Casa da Gestante: serviço ajuda a romper o ciclo de violência

Por: Fundação FEAC| Notícias| 30/05/2022

A gravidez e o puerpério são períodos que ressignificam a vida da mulher. Porém, para mulheres em vulnerabilidade e risco social, a chegada de um filho pode agravar suas necessidades e perpetuar ciclos de violência. Com o objetivo de acolhê-las nesse período, a Casa da Gestante, serviço executado pelo Instituto Padre Haroldo, oferece moradia temporária e cuidados de saúde para mulheres nessa situação e seus bebês. A casa tem capacidade para acolher até 20 pessoas.

A proposta é romper ciclos de violência e construir novas possibilidades de futuro para essas mulheres e suas crianças. Quando elas têm outros filhos de até oito anos, eles também são acolhidos e, juntos, podem viver na organização por até um ano e meio.

Em março de 2022, a Fundação FEAC se uniu à Casa da Gestante, com o objetivo de qualificar o trabalho desenvolvido. O projeto “Brinca Comigo”, do Programa Acolhimento Afetivo e do Programa Primeira Infância, da FEAC, vai levar reformas físicas aos espaços de convivência da casa, para que eles se tornem mais amplos, lúdicos e acolhedores para mãe e filho.

“Nós queremos contribuir para que as mães possam desenvolver de forma qualificada o exercício da maternagem, além de serem estimuladas a permanecer na casa e participar de outras atividades previstas no projeto, como oficinas de trabalhos manuais e grupos de conversa entre elas”,  acrescenta Renato Franklin, líder do Programa Acolhimento Afetivo.

O projeto prevê, por exemplo, levar ao espaço oficinas de grafite e de ecobrinquedos, feitos com materiais recicláveis. Um dos focos da Casa da Gestante é justamente usar atividades lúdicas como meio de fortalecer a relação da mãe com suas crianças.

“O vínculo entre mãe e filho envolve estímulos como o olho no olho, a voz, o brincar, a leitura e a contação de histórias. Tudo isso é fundamental para o desenvolvimento da criança, principalmente nos seis primeiros anos de vida”, analisa Juliana Di Thomazo, líder do Programa Primeira Infância.

Vínculos frágeis

Atualmente, a casa abriga cinco mulheres (de 20 a 32 anos) e oito crianças (de um mês a sete anos). A maioria das moradoras vivia em situação de rua, sofre de transtornos por uso de substâncias psicoativas e são mães solo.

“A maioria [das mulheres que chegam aqui] já passou por abrigos na infância, pelo sistema carcerário, por comunidades terapêuticas e viveu em situação de rua por muito tempo. Então, são muitas instituições durante a vida, e elas vão conhecendo várias formas de sobreviver a isso tudo”, diz Luciana Callamari, coordenadora da Casa da Gestante.

A coordenadora analisa que esse contexto de violência e negligência acaba refletindo em vínculos muito frágeis com os filhos: “Elas já vêm de uma situação de violência transgeracional, desde a infância, então esse cuidado mais próximo é algo muito difícil.”

Para que essa aproximação afetiva aconteça, a equipe técnica da Casa da Gestante coordena diversas oficinas semanais. No “grupo mães e filhos”, por exemplo, elas relembram de brincadeiras da sua época, e as transmitem para as crianças. No final, é realizada uma roda de conversa com fins terapêuticos, onde elas expressam o que sentiram.

Além do grupo em conjunto com os filhos, as mães participam de oficinas entre elas, onde há a oportunidade de trocarem experiências e se fortalecerem. No grupo “compartilhando potencialidades”, por exemplo, elas conversam sobre atividades que sabem fazer (como culinária ou artesanato) e ensinam umas às outras.

Atividades assim ajudam a criar uma rede de apoio entre mulheres gestantes ou puérperas, que vivenciam emoções tão parecidas. É um espaço fundamental para se fortalecerem emocionalmente e até identificarem e combaterem ciclos de violências que podem vivenciar, como a doméstica.

“Espaços de expressão são espaços em que as dificuldades e os desafios começam a aparecer. A violência normalmente vai sendo escondida e esses círculos de conversa vão abrindo a possibilidade destas mulheres se expressarem e compreenderem melhor o que elas estão vivendo”, analisa Claudia Vidigal, mestre em Psicologia Social e fundadora do Instituto Fazendo História, que apoia crianças e adolescentes em situação de acolhimento.

A coordenadora Luciana observa que, ao se sentirem acolhidas e cuidadas, as mulheres conseguem ressignificar a relação com os filhos. “A partir do momento que a gente é cuidado, a gente aprende a cuidar. A partir do nosso olhar respeitoso para cada caso, sem julgamento, nós conseguimos fazer com que elas olhem para a criança e para a maternidade de outro jeito”, analisa.

A luta da Casa da Gestante

A Casa da Gestante foi inaugurada em dezembro de 2015, em uma parceria do Instituto Padre Haroldo com a Secretaria de Saúde de Campinas. Ao todo, 183 pessoas já passaram pela organização, entre mulheres e crianças.

O trabalho acontece em rede, e as mulheres que chegam à casa são encaminhadas por outros serviços de saúde, como os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), Consultórios na Rua (serviço do Sistema Único de Saúde, voltado para pessoas em situação de rua) e maternidades do município.

“A Casa da Gestante surgiu a partir da necessidade, identificada pela rede de saúde, de um espaço onde mulheres gestantes pudessem ficar com os filhos, para evitar o acolhimento precoce dessas crianças”, explica Luciana, referindo-se aos casos em que os filhos são separados da família e encaminhados para um abrigo.

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o acolhimento institucional deve ser uma medida provisória e excepcional, utilizado como forma de transição para a reintegração familiar (seja com a família biológica ou, não sendo esta possível, com uma família substituta).

“A medida de acolhimento quase nunca é desejada, mas acaba sendo necessária quando a família não é capaz de oferecer os cuidados que a criança precisa. A grande maioria dos casos poderia ser resolvida com políticas de apoio a essa mãe e família, para que possam cuidar bem da criança. Então, quando a gente fala de projetos voltados a gestantes, estamos falando de prevenção ao acolhimento”, analisa Claudia Vidigal.

Na Casa da Gestante, a equipe observa todo dia a importância de cuidar não apenas da criança, mas da mãe da criança. “A gente tem casos aqui que a mãe não conseguiu ficar com os outros filhos mais velhos e, a partir do nosso apoio, conseguiu ficar com esse que nasceu enquanto ela estava aqui”, conta Luciana.

“É gratificante”, diz moradora da Casa da Gestante

Isabela*, 26 anos, é um exemplo de mãe que está reaprendendo a exercer a maternagem. Ela vive na Casa da Gestante há um mês, desde que seu filho mais novo nasceu. A jovem é mãe de mais quatro crianças, mas não participou da criação delas, que atualmente vivem com outros familiares.

Na maternidade, indicaram que ela fosse à Casa da Gestante. “No começo eu recusei, não queria vir para cá. Eu mudei de ideia por causa do meu filho… ficar com ele na rua não ia dar certo”. Vivendo em situação de rua, ela conta que o pai do seu bebê foi assassinado enquanto ela estava grávida.

Agora, acolhida na Casa da Gestante, ela relata como inédita a experiência de acompanhar os primeiros meses de vida do filho. “Está sendo totalmente diferente [do que com os outros filhos]. As outras crianças eu nem acompanhei, esse aqui eu estou acompanhando.”

Ela define essa fase como “gratificante”, apesar da privação do sono. “Não tem nem como explicar, é gratificante ver crescendo aos poucos. Dá trabalho, mas a gente dá um jeitinho, e o filho retribui”. Como ele retribui? “Dando um sorrisinho.”

Ao sair da Casa da Gestante, o plano de Isabela é voltar a morar com a mãe e trabalhar como manicure, sua antiga profissão.

Novos cuidados, novas possibilidades de futuro

A Casa da Gestante oferece atendimento psicossocial personalizado para cada mulher, com a ajuda de uma equipe formada por cuidadores, psicóloga, terapeuta ocupacional, assistente social, motorista, cozinheiro, entre outros profissionais.

A saúde da mulher é uma das prioridades, portanto elas são acompanhadas em todas as consultas necessárias, como o pré-natal. Em relação às crianças, a equipe também garante que suas necessidades de saúde (como as vacinações) e educação (ida à escola) sejam cumpridas.

Após o período que passam na Casa da Gestante, essas mulheres continuam sendo acompanhadas por, pelo menos, seis meses. Atualmente, a organização está com 12 casos “pós-casa”. “Quando elas entraram aqui, nenhuma tinha serviços da rede as acompanhando. Hoje, elas possuem o apoio de Caps, Unidade Básica de Saúde (UBS) e serviços de assistência social”, relata Luciana.

Claudia Vidigal reafirma a importância e desafio de as políticas se voltarem não apenas às gestantes, mas também manter esses cuidados após o nascimento do bebê. “Nós precisamos encarar esse primeiro ano da vida do bebê como um ano de grande oportunidade para a mulher também, para ela virar esse jogo, para ela se sentir amparada por toda a rede, e ter mais forças para construir uma nova linha de cuidados, que ela não teve até então.”

*Para preservar a identidade da moradora da Casa da Gestante o seu sobrenome foi ocultado.

Por Laíza Castanhari

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