Avaliação das políticas públicas será prioridade no governo Lula

Por: GIFE| Notícias| 12/05/2003

ALEXANDRE DA ROCHA
Subeditor do redeGIFE

Em entrevista ao redeGIFE, o secretário executivo do Ministério da Assistência e Promoção Social, Ricardo Henriques, revela que a avaliação dos programas sociais do Estado será uma das agendas prioritárias do governo Lula para evitar o desperdício de recursos na área.

“”Não ter avaliação dificulta a identificação dos problemas de execução de cada programa. Portanto, não permite identificar onde estão vários dos desperdícios. Se não abrirmos a caixa preta da política social, passa a ser impossível saber quais são as fontes reais de desperdício e de ineficiência””, afirma.

redeGIFE – O senhor tem uma história de prestígio como pesquisador da situação social brasileira, seja pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) ou pela Universidade Federal Fluminense. Qual é a sensação de agora estar no governo, tendo em mãos a possibilidade de colocar a teoria em prática? Muda de alguma maneira a forma como o senhor enxerga as dificuldades do país?
Ricardo Henriques – Uma das vantagens de ter passado pelo exercício da pesquisa e da Academia, e hoje estar no Executivo, é reconhecer a relevância desta interlocução, sendo possível, na posição do Executivo, ter modéstia suficiente para aprender com a crítica que vem da Academia. A liberdade da crítica é extremamente produtiva. Ela faz com que todos sejam capazes de pensar mais alternativas. Na medida em que estou no Executivo com o acúmulo da Academia, posso fazer um sistema de tradução que pode ser muito produtivo, que é acumular essa pesquisa acadêmica, mas estar mais sintonizado com a dimensão pragmática. Isso não é trivial. Estar no governo acirra de forma positiva a necessidade de traduzir o acúmulo que existe da pesquisa empírica sobre a realidade social em programas que tenham capacidade prática de ser implementados.

Acho que existe uma rede de pessoas dentro do governo federal que está sintonizada com a preocupação de ser eficiente não só na concepção de programas sociais, mas sobretudo na implementação. Uma implementação que seja capaz de incorporar a sociedade civil como um todo e que tenha resultados de curto, médio e longo prazos, sintonizados com a melhoria da qualidade de vida da população. Mas não é uma solução simples. O desafio é como dar conta das experiências que estão espalhadas pelo Brasil como um todo e criar uma política social que seja eficiente. Hoje, a busca de eficiência, a sintonia com a sociedade civil e a avaliação dos projetos cria um tripé que talvez defina a mudança de caminho da política social.

redeGIFE – A estrutura governamental atual possui vários ministérios, secretarias e órgãos lidando com a área social. Isso não gera confusão e pode apresentar o risco de perda de foco e de disputa política entre os integrantes do próprio governo? Não seria melhor as ações serem coordenadas por um ou dois ministérios?
Henriques – O governo identifica uma herança que é de significativa fragmentação e sobreposição. Em vários domínios da área social existem programas que são sobrepostos nos critérios de seleção de seu público-alvo ou nos seus objetivos finais. O que se está estabelecendo no governo é um processo de racionalização que busca reduzir sobreposições e otimizar o resultado social. Em andamento há toda uma discussão e uma reflexão sobre qual é a possibilidade de consolidar alguns programas de transferência de renda e quais as perspectivas de assegurar mais eficácia, maior poder de resolução e um programa de avaliação que seja mais consistente quanto ao processo de execução dos programas unificados e quanto ao impacto. O presidente Lula tem dado sinais de que, na área social, está dando orientação para que sejam constituídas políticas de governo que articulem ministérios e dêem um sinal organizador para a intervenção social.

redeGIFE – O senhor já falou duas vezes sobre avaliação. O Estado está preparado para avaliar as políticas públicas na área social?
Henriques – Essa é uma agenda prioritária do governo: reconhecer que é fundamental avaliar suas políticas públicas como um todo e conseguir desenvolver um sistema de avaliação que seja capaz de medir as múltiplas dimensões dos programas na área social. Ser capaz de avaliar a eficácia, a eficiência, a capacidade de acesso, os objetivos, a adequabilidade e a sustentabilidade. Essa agenda precisa ser desenvolvida pois ela é uma ruptura com a cultura geral dos grandes estamentos burocráticos estatais que recusam a avaliação. Mas a avaliação não deve ser entendida no registro de uma função punitiva. Ela tem a função de, a partir do aprendizado e do entendimento da experiência concreta de cada programa, permitir seu redesenho para que ele seja mais eficiente, mais dinâmico e mais produtivo.

redeGIFE – A falta de avaliação contribui de alguma forma para o desperdício de recursos na área social?
Henriques – Certamente não ter avaliação dos programas sociais dificulta a identificação dos seus problemas de execução. Portanto, não permite identificar onde estão vários dos desperdícios. O que nós sabemos é que, na maioria dos programas sociais que existiam no governo, há um forte desperdício de recursos. Sem avaliar, o redesenho passa só por um certo “”achismo”” da política social. Avaliar não é uma função acadêmica ou de alegoria. É um instrumento vital para entender que aquelas idéias que foram transformadas em programa têm capacidade de transformação da realidade. Temos total consciência de que os erros podem estar em várias fases do processo, desde o desenho até a implementação. Se nós não abrirmos a caixa preta da política social, passa a ser impossível saber quais sãos as fontes reais de desperdício e de ineficiência.

redeGIFE – Durante o primeiro Congresso do GIFE, realizado em 2000, o economista Ricardo Paes de Barros, diretor do Ipea, afirmou que o que define se uma família é pobre ou não é sua capacidade de gerar renda. O senhor concorda? Se a causa está tão clara e definida, por que o Brasil não consegue vencer a pobreza?
Henriques – A pobreza certamente é multidimensional. Uma das dimensões é a da renda, talvez a mais fundamental diante do processo histórico que nós temos de exclusão. O perfil da pobreza brasileira, que atinge mais de 30% da população, é extremamente complexo. Vai desde a exclusão na esfera dos direitos até a exclusão na esfera da renda. Uma política consistente de redução da pobreza no país requer uma ação sólida de redução da desigualdade. O Brasil criou um acordo social fundamentalmente excludente, no qual é possível fazer com que o país tenha alguma exuberância desconsiderando, do ponto de vista da cidadania, uma parcela gigantesca da população. Um processo de inclusão efetiva requer uma ação de política pública coordenada que tenha perspectiva real de redução da desigualdade para combater a pobreza. Certamente, diante da precariedade que nós temos hoje, as políticas precisam ser muito ativas do ponto de vista da transferência de renda. Porém, só isso é estritamente insuficiente. Tem que ser articulada com as dimensões mais estruturais, como o resgate da cidadania e a garantia dos direitos aos quais só uma parcela da população tem acesso.

redeGIFE – Dentro desse cenário, qual é o papel do investimento social privado?
Henriques – Acho que, hoje, há um reconhecimento no país de que o papel dos empresários pode ser extremamente ativo e transformador. Na medida em que é necessário enfrentar o problema da desigualdade e desse acordo social excludente que o Brasil gerou, tem que se constituir de maneira efetiva um espaço público não estritamente estatal. De forma solidária, o Estado, a sociedade civil organizada e o setor privado devem interagir para conseguirem, de forma produtiva, a melhoria da qualidade de vida da população. Então, o investimento social privado tem um papel nítido e pode contribuir de forma relevante para essa transformação.

redeGIFE – O senhor sempre falou da importância do brasileiro “”desnaturalizar as desigualdades””, ou seja, extinguir o conformismo que há diante da pobreza. O senhor acha que o crescente envolvimento dos empresários com a área social é um sinal de um processo de “”desnaturalização””?
Henriques – Acho que o envolvimento contribui fortemente para a desnaturalização. Essa perversidade do acordo social brasileiro gerou essa “”naturalização das desigualdades””. Tornou-se banal e trivial o convívio com essas desigualdades. Há um certo status quo que reconhece na pobreza um problema, mas assume uma inércia e uma incapacidade de lidar com ela. Isso infelizmente, quando se cristaliza, gera uma agenda de políticas públicas e uma agenda do setor privado que só está preocupado em atacar diretamente a pobreza e portanto pode, como muitas vezes se faz, criar instrumentos de natureza assistencialista. Para se conseguir romper com este círculo assistencialista há de se entender que tem de se enfrentar a desigualdade. Então, quando ela se torna natural, cria-se um conjunto de resistências significativas a serem questionadas. Nesse sentido, a ação dos empresários realmente balizada pelo investimento social privado tem um efeito importante e de demonstração que interfere sobre o simbólico e que pode ser muito relevante para quebrar com essa naturalização.

redeGIFE – Muito se fala que a mesma elite que contribuiu para o cenário que o senhor demonstrou anteriormente diz que quer contribuir para a erradicação das desigualdades. Isso é um paradoxo? O senhor vê esta mudança de comportamento?
Henriques – O processo de conscientização sobre as mazelas que essa sociedade criou é crescente. Há uma parte disso que pode ser entendida como um paradoxo se fizermos uma leitura linear do processo recente da história brasileira. Parece-me que há, de forma efetiva, uma mudança de comportamento de um segmento do empresariado. No entanto, não podemos esquecer que há comportamentos oportunistas que se manifestam nesse processo. É fundamental que o próprio empresariado seja capaz de decantar as suas atitudes e tornar evidente as mudanças de comportamento. Elas existem e parte significativa dos empresários está entendendo que é um ator chave para reduzir as desigualdades. Isso tem que ser exercitado de forma cotidiana e sensível, trazendo a participação da sociedade como um todo para essa conversa. Para isso ser uma mudança de comportamento, o processo de investimento social privado não pode ser um exercício elitista, filantrópico ou tradicional. Ele tem que dar conta de um outro horizonte para o empresariado, que tem na interlocução com a sociedade civil um elemento chave para a mudança da qualidade de vida da população.

redeGIFE – De que forma o Ministério da Assistência e Promoção Social pretende utilizar a experiência adquirida pelos projetos sociais desenvolvidos pelo setor privado?
Henriques – A ministra Benedita da Silva tem total consciência de que as boas práticas desenvolvidas pela sociedade civil e pelo empresariado têm que ser incorporadas na agenda de políticas públicas. Nesse sentido, ela sinaliza com clareza que, para além da ação direta do Estado, é fundamental que o governo potencialize as boas práticas que são responsáveis pela melhoria da qualidade de vida da população.

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