Campanha de mobilização luta pelo fim do trabalho infantil na cadeia produtiva

Por: GIFE| Notícias| 13/06/2016

Mais de 3,3 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos trabalham no país. Um dado preocupante se pensarmos que todas as formas de trabalho infantil são proibidas no Brasil, até a idade de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos.

Os pequenos trabalhadores também têm gênero, raça e vivem em situações de vulnerabilidade social: 65,5% são meninos, 63% são negros, recebem R$ 380,00 de rendimento médio mensal e têm 26h de jornada semanal de trabalho em média.

Segundo a PNAD 2014 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE, a maioria está em situação de trabalho informal, instalado dentro da economia familiar – acontece na agricultura, na produção de mandioca, milho e hortaliças e na criação de aves e bovinos. E, por isso mesmo, é invisível aos olhos da fiscalização e do consumidor. “O que vemos é que, se tratando dessa faixa etária, que é um momento peculiar do desenvolvimento, a sociedade tem negado a estas crianças e adolescentes os seus direitos”, ressalta Isa Oliveira, secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI).

O alerta vem ao encontro do Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil – lembrado em 12 de junho – e da campanha de mobilização que, neste ano, traz o tema: “Não ao trabalho infantil na cadeia produtiva” (Veja a programação completa).

Diante deste cenário, o setor empresarial é convocado a ter uma nova postura: “As empresas têm uma responsabilidade ética e social de acompanhar e monitorar suas cadeias produtivas e não permitir que o trabalho infantil ocorra em nenhuma etapa”, destaca Isa.

Confira a entrevista completa com a secretária executiva do FNPETI sobre o tema:

RedeGIFE: Quais os impactos na vida de uma criança que se vê obrigada a trabalhar?
Isa Oliveira:
Há vários impactos que podemos apontar. O primeiro deles diz respeito à frequência e ao rendimento escolar. O trabalho motiva o abando da escola. Apesar dos dados apontarem que 80% das crianças e adolescentes trabalhadoras estão matriculadas, isso não significa que estejam cursando o período na idade certa e nem que vão permanecer e concluir os estudos. E isso se agrava com o aumento da idade. Se a taxa de escolarização dos adolescentes de 16 e 17 anos na população em geral é de 80,2%, entre os trabalhadores isso cai para 71,7%. Sendo assim, estamos falando sobre a violação do direito à educação, numa faixa etária na qual a educação é obrigatória no Brasil.

Entre os adolescentes, inclusive, acabam tendo outras consequências, pois não têm acesso aos bons programas de aprendizagem, que exigem uma escolarização mínima. Assim, ele não consegue se preparar adequadamente para o mercado de trabalho também.

Outro impacto perceptivo é em relação à saúde. Dados do Ministério da Saúde apontam que de 2008 a 2015 houve um aumento no número de acidentes de trabalho envolvendo crianças e adolescentes. Só no primeiro trimestre de 2015 foram 19.734 casos. E o próprio Ministério reconhece que é uma subnotificação.

Podemos citar ainda que o trabalho infantil fere outros direitos fundamentais, como o direito ao lazer e ao brincar, atividades essenciais para o desenvolvimento pleno da criança.
Há outros prejuizos emocionais, principalmente em crianças e adolescentes que são retiradas das suas famílias para irem trabalhar como empregadas domésticas em outras casas, rompendo assim a convivência familiar. Em seus depoimentos, elas revelam muita tristeza, medo e insegurança.

Isso sem falar das crianças e adolescentes que estão nas ruas, praias, rodovias e portos, sendo expostos ao aliciamento para uso e tráfico de drogas e para a exploração sexual.
Ou seja, o trabalho infantil é uma violação grave aos direitos fundamentais da criança e do adolescente.

RedeGIFE: Por que essa situação de violação ainda persiste no país?
Isa Oliveira: Há algumas razões que poderiam explicar isso. Temos no Brasil padrões culturais e valores simbólicos, que justificam e fazem com que as pessoas aceitem o trabalho infantil. Numa socidade capitalista, que valoriza o trabalho, ele é visto como bom, como algo importante, que confere segurança. Isso é claro, mas na idade certa.Todas as formas de trabalho, seus processos e equipamentos fazem parte do universo de adultos e não da infância.

Mas é bom que se afirme também que esse discurso de que é ‘bom para a criança, pois traz responsabilidade, que ela está ajudando a família etc’, só é válido para a criança e o adolescente pobre. O trabalho não faz parte de forma alguma do repertório das famílias com maior renda.

Temos também valores culturais que atravessam os séculos, como os resquísios da escravidão.

Isso fica claro quando vemos o perfil do trabalhador infantil – a maioria negros e meninos – e as meninas no trabalho doméstico.

Algo relevante a ser destacado é que mais de 50% destes trabalhadores realizam também afazeres domésticos em suas casas. Isso se agrava entre as meninas que trabalham como domésticas. Neste caso, sobe para 80% aquelas que, além de trabalhar, têm afazeres em suas casas. Ou seja, se eles já têm a jornada na escola, mais a meia jornada de trabalho, e ainda trabalham em casa, qual o tempo que têm para estudar e brincar?

O trabalho infantil também é uma reprodução da situação de pobreza e de exclusão social em que vivem estas famílias: 35,5% das crianças que estão nesta situação vivem em famílias com renda per capita com ¼ de salário mínino. E se você resgata o histórico destas famílias, vemos que os pais e avós também foram trabalhadores.

Ou seja, é um ciclo que se repete. Ele tem baixa escolaridade, consegue apenas subempregos e vai se tornar um adulto com o mesmo perfil de seus familiares. Vai se perpuando.

Por fim, eu acrescentaria ainda como motivo dessa persistência do trabalho infantil no país a baixa efetividade das políticas públicas. Para enfrentar essa questão, é preciso ações articuladas e isso não acontece. Temos baixa efetividade e precariedade dos serviços públicos.

O que vemos é que o Estado não tomou a decisão ética de priorizar o enfrentamento ao trabalho infantil. Ele não está na agenda do poder público como prioridade como determina a lei.

RedeGIFE: Apesar destes desafios, tivemos conquistas no Brasil neste campo?
Isa Oliveira: Em alguma medida sim. Se olharmos a série histórica dos dados coletados desde 1992 até 2014, conseguimos reduzir em 57%, devido a várias ações. A inspeção do Ministério do Trabalho e do Ministério Público e programas com este enfoque conseguiram praticamente eliminar o trabalho infantil formal. E esses dados refletem esse aspecto. Mas, em atividades informais e em regime de economia familiar, ainda não. A inspeção fica muito difícil e o trabalho no âmbito familiar invisível.

RedeGIFE: O que é preciso então fazer para avançar no enfrentamento ao trabalho infantil?
Isa Oliveira: É preciso que as políticas de educação, saúde e assistência social estejam articuladas para responder a esse desafio e fazerem as suas intervenções.

A escola tem que garantir uma educação de qualidade e que esta criança aprenda o que tem que aprender. A saúde tem que monitorar e ter ações de prevenção. E a assistência tem que oferecer apoio a essas famílias. É necessário oferecer qualificação profissional aos adultos para que conquistem melhores empregos e eles possam prover o sustento das suas casas.

O Brasil adotou a estratégia de realizar a transferência de renda para as famílias que mantivessem seus filhos na escola e ofereceu atividades no contraturno. Isso impactou positivamente a eliminação do trabalho infantil nas atividades formais. Mas, agora, terá de buscar novas estratégias para o enfrentamento no regime da economia familiar e nas formas mais invisíveis e toleradas na nossa sociedade.

A transferência de renda não é mais suficiente. É preciso um trabalho mais sério com as famílias, não só de conscientização, mas de apoio para que alcacem a sua autonomia.
Temos também que informar cada vez mais a população sobre os malefícios do trabalho infantil no sentido de sensibilizar mais pessoas para que compreendam e sejam contra essa prática. Temos que trabalhar para uma cultura de paz, tolerância e da não violação dos direitos das crianças e dos adolescentes.

RedeGIFE: E se o país não fizer essa opção? Quais as consequências?
Isa Oliveira: Se o Brasil não eliminar o trabalho infantil e escravo, ele não vai alcançar um desenvolvimento econômico e social sustentável. Teremos um país com uma baixa escolarização da população adulta e altas taxas de criminalidade. Os dados mostram que 90% dos adolescentes em conflito com a lei foram trabalhadores infantis e 90% dos adultos em situação de trabalho escravo também trabalharam quando crianças.
Como as pessoas não fazem a conta e somam para ver o tamanho do problema que temos? Os percentuais assustam.

RedeGIFE: De que forma as empresas podem se envolver com essa questão para reverter o cenário atual?
Isa Oliveira: As empresas têm uma responsabilidade ética e social de acompanhar e monitorar suas cadeias produtivas e não permtir que o trabalho infantil ocorra em nenhuma etapa. Elas precisam exigir isso em seus contratos e serviços e monitorar. Trata-se de um papel fundamental e que vem, inclusive, ao encontro dos próprios interesses do setor, que terá no futuro uma mão-de-obra mais qualificada.

RedeGIFE: E os investidores sociais? Como podem atuar neste campo?
Isa Oliveira: Os institutos e fundações têm um papel importante de fazer adesão a essa causa da proteção das crianças e dos adolescentes e participar de todas as ações de enfrentamento ao trabalho infantil, socializando informações e colocando essa agenda na sua pauta.
Se tivermos uma infância protegida teremos resultados muito mais rápidos e impactantes no país.

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