Campanha busca garantir direitos educacionais previstos na lei

Por: GIFE| Notícias| 24/02/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação foi lançada em 1999, com o objetivo de efetivar os direitos educacionais garantidos por lei, por meio de mobilização social.

Em entrevista ao redeGIFE, a coordenadora-geral da Campanha, Camilla Croso, fala sobre a articulação com organizações da sociedade civil, a participação no Fórum Mundial de Educação e a atuação no governo.

redeGIFE – O que é a Campanha Nacional pelo Direito à Educação?
Camilla Croso – É uma articulação de centenas de organizações da sociedade civil, de 13 estados brasileiros, que atuam conjuntamente em prol de metas comuns. Essas metas pautam-se pelo princípio básico de que educação é um direito e giram em torno de quatro bandeiras gerais: qualidade, gestão democrática do sistema educacional, financiamento adequado e transparente e valorização dos trabalhadores em educação. Visando a mudanças concretas em políticas educacionais, são utilizadas cinco estratégias: articulação institucional, mobilização de base, advocacy junto ao poder público, comunicação estratégica e pesquisa.

redeGIFE – Como foi o trabalho de agrupamento das organizações que compõem o comitê diretivo da Campanha?
Camilla – O primeiro conjunto de organizações que compôs o comitê foi convidado pela ONG Ação Educativa, que até hoje está na coordenação geral da Campanha. Alguns critérios nortearam a escolha, tais como pluralidade (mescla de ONGs, fóruns e sindicatos), localização geográfica diversa e envolvimento direto com o cotidiano da educação pública. À medida que a Campanha se consolidou, novos membros manifestaram interesse em compor o comitê e passaram a ser definidos durante as Assembléias Gerais. Integram hoje esse comitê: Ação Educativa (SP), Centro de Cultura Luiz Freire (PE), Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (CE), ActionAid Brasil (RJ), Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

redeGIFE – A Campanha está aberta a mais parcerias com organizações da sociedade civil? Como isso se daria?
Camilla – A Campanha está sempre aberta à aproximação de novos parceiros. As organizações interessadas podem estabelecer um vínculo tanto com a coordenação nacional quanto com os comitês estaduais. O envolvimento passa principalmente pelo engajamento na concretização das metas da Campanha. No entanto, outras formas de aproximação são possíveis, como integrar o grupo que recebe os boletins informativos, contribuir para a elaboração de documentos e publicações e disseminar junto às suas redes essas publicações e o jornal mural escolar, publicado mensalmente pela Campanha. É importante que as instituições parceiras se identifiquem com nossa missão, que é “”efetivar os direitos educacionais, através de ampla mobilização social, para que todo cidadão tenha acesso a uma escola pública de qualidade””.

redeGIFE – Como foi a participação da Campanha no Fórum Mundial de Educação?
Camilla – Foi muito intensa e aconteceu em duas frentes: a primeira foi promovendo a oficina Custo aluno qualidade: financiando a educação que queremos. A segunda foi a partir de um stand, que concentrou diversas atividades, desde distribuição de informações, coleta de assinaturas em prol do cumprimento da Lei do Fundef (já entregues à Advocacia Geral da União) e assinaturas de postais pela derrubada dos vetos ao Plano Nacional de Educação (a serem entregues ao presidente do Congresso Nacional), até a venda de publicações.

redeGIFE – No final do ano passado, a Campanha publicou a Consulta sobre Qualidade da Educação na Escola, uma pesquisa feita em escolas de ensino fundamental e médio de Pernambuco e do Rio Grande do Sul. Quais aspectos identificados nessa pesquisa você destacaria? Por quê?
Camilla – Destacaria quatro aspectos: o primeiro é que a comunidade escolar possui uma visão muito humanista de qualidade educacional. Dentre os 23 quesitos apresentados, incluímos alguns muito pragmáticos, como merenda, distância entre casa e escola e atividades extracurriculares. No entanto, os dois itens mais escolhidos foram: “”uma escola onde o aluno gosta de aprender”” e “”uma escola onde o aluno é bem tratado, independentemente de cor ou condição social””. O segundo aspecto é que existe uma visão de longo prazo da educação. Indicamos na pesquisa os três objetivos constitucionais da educação (artigo 205): para a realização do indivíduo, para o preparo para o trabalho e para o preparo para a cidadania. Os alunos escolheram o preparo para o trabalho e os profissionais da educação o preparo para a cidadania. O terceiro aspecto é a positividade geral nas respostas à consulta. Apesar do tom geralmente mostrado pela mídia e das precárias condições da escola pública, transpareceu um grande prazer no processo de ensino e de aprendizagem e na convivência dentro da escola. E o último aspecto é a satisfação demonstrada por parte dos entrevistados em participar da pesquisa. Isso foi ainda mais notado entre os pais e os funcionários, indicando que a prática de consulta deveria ser mais difundida nas escolas.

redeGIFE – Na pesquisa é abordada a importância de “”recuperar o papel social da escola como ambiente de socialização e instância privilegiada de aprendizagem””. Como conseguir isso?
Camilla – É importante perceber que o Estado, a Universidade e a própria escola têm como apoiar esse processo. Certamente, um dos aspectos é a valorização dos profissionais da educação e uma formação que contemple não apenas os conteúdos e a didática, mas também aspectos relacionados à socialização e à ética, que valorizem a curiosidade e a reflexão do aluno, bem como o próprio prazer de aprender. Outro ponto é a infra-estrutura básica das escolas, de modo que o projeto arquitetônico, seus equipamentos, materiais e funcionamento rotineiro estejam a serviço de uma determinada concepção pedagógica, ligada à centralidade da aprendizagem e ao ambiente de socialização. Um terceiro ponto que destacaria seria o da escola se perceber mais como protagonista no processo de melhoria de qualidade.

redeGIFE – Há um mês alguns representantes do comitê diretivo da Campanha foram ao gabinete do ministro da educação, Cristovam Buarque, para discutir o cumprimento da Lei do Fundef, a definição do Custo Aluno Qualidade (CAQ), a elaboração de planos estaduais e municipais de educação com participação da sociedade civil e a derrubada dos vetos feitos pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao Plano Nacional de Educação (PNE). Como cada um desses temas têm sido tratados pela Campanha?
Camilla – Estas são justamente as quatro metas que a Campanha se coloca para 2003. A derrubada dos vetos é a mais antiga. Produzimos materiaisinformativos e disseminamos amplamente por todo o país, recolhemos 50 mil cartões postais e entregamos às lideranças do Congresso, fizemos campanhas e reuniões com os presidentes da Câmara, do Senado e com cada um dos líderes partidários do Congresso. No mês passado, durante reunião com o ministro da educação, apresentamos a bandeira a ele. Foi a primeira vez que abordamos o Executivo, tendo em vista um possível apoio à nossa luta.
O cumprimento da Lei do Fundef é uma meta que perseguimos desde julho de 2002, mas é uma luta antiga das instituições da área educacional. O principal diferencial que a Campanha trouxe foi a articulação de todas elas. Estamos dialogando com o procurador-geral da República e com o advogado-geral da União. Também sistematizamos muitas informações antes dispersas, incluindo ações civis públicas já ganhas no âmbito do Fundef e documentos da Consultoria da Câmara e do Tribunal de Contas da União que apontam o descumprimento da lei. O objetivo é conseguir um ressarcimento por parte da União dos R$ 9 bilhões devidos entre 1998 e 2002 e garantir que a lei seja cumprida de agora em diante.
Com relação à elaboração de Planos Estaduais e Municipais de Educação com participação da sociedade civil, a Campanha vem atuando de forma mais incisiva a partir de seus comitês estaduais. O do Rio de Janeiro, por exemplo, logrou uma conquista ímpar, que foi a de promover o primeiro Congresso Estadual de Educação, com participação de 5.000 pessoas, durante o qual foi elaborada a espinha dorsal do Plano. A coordenação nacional vem apoiando esse processo, enviando cartas a secretários estaduais e municipais de educação e procurando sistematizar e disponibilizar informações a respeito do panorama geral dos planos nos diferentes estados do país.
Por último, a definição do Custo Aluno Qualidade (CAQ) é a meta mais recente da Campanha, desde novembro de 2002. Vale ressaltar que a Lei do Fundef estabeleceu setembro de 2001 como prazo para definição e implantação do CAQ, passando a ser esse o parâmetro de financiamento educacional. A Campanha já realizou uma oficina sobre o tema, o debate durante o Fórum Mundial de Educação e, neste ano, pretende realizar outras oficinas, tendo em vista a elaboração de um documento que possa servir de baliza para que o CAQ seja formalmente implantado.

redeGIFE – Como tem sido a recepção do governo à Campanha? Vocês percebem um comprometimento real do Ministério da Educação na busca de soluções para as questões tratadas?
Camilla – É notável a mudança na relação com o MEC a partir deste ano. O ministro nos recebeu em janeiro e tivemos a oportunidade de expor nossa agenda. Nessa reunião foram demonstrados um grande interesse e uma vontade política de abordar cada um dos temas apresentados. Com relação aos vetos, o ministro já se posicionou a favor da derrubada e se comprometeu em colaborar para que isso aconteça. Com relação ao Fundef, ele já criou uma instância para estudar a possibilidade de aumentar o valor do custo aluno mínimo ainda neste ano.

redeGIFE – Quais os resultados alcançados até agora pela Campanha?
Camilla – Em primeiro lugar, a Campanha apresentou avanços importantes em cada uma das quatro metas expostas acima. Todas elas são macrometas, que requerem tempo e esforço sustentado para serem atingidas. A questão da derrubada dos vetos parece estar mais próxima, mas ainda requer um grande empenho para sensibilizar o novo Congresso Nacional.
A meta do cumprimento da Lei do Fundef avançou muito. Há hoje uma ação conjunta e coordenada de todas as instituições educacionais e uma pressão e vigilância junto ao Executivo e Legislativo. Com a Advocacia Geral da União, busca-se uma maneira de negociar o ressarcimento da dívida já acumulada e temos nova audiência marcada para o início de março. Com relação à definição do CAQ, a Campanha já conseguiu dar mais visibilidade à questão e iniciar uma ação coordenada para sua implantação, envolvendo as organizações educacionais nacionais e o próprio Congresso. Com relação aos planos estaduais e municipais, as principais conquistas têm sido no âmbito dos comitês estaduais, como já comentei anteriormente.A Campanha também tem conseguido disseminar amplamente essas questões por todo o Brasil. Isso ocorre por meio da distribuição de materiais, da mobilização popular e da publicação do jornal mural, que alcança hoje 17 mil escolas. A Campanha vem contribuindo para que haja mais ação coordenada a nível nacional ao redor de metas específicas, bem como para que a população possa participar mais da defesa dos direitos educacionais.

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