram de procurar emprego porque não tinham esperanças de que iriam encontrar”.

“Legado da crise sanitária pode durar décadas”, diz pesquisadora

Além disso, a crise econômica provocada pela pandemia teve um diferencial importante em relação a outras que a precederam. “Além de impactar no mercado de trabalho, também interrompeu o processo de construção de habilidades dos jovens, como a continuidade da educação e da formação profissional, que são fundamentais para ampliar as chances de os jovens conquistarem um trabalho decente na fase pós pandemia ou de recuperação”, aponta Enid.

Sem trabalhar e sem estudar, muitas vezes por mais de dois anos no período da pandemia, acrescenta, esses jovens deixaram de acumular capital humano, levando a perdas de capacitação e qualificação significativas e persistentes que podem comprometer suas trajetórias laborais ao longo da vida. De acordo com o IBGE, o Brasil tem 47,2 milhões de jovens, que representam quase 1/3 da população economicamente ativa.

A pesquisadora destaca que as políticas públicas são fundamentais para apoiar os jovens em suas trajetórias de transição para o mundo adulto. Hoje em dia, isso se faz mais necessário do que nunca, já que o pós-pandemia trouxe inúmeras consequências negativas especialmente aos jovens em situação de maior vulnerabilidade social.

Ela destaca algumas políticas que podem ser implementadas pelo Estado ou em parcerias para melhorar a inserção dos jovens no mercado de trabalho:

  • A criação de serviços de capacitação e desenvolvimento de suas habilidades cognitivas, técnicas e
  • A concessão de subsídios para estimular a contratação de jovens.
  • A capacitação em negócios e empreendimentos.
  • A oferta de uma segunda chance de escolarização para aqueles que pararam de estudar.
  • A ampliação de políticas de cuidados e creches.

Juventudes: recortes sociais, raciais e de gênero

A juventude é heterogênea. Dessa forma, as políticas públicas voltadas para os jovens precisam considerar as diferentes juventudes. “Por isso falamos em ‘juventudes’ no plural. Pois na sua relação com o contexto social, a juventude tem gênero, cor, classe social, local de moradia, na periferia ou no centro, no urbano ou no rural. Todas essas especificidades resultam em vivências diferentes das fases da juventude pelos jovens”, aponta a pesquisadora.

Ou seja, é evidente que um jovem de baixa renda, negro e que mora na periferia, não vivencia a juventude da mesma forma que os jovens de classes mais elevadas que estudam em escolas melhores, têm acesso a atividades culturais, lazer e ao estudo de segunda língua, entre outras oportunidades. Também podem adiar a entrada no mercado de trabalho e, com isso, aproveitar essa fase para aquisição de conhecimento, aperfeiçoando a sua formação. São realidades diferentes e isso é determinante quando se pensa a política pública de um estado ou município.

“As políticas têm a urgência da própria juventude: têm de ser para agora, para hoje”, diz Fernando Martins, presidente do Conselho Municipal da Juventude de Campinas. Ele percebe um aumento no engajamento dos jovens e cita o aumento de 156% no número de adolescentes, sem obrigatoriedade ao voto, que adquiriu o título de eleitor esse ano para participar das eleições gerais de outubro. A ação é parte da campanha federal Cada Voto Conta, que, no município, foi encampada pela OSC Minha Campinas, em parceria com escolas públicas e apoio da Fundação FEAC.

De jovem para jovem: Pega a Visão e Cada voto Conta

“A ideia de que a juventude é alienada não condiz com essa realidade”, afirma Fernando, lembrando também da mobilização dos jovens em coletivos em Campinas – existem pelo menos 150 deles cadastrados na cidade. Os movimentos atuam em diferentes áreas e são organizações de resistência social, política e cultural a retrocessos. “A organização dos coletivos, com menos burocracia e papéis não tão rígidos, permite maior fluidez. Uma forma importante de vivência da cidadania, de aprender a negociar, conviver e cobrar”, afirma.

Uma das marcas da campanha Cada Voto Conta em Campinas foi a capacitação de adolescentes para dialogar com outros adolescentes sobre a importância de tirar o título de eleitor e votar. Os encontros aconteciam em escolas públicas da cidade e foram superimportantes para sensibilizar mais adolescentes para a causa. Ter porta-vozes jovens ajuda a motivar o protagonismo juvenil. Esta é a percepção de Gabriela Melo Araújo, 21 anos, socioeducadora do Projeto Pega a Visão, que tem como objetivo estratégico fortalecer a participação social e política dos jovens nos espaços de decisão que os afetam. “O que mais motiva o jovem a estar participando desse projeto é o fato dele ser composto por jovens”, diz ela.

Hoje o projeto atende a um público de 70 jovens, entre 15 e 18 anos, participantes das OSC, coletivos e organizações juvenis que atuam em projetos do Programa Juventudes, da FEAC, e representantes de outros coletivos de juventudes do município. “A proposta é despertar possíveis lideranças cidadãs, enquanto pensadores críticos, capazes de olhar para dentro do território, para dentro da cidade e entender como ele pode mudar de alguma forma a situação atual do nosso bairro, cidade ou país. Despertar esse sentimento nele”, diz Gabriela.

Além da programação cotidiana, com atividades esportivas, rodas de conversa e dinâmicas de grupo que discutem temas sociais e políticos trazidos pelos próprios adolescentes, há outros assuntos importantes que vêm mobilizando o Pega a Visão. Entre eles estão a Medida Provisória nº 1.116, que reduz o número de vagas para jovens aprendizes (ouça o podcast), e a descontaminação do solo do bairro Satélite Íris, que foi um antigo lixão e ainda não implementou medidas sanitárias previstas para sanear a área, explica Gabriela. “Já existe um plano de descontaminação e revitalização do solo, mas ele não sai do papel”, afirma.

Diante desta constatação, o que fazer? A quem reclamar? O que posso fazer, como cidadão, para agilizar a solução deste problema socioambiental? As conversas do Pega a Visão partem de questionamentos assim. E foi dessa mobilização que nasceu também o interesse em realizar uma visita técnica à Câmara Municipal para compreender melhor o trabalho dos vereadores e como se dá a participação da sociedade civil.

A atividade aconteceu durante a Semana das Juventudes (leia mais), evento promovido pela prefeitura de Campinas em parceria com a Fundação FEAC e que envolve mais de 45 atrações. O tema deste ano é “Pega essa visão: a minha, a sua e a nossa participação”, e está pautado no eixo Direito à cidadania, à participação social e política e à representação juvenil do Estatuto da Juventude.  

“A semana tem a intenção de fomentar amplo debate entre as diversas juventudes. A proposta é que estes debates possam gerar dados e fomentar espaços de reflexão para além dos participantes, mas também no poder executivo – na coordenadoria municipal da juventude e no conselho municipal da juventude”, avalia Rafaela Canela, analista de projetos da Fundação FEAC.

Falam as juventudes:

Aline Silva Marques, 16 anos, cursa o primeiro ano do ensino médio

“O projeto Pega a Visão é principalmente sobre política e questões sociais e raciais, de como os jovens são criminalizados, principalmente na periferia. Nosso último encontro tratou de assuntos mundiais, da fome, desigualdade de gênero. Dentro desse contexto, criamos um personagem, que normalmente são pessoas negras, de periferia. E nós trouxemos isso de uma forma dinâmica para mostrar como a política poderia ajudar essa pessoa. Como o Cras (Centro de Referência da Assistência Social) ou ONG podem ajudar.

“Se eu não estivesse no projeto eu provavelmente não iria saber da existência dessa Medida Provisória. O projeto traz isso para gente de uma forma adequada para gente entender e perceber como aquilo vai prejudicar a gente.”

Maria Paula Araújo, 17 anos, segundo ano do ensino médio:

“Eu entrei no projeto Pega a Visão porque a Aline estava falando do projeto, que era legal participar. E a Gabi [Gabriela Melo Araújo] também vivia falando para gente ir participar, que eles falavam de política. E eu falava assim, ‘ah, eu não quero participar, eu não gosto de política’. 

“Fui um dia só para ver. Vai que, né? E aí gostei e estou participando. Achei bem legal a proposta que eles passaram para gente. Porque é bem dinâmico. É bem mais legal do que ficar só sentado, escutando, sem entender nada. A primeira coisa que me interessou foi quando eles estavam falando lá da MP nº 1.116. Eu achei superinteressante porque a gente precisa mesmo desse espaço para começar a trabalhar.”

Por Natália Rangel

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