Brasil precisa associar ações afirmativas às políticas públicas

Por: GIFE| Notícias| 14/07/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

O Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e a Rede Globo realizaram, de 25 a 27 de junho, o I Seminário Criança Esperança.

Representantes de organizações da sociedade civil e do governo reuniram-se em Brasília (DF) para discutir o tema Igualdade na Diversidade. Em entrevista ao redeGIFE, Sílvio Kaloustian, oficial de projetos do Unicef, fala sobre os resultados do encontro.

redeGIFE – Como surgiu e qual foi a proposta do I Seminário Criança Esperança?
Sílvio Kaloustian – Aproveitamos toda a capacidade de articulação e mobilização da sociedade civil, de governos, sindicatos e fundações empresariais para provocar uma ação mais propositiva em termos de políticas públicas. A partir das informações do Censo [Demográfico, elaborado pelo IBGE], buscamos fazer uma leitura mais detalhada sobre a questão da diversidade. Nesse momento, houve o lançamento do relatório Situação da Infância e Adolescência Brasileira em 2003, cujo foco foi igualdade na diversidade. A parceria com a Rede Globo nos permitiu abrigar mais de 250 profissionais e instituições de todo o Brasil para discutir proposições concretas na direção de políticas públicas sustentáveis e que beneficiem de forma efetiva as crianças e os adolescentes brasileiros.

redeGIFE – Qual foi o balanço geral do seminário?
Kaloustian – Em primeiro lugar, o relatório que o Unicef e a Rede Globo colocaram à disposição é uma versão preliminar. Em torno de seis eixos temáticos – riqueza e pobreza, relações de gênero, questões urbanas e rurais, desigualdades regionais, relações étnico-raciais e crianças com deficiência – foi apresentado um relatório sobre a situação de exclusão social e educacional de crianças e adolescentes brasileiros e, a partir daí, os participantes elaboraram diversas propostas que dizem respeito a políticas públicas e à questão de monitoramento e avaliação. O balanço foi bastante positivo, no sentido de que as instituições, os palestrantes, mediadores e técnicos governamentais puderam tratar de políticas mais focalizadas e detalhadas para essas questões. Todo o esforço foi direcionado para políticas públicas que pudessem ter um olhar diferenciado sobre a questão da exclusão. Sabemos que a pobreza é um problema grave, mas sozinha ela não explica a exclusão social no país. Então, todo o esforço foi para enxergar as questões de racismo, gênero, diferenças regionais, meio urbano ou rural, fatores que são muito mais profundos e determinantes para explicar as causas da exclusão social no país.

redeGIFE – Podemos dizer que o Brasil tem avançado no que diz respeito à valorização da diversidade?
Kaloustian – O Brasil avançou muito nos indicadores saúde e educação, mas pouco na questão da diversidade. Porém, devemos chamar a atenção e valorizar a capacidade da sociedade brasileira de colocar essa temática na agenda. Não é algo que o Unicef está trazendo à tona, mas estamos aprofundando um tema que está presente na agenda da política pública nacional, pelos movimentos negro, indígena, de defesa dos direitos da criança e do adolescente e pelos governos estaduais e federal. O que nós mostramos é uma necessidade de aprofundamento, com políticas mais efetivas e direcionadas a esses segmentos. Aí estamos chamando a atenção para a necessidade de políticas e ações afirmativas, questão bastante presente durante o seminário.

redeGIFE – Seria a forma de colocar na prática as políticas públicas que estão sendo recomendadas?
Kaloustian – Mais do que isso, associar políticas públicas às ações afirmativas. Essas ações são justas porque vão anular discriminações. Elas são temporárias – já que quando a situação de iniqüidade é corrigida, elas não são mais necessárias – e inclusivas. O grande aprendizado desse seminário foi a necessidade de associar as políticas universais de direito a algumas ações afirmativas ou prioridades para determinados segmentos. Essas ações focalizadas não significam esquecer a maioria das crianças e adolescentes, pelo contrário, significam lembrar que todas as crianças devem ser favorecidas pelas políticas públicas. As ações afirmativas englobam iniciativas que valorizem a diversidade para alcançar a eqüidade.

redeGIFE – As crianças atualmente têm tido acesso a programas contra a discriminação?
Kaloustian – A implementação de políticas públicas inclusivas é um processo irreversível. O seminário deu visibilidade a algumas experiências do país e há esforços consideráveis do poder público em todas as esferas, das fundações empresariais, dos sindicatos e das universidades no sentido de que não é aceitável a situação brasileira em relação a oportunidades para as crianças. É possível, factível e há recursos humanos e financeiros relevantes. E o mais importante: a diversidade é um dos maiores recursos que a sociedade brasileira apresenta. A diversidade é um fator de propulsão da questão da eqüidade, da oportunidade, da construção de um país humanamente mais sustentável.

redeGIFE – Qual será a forma de participação das empresas, fundações e institutos nestas recomendações?
Kaloustian – Há no Brasil um avanço considerável pelo trabalho efetivo do setor empresarial nesta área. Hoje vemos que as contribuições mais efetivas de inclusão educacional são experiências de empresas, fundações e institutos que têm foco na política pública. Outras grandes contribuições são a abertura para parcerias e o campo de avaliação e monitoramento, ou seja, a importância que se dá ao impacto gerado sobre as populações que estão sendo beneficiadas.

redeGIFE – Em outubro, o Unicef entregará ao governo federal um documento, denominado Igualdade na Diversidade, com recomendações para a implementação de ações voltadas às crianças e aos adolescentes do Brasil. Já existe algum tipo de negociação com o governo que garanta que essas recomendações serão realmente postas em prática?
Kaloustian – O que será produzido é a versão final do Relatório da Situação da Infância e Adolescência, com a contribuição dos participantes. A idéia era que o seminário não fosse apenas um momento de informação e conhecimento, mas também de elaboração e proposição. E, nesse sentido, o processo foi bastante efetivo. Nas mesas-redondas pudemos trazer o que há de mais atual, sustentável e efetivo em termos de implementação de políticas públicas. É claro que as recomendações estão num patamar mais genérico em termos de planejamento dessas políticas, mas elas têm a força de serem recomendadas por um conjunto de parceiros. Em outubro, vamos finalizar esse relatório e publicar um documento paralelo com as recomendações mais específicas dos seis eixos temáticos. É importante ressaltar que a representação governamental esteve presente de forma bastante contundente em todas as mesas. Por isso, de certa forma, há um comprometimento em relação ao que foi recomendado e sugerido. E muitas coisas também já estão sendo implementadas. A partir do que já vem sendo feito na área de infância e adolescência, estamos detalhando e pormenorizando propostas e estratégias regionais e municipais, para que possamos avançar.

redeGIFE – Haverá, por parte do Unicef, algum tipo de acompanhamento ou monitoramento depois que este documento for entregue?
Kaloustian – Não. O documento deve avançar sobre os indicadores para cada um dos eixos temáticos. Mas são ações que os próprios implementadores de políticas públicas deverão monitorar. Nosso trabalho é de articulação, mobilização e proposição. É preciso que os atores regionais apropriem-se dessas informações e possam operar essas políticas de acordo com as recomendações que estamos divulgando. Importante ressaltar que os dados são do IBGE, e o Unicef sistematizou para chamar a atenção mais pormenorizada das causas da exclusão social.

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