Clipping: Governo renova certificado de filantrópicas sob investigação
Por: GIFE| Notícias| 28/01/2009Sem alarde e ignorando toda a polêmica gerada no final de 2008 com a edição da MP 446/08, a chamada MP das Filantrópicas, o governo renovou o certificado de 4.100 mil entidades para o triênio (2007-2009). A renovação foi publicada na última segunda-feira (26) e ocupou 64 páginas do Diário Oficial da União (DOU).
A resolução cumpre os artigos da MP, devolvida pelo presidente do Senado ao Executivo, que concedem anistia a todas as entidades que tinham seus processos pendentes de julgamento mesmo sob a investigação do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal (PF).
O ato também contraria dispositivo previsto na MP que distribuía a tarefa de julgar os pedidos entre os ministérios da Saúde (MS), da Educação (MEC) e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). A renovação publicada no Diário Oficial é assinada por Valdete de Barros Martins, presidente do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), que, segundo a medida provisória, perderia a atribuição de analisar esse tipo de processo.
Além disso, o governo não levou em conta parecer contrário do próprio Executivo e renovou o certificado de uma das maiores instituições privadas de ensino do país, a Universidade Estácio de Sá, garantindo a ela isenção tributária, a principal delas, a cota patronal do INSS. O mesmo benefício foi estendido à Associação de Assistência e Proteção à Maternidade e à Infância de Mossoró (Apamim), em Mossoró (RN). A entidade do Rio Grande do Norte é investigada pela CPI das ONGs no Senado.
Por meio de sua assessoria de imprensa, o Ministério de Desenvolvimento Social e de Combate à Fome (MDS), ao qual está subordinado o CNAS, informa que está apenas cumprindo o que determina a MP 446. O ministério adianta, ainda, que, nos próximos dias, mais de 3 mil pedidos de renovação deverão ser deferidos pelo CNAS e publicados novamente no Diário Oficial da União.
Mais 3 mil renovações
O MDS também afirma que aguarda uma solução do Congresso para que se possa separar “”o joio do trigo””, em futuros pedidos de renovação de entidades que estejam sob investigação ou que não cumpriram em suas ações as regras para concessão da certificação.
O ministério argumenta que poderia ter cometido uma ilegalidade, mesmo no caso da Estácio de Sá, para a qual já havia um parecer do Ministério da Previdência Social contrário à renovação, se não tivesse cumprido o que determina a MP.
“”A MP será apreciada pelo Congresso Nacional e caberá aos parlamentares, se for o caso, aprimorá-la nos aspectos que julgarem necessários””, diz o texto da nota que justificou a edição da MP no dia 7 de novembro de 2008. Esse é o mesmo entendimento dado ontem (27) pelo MDS para justificar a sua decisão. Ainda segundo a assessoria de imprensa do órgão, só não terão o certificado de filantropia renovado aquelas entidades cujos processos já foram analisados de maneira conclusiva pela Justiça.
Passeio na Disney
Como mostrou com exclusividade o Congresso em Foco, com a edição da MP, o governo ignorou pareceres contrários à renovação dos certificados de filantropia de diversas instituições.
Na ação civil pública do Ministério Público Federal (MPF) que pede na Justiça Federal a anulação dos efeitos da MP é revelado que a maioria dos pareceres em poder do MDS era contra as entidades. Desses 23 pareceres, segundo os procuradores da República, 18 anulariam os Certificados de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas) e quatro indeferiam pedidos feitos pelas instituições para renovar esse mesmo documento. Um deles foi julgado prejudicado, ou seja, não passível de análise
Entre os pareceres em contrário está o que julgava o pedido da Estácio de Sá. “”A mera adesão ao Prouni sob o pálio da Medida Provisória 213/2004 não gera direito adquirido ao reexame de processos de restauração das isenções canceladas. Reformada a decisão do CNAS””, afirma a emenda do parecer ao qual o site teve acesso.
Ainda em novembro de 2007, o Congresso em Foco revelou que a Estácio de Sá era acusada pelo Ministério Público Federal, em ação civil pública, de sequer ser uma entidade beneficente de assistência social, o que a impediria de reivindicar um certificado de filantropia.
Além disso, de acordo com a denúncia, a universidade remunera seus diretores (prática proibida pelo Decreto 2.536/98) e frauda o percentual de 20% de gratuidade sobre sua receita bruta, o mínimo exigido para a concessão ou renovação do Cebas.
Ao acusar a Estácio de remunerar seus diretores, prática proibida para entidades de assistência social, o MPF alega que a universidade utilizou recursos da instituição filantrópica para bancar despesas pessoais de seus dirigentes em viagens a Disney, nos Estados Unidos, e para comprar jóias:
“”Quando fiscalizou, em 1995, foram descobertas várias irregularidades, inclusive pagamento de despesas dos dirigentes no Epcot Center, Disney World, contratação de empresas de diretores, pagamento de despesas pessoais dos dirigentes, pagamentos à joalheria H. Stern, falta de documentação que desse suporte fático a lançamentos contábeis e várias outras irregularidades que repercutem na imunidade de impostos e de contribuições sociais.””
“”Vultosas quantias””
No caso da associação do Rio Grande do Norte, existe um requerimento de quebra dos sigilos bancário e fiscal da Apamin aprovado pela CPI da ONGs no dia 14 de maio de 2008. De autoria do então presidente da comissão, senador Raimundo Colombo (DEM-SC), o documento afirma que Maria José Bezerra da Costa acumula os cargos de secretária da Fundação Vingt Rosado, e de assessora parlamentar no gabinete da deputada Sandra Rosado (PSB-RN), ligada à Apamim.
“”Conquanto tenha recebido vultosas quantias do Ministério da Saúde, ainda não se sabe exatamente o que fez a Associação de Assistência e Proteção à Maternidade e à Infância de Mossoró (Apamim) com o dinheiro, pois as receitas públicas obtidas foram destinadas à manutenção das unidades de saúde no estado do Rio Grande do Norte””, afirma o senador do DEM no requerimento.
Segundo a secretaria da CPI das ONGs, os dados sobre a movimentação das contas Apamin foram enviados para a comissão, ainda em 2008, pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Desde dezembro de 2007, a Justiça Federal no Rio Grande do Norte bloqueou os bens da Apamim a pedido do Ministério Público Federal no Estado.
“”Existe um desprezo do governo sobre qualquer sugestão do Congresso na área social. Desde a edição da MP já houve tempo suficiente para se fazer uma triagem das entidades com problemas””, avalia a vice-presidente da CPI das ONGs, senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO).
A senadora reconhece que o Congresso também foi omisso sobre a questão ao deixar a polêmica para depois do recesso parlamentar. “”O Congresso tinha de ter apresentando uma alternativa antes do final do ano, há um grande pressão pela renovação””, diz.
Sobre a entidade de Mossoró ainda sob a investigação, Lúcia Vânia também não poupa a CPI das ONGs. “”Fui contra a prorrogação dos trabalhos até agosto, pois esse é um método esquisito, já que poderíamos ter apresentado um relatório final no último mês de dezembro. Se isso tivesse sido feito, essa entidade poderia não ter seu certificado renovado””, acredita a senadora tucana, que foi secretária de Ação Social no governo Fernando Henrique Cardoso.
Outro lado
O Congresso em Foco procurou no início da tarde de ontem a assessoria da Estácio de Sá. Até o fechamento desta edição não houve retorno ao pedido de informações. Mas em comunicado enviado no final de 2008, a universidade afirma que, desde fevereiro de 2007, a Sociedade de Ensino Superior Estácio de Sá Ltda (Seses), nome da entidade que representa a instituição de ensino, “”espontaneamente, transformou a sua natureza jurídica e passou a estar sujeita à tributação de contribuinte comum, situação que permanece até hoje.””
Já Sandra Rosado disse ao site que a renovação do certificado é muito importante para a associação que é, segundo ela, “”a maior instituição filantrópica”” do interior do Rio Grande do Norte. Questionada sobre as denúncias e a investigação da CPI das ONGS, Sandra Rosado diz que não responde pela Apamim. “”Nunca coloquei nada para lá, mas gostaria de ter feito, pois é muito importante para Mossoró””.
Fonte: Congresso em Foco.