Brasil ainda não tem política de microcrédito bem definida

Por: GIFE| Notícias| 29/08/2005

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

O Comitê Nacional de Coordenação do Ano Internacional do Microcrédito foi instituído em decreto pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no último mês de abril, com o objetivo de planejar ações de conscientização sobre a importância do microcrédito e do microfinanciamento, visando a erradicação da pobreza, a troca de experiência sobre boas práticas de fomento e a promoção dos serviços financeiros sustentáveis favoráveis à população economicamente desfavorecida.

Presidido pelo Secretário Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho, Paul Singer, o grupo é formado por representantes de 40 órgãos e instituições. Pelo governo, são nove ministérios, nove bancos estatais, uma agência estadual de fomento e o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Entre os membros da sociedade civil, há associações ligadas ao setor financeiro, entidades municipais, o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), o Sindicado dos Bancários de São Paulo, Osasco e região e organizações não-governamentais.

Destes últimos, um dos integrantes é o Iets (Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade), instituição sem fins lucrativos voltada para pesquisa, a análise, o debate e a circulação de idéias sobre as questões da pobreza, desigualdade social, reforma do Estado e aprimoramento das políticas sociais.

Em entrevista ao redeGIFE, Manuel Thedim, diretor do Iets e presidente do Fórum de Microfinanças do Rio de Janeiro, fala sobre a atuação das OSCIPs em programas de microcrédito e a definição de uma política para este sistema no país. Segundo ele, nada adiantará se as instituições que operam crédito para empreendedores de baixa renda não profissionalizarem suas operações. “”Um programa que incentive e dê condições de aperfeiçoamento, o que costuma se chamar de Programa de Desenvolvimento Institucional, é essencial neste esforço. Tentativas de ′obrigar′ o mercado financeiro tradicional a entrar neste nicho, principalmente em condições artificiais, serão sempre estéreis””, afirma.

redeGIFE – Quais as características comuns aos melhores programas de microcrédito promovidos por OSCIPs no Brasil?
Manuel Thedim – As melhores instituições preocupam-se, com particular interesse e cuidado, em entender o beneficiário. Esquadrinham, com precisão, a natureza do negócio, as características socioeconômicas do domicílio do empreendedor e do território onde se insere. Outra dimensão que merece especial atenção é a qualidade e eficiência da operação. É cardeal, para o sucesso e a permanência das instituições, independência política e excelência administrativa e operacional.

redeGIFE – Quais as especificidades entre programas de microcrédito realizados por instituições financeiras e aqueles concedidos por OSCIPs?
Thedim – A vantagem da OSCIP é sua proximidade com a demanda. Como, de forma geral, está inserida e focada neste estrato social, sua capacidade de traduzir as condições e necessidades dos empreendedores de baixa renda é muito maior. Por outro lado, não tem a facilidade para captar recursos e sua eficiência operacional em programas de crédito tende a ser bem menor do que a de instituições financeiras. As melhores práticas, independentemente da arquitetura institucional da operadora, devem confluir para objetivos semelhantes, aumentar a oferta de crédito a empreendedores de baixa renda de forma adequada e permanente. Não se atenderá à demanda por crédito produtivo por parte dos empreendedores pobres sem a participação massiva do sistema financeiro tradicional.

redeGIFE – Podemos dizer que o Brasil tem uma política de microcrédito bem definida?
Thedim – Definitivamente não. A política oficial é cheia de incongruências e tomada por um furor regulador que tem se mostrado estéril. Enquanto a burocracia federal não entender que sua pena não é indutor do mercado, nada se resolverá. Pequenos e insuficientes avanços foram alcançados graças à determinação de pequena parte da máquina estatal. Merece destaque o esforço do senhor Valdi Dantas, coordenador do Programa de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO) e do professor Paul Singer, Secretário Nacional de Economia Solidária, ambos do Ministério do Trabalho.

redeGIFE – Quais as vantagens e os aspectos aos quais a população de baixa renda deve atentar ao utilizar este sistema de financiamento?
Thedim – Crédito é fator essencial à produção. No Brasil ainda há a percepção de que dinheiro emprestado é para resolver dificuldades, não um insumo, como o tecido é para uma confecção. Crédito, bem utilizado, é multiplicador de oportunidades e alicerce para o desenvolvimento. Os tomadores devem atentar especialmente à sua capacidade de gerir seu investimento e ao fluxo de caixa adicional resultante, para não tomar um crédito que originará despesa maior do que a receita correspondente. Vale ressaltar que a questão dos juros, no que pese importante, é secundária frente à questão do acesso. Nada adianta subsidiar juros de recurso que não chegará aos que o demandam.

redeGIFE – Atualmente, o sistema de microcrédito é o mais eficiente possível na diminuição da exclusão no acesso ao crédito?
Thedim – Infelizmente não, ainda não se produziu um sistema indutor eficaz e eficiente para construir este mercado. É legítimo o apoio estatal, uma vez que o mercado é incompleto e não alcança uma fatia importante da população. O governo deve entender, no entanto, que seu apoio deve focar na construção de um ambiente propício ao fortalecimento e expansão de um sistema de distribuição que seja perene e estável, eficiente e inclusivo.

Associe-se!

Participe de um ambiente qualificado de articulação, aprendizado e construção de parcerias.

Apoio institucional