Branding no terceiro setor – O valor das marcas sociais
Por: GIFE| Notícias| 08/11/2004LAÍS VANESSA C. DE FIGUEIRÊDO LOPES e MÁRCIA GOLFIERI
Integrantes do Núcleo de Estudos Avançados de Terceiro Setor (Neats – PUC/SP) e sócias do escritório de advocacia Figueirêdo Lopes e Golfieri Advogados
Em remotas épocas, símbolos distintivos já eram utilizados para indicar a procedência das mercadorias, o que constituía uma classe de produtos confiáveis pela sua origem. Com o avanço das relações comerciais, criou-se regulamentação mais específica destes signos para defesa dos interesses do seu detentor e do consumidor. O primeiro, além de imprimir extrato das características essenciais sobre a qualidade do produto ou serviço, agrega ao conceito de sua marca valores que traduzem a sua atitude. O segundo, receptor da mensagem, passa a escolher seus objetos de consumo dentre muitos produtos ou serviços semelhantes. A marca, pois, tem como função precípua a identificação dos produtos ou serviços e a sua distinção dos demais existentes no mercado.
O comprometimento social é um dos principais valores que influenciam as pessoas na avaliação das marcas. O público em geral está cada vez mais exigente em relação à postura dos produtores e fornecedores de serviços. Agregar um valor social ao conceito de seu produto ou serviço é, hoje, um diferencial. Para tanto, as ações anunciadas devem guardar coerência com o que o titular da marca efetivamente faz. Não basta fazer propaganda da responsabilidade social. É preciso gerir as ações com ética e transparência, buscando o desenvolvimento social sustentável e inclusivo, interna e externamente, envolvendo todos os atores da sua cadeia de relacionamentos – clientes e consumidores, dirigentes e funcionários, fornecedores e prestadores de serviços, governo e sociedade civil em geral.
E isso não é exclusivo da área empresarial, sendo tema relevante também para o terceiro setor. As marcas registradas por entidades sem fins lucrativos constituem símbolos institucionais que carregam em si a reputação das organizações e de seus projetos. Representa ativo valioso que pode contribuir para o impacto da sua intervenção social, para a construção de importantes alianças, bem como para a captação de recursos financeiros e humanos.
Conhecer o valor da marca é essencial para que a instituição possa administrar seus relacionamentos de maneira eqüitativa, fixando perspectivas de ganhos nas parcerias firmadas. O que muitos podem achar que é um valor abstrato, na realidade não o é.
Recente artigo publicado na Harvard Business Review trata do lucro de um nome sem fins lucrativos, abordando a experiência da precificação da marca Habitat para a Humanidade, feita pela consultoria nova-iorquina Interbrand. Em 2002, a marca foi avaliada em US$ 1,8 bilhão, o que potencializou a captação de recursos da organização, dobrando o valor mínimo da doação que qualifica a empresa a associar sua marca à da entidade. O resultado aumentou a sua arrecadação de donativos de US$ 26,2 milhões para US$ 39 milhões após a avaliação.
Mencionam os autores do texto que “”uma marca de alto valor pode trazer uma série de outros benefícios. Pode ajudar a entidade a atrair e reter funcionários e conselheiros de alto calibre, a motivar doadores e voluntários a elevar sua contribuição, a justificar iniciativas de proteção da marca e do logotipo e garantir que eles sejam apresentados de modo uniforme, a justificar o investimento em fatores que destacam a marca (tais como o impacto local) e dar à entidade maior influência no âmbito dos legisladores”” (1).
Mas, para que a marca possa ser cotada, é necessária a formalização jurídica de sua titularidade. No Brasil as marcas devem ser registradas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), devendo o requerente comprovar legitimidade e interesse. A legislação específica garante o direito de prioridade para as marcas já depositadas em outro país que tenham acordo firmado com o nosso. Há também previsão do direito de precedência para aqueles que, de boa-fé, já utilizavam a marca. O que fixa a data da anterioridade, afinal, é o depósito da marca no órgão competente. Contudo, o que atribui o direito exclusivo de propriedade é o registro validamente expedido após a tramitação do processo.
São registráveis como marcas palavras, imagens e formatos tridimensionais perceptíveis visualmente. No pedido, determina-se a sua natureza, quanto ao uso – distinção de produtos, distinção de serviços, coletivas ou de certificação – , quanto à apresentação – nominativas, figurativas ou mistas -, quanto à origem – brasileiras ou estrangeiras – e quanto à sua classificação. Em razão desta segmentação é que, por exemplo, coexistem registros da marca Clock ®, tanto na classe de brinquedos, quanto na classe de utensílios de cozinha.
A lei brasileira prevê, ainda, a proteção de marcas de alto renome, entendidas como aquelas que gozem de evidência que transcenda o segmento para o qual foram originalmente criadas (art. 122 e 123 da Lei nº 9.279/96). Seu registro engloba todas as classes, reconhecendo-a como única no mercado. Até 2003, o Inpi não concedia administrativamente este tipo de proteção, devido à falta de regras específicas para julgar os pedidos. Ainda assim, por ser disposição de lei, muitas empresas pleitearam provimento jurisdicional. A título de ilustração, pode-se citar o caso da marca Dakota, que é considerada marca de alto renome por reconhecimento judicial. Este ano, o Inpi editou a Resolução nº 110, que regula a concessão de registro desse tipo de marcas. Organizações do terceiro setor muito conhecidas, tais como o Greenpeace, e que atendam às regras da resolução citada, também podem pleitear a anotação de marca de alto renome.
Uma hipótese interessante a ser experimentada pelas entidades que atuam com políticas públicas é a utilização de marcas de certificação. Para registro, faz-se necessário que a entidade elabore e deposite com a marca Regulamento de Concessão. Assim, a exemplo da marca Selo de Pureza Abic, pertencente à Associação Brasileira da Indústria de Café, as entidades podem registrar selos que atribuam qualidades a agentes sociais que atendam aos requisitos de seu interesse, em especial, exigindo que a utilização do selo simbolize o respeito e a contribuição ativa para o desenvolvimento da política pública defendida.
A Fundação Abrinq adquiriu notoriedade na área da política pública de criança e adolescente. Seu nome forte é utilizado como símbolo nas várias campanhas que desenvolve, tais como o Prefeito Amigo da Criança e Adote um Sorriso. Um case emblemático é o da marca Fundação Abrinq Reconhece Empresa Amiga da Criança, concedida mediante a assinatura de Termo de Compromissos que, dentre outros, exige a não-exploração do trabalho infantil pela empresa e por toda a sua cadeia de fornecedores. Para a adesão ao programa, as empresas prestam contribuição financeira proporcional ao seu faturamento, devendo respeitar todos os compromissos assumidos, sob pena de perda do credenciamento para utilização do selo. Este tipo de campanha não só funciona para divulgar as ações da entidade, como constituem programa de geração de renda e de fidelização de empresas comprometidas com a causa.
Outra campanha de impacto é a do Câncer de Mama no Alvo da Moda, implementada pelo Instituto Brasileiro de Combate ao Câncer (IBCC). O símbolo, marca da campanha, foi criado pelo estilista Ralph Lauren para o Council of Fashion Designers of América e doado à Georgetown University. No Brasil, a campanha foi lançada em 1995, pelo IBCC, depois dos Estados Unidos e seguido por outros oito países. Com o apoio de 48 marcas que já se envolveram de alguma forma com a campanha no Brasil, já foram por ela arrecadados desde então R$ 30 milhões, o que corresponde a 55% da receita mundial. (2)
Além das campanhas individuais, há ações coletivas para incremento do valor das marcas que chamamos de cobranding, cuja associação de marcas desenvolvem conceitos conjuntos, agregando projeção aos parceiros e à marca final do conjunto. São muitos os casos de entidades que criam produtos com empresas que cuidam de seu licenciamento e distribuição no mercado. A empresa detém o know-how mercadológico e a entidade tem o seu “”recado”” social a somar. Isso normalmente resulta interessante, porque gera retorno financeiro e de imagem para ambas as marcas. O alvo de tiro do câncer, por exemplo, tem sido objeto de produto lançado pela Hering, Jandaia, Track & Field, Unibanco e América Online, além da Rede Globo, que incluiu a marca na novela Mulheres Apaixonadas.
O licenciamento faz parte também do sistema de franquias comerciais ou sociais. A bandeira outorgada ao franqueado o valoriza e o identifica, além de ser um meio de difusão da franquia. Por óbvio, os sucessos e os fracassos repercutem em toda a cadeia, aumentando ou diminuindo a credibilidade e a notoriedade do conceito da marca. Um exemplo de franquia social é o Centro de Democratização da Informática (CDI), cujas entidades autônomas se credenciam, submetem-se às regras de conduta e aos treinamentos e, em troca, ficam autorizadas a utilizar a marca em suas localidades.
Neste ensaio, apesar de termos nos atido a tratar das marcas como mote, buscamos despertar a atenção dos leitores para o valor do resguardo jurídico da atividade intelectual do terceiro setor. Não raras vezes, organizações não-governamentais difundem imagens, campanhas, projetos e marcas institucionais sem a devida proteção jurídica da propriedade intelectual. Os produtos das boas idéias – marca, patente, desenho industrial, modelo de utilidade, obras de direito autoral e nome de domínio – devem ser registrados para não se perderem no vento. Ressalte-se que o sistema é da proteção estática e cada modificação altera a composição do que foi registrado, devendo ser objeto de novo registro.
Recomendamos, ao final, que as entidades promovam ações preventivas com vistas a garantir a exclusividade de uso de suas marcas e demais criações e resguardar sua reputação como parte importante de seu patrimônio. Caso contrário, seus conceitos poderão ser deturpados, além de poderem ser confundidas com outras entidades nem sempre tão sérias. E, assim como no mundo dos negócios, a credibilidade no terceiro setor é hoje elemento de sustentabilidade e perenidade de suas ações.
Para mais informações, consulte o site www.inpi.gov.br.
(1) QUELCH, John A.; AUSTIN, James E. e LAIDLER-KYLANDER, Nathalie. O lucro de um nome sem fins lucrativos. In Harvard Bussines Review, F0404-D, de 01/04/2004, p. 14.
(2) NOGUEIRA, Nemércio. Alma para Marca. Disponível em http://www.portaldapropaganda.com/marketing/relacoes_publicas/2003/09/0002. Acesso em 28/10/2004.