Cofins: formas de incidência sobre organizações do terceiro setor, seus requisitos e embasamento legal

Por: GIFE| Notícias| 13/09/2004

DANIELA PAIS
Advogada do GIFE e associada da International Society for Third Sector Research (ISTR)

A Constituição Federal prevê, em seu art. 195, inciso I, o financiamento da seguridade social por toda a sociedade. Em seu parágrafo 7º, prevê a isenção das contribuições sociais para entidades beneficentes de assistência social. A Lei Complementar 70, de 30/12/1991, instituiu a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) com alíquota de 2% sobre o faturamento mensal das pessoas jurídicas, isentando, em seu artigo 6º, inciso III, as entidades beneficentes de assistência social.

Com a edição da Lei 9.718, em 27/12/1998, a base de cálculo do Cofins foi ampliada para a totalidade das receitas auferidas, e a isenção prevista na Lei Complementar não foi recepcionada.

Posteriormente, foi editada Medida Provisória 2.185-35, isentando as receitas relativas às atividades próprias das entidades previstas no artigo 13, quais sejam: instituições de educação e de assistência social, a que se refere o art. 12 da Lei 9.532, de 10/12/1997, que impõe uma série de requisitos; instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural, científico e associações, mencionados no art. 15 da Lei 9.532/97;fundações de direito privado criadas ou mantidas pelo poder público.

A medida provisória, em seu art. 17, previa que as entidades filantrópicas e beneficentes de assistência social, para gozarem de tais benefícios, deviam atender aos requisitos previstos no art. 55 da Lei 8.212, de 24/07/1991.

Em 2003, o governo federal publicou a Medida Provisória 135, instituindo a Cofins não cumulativa. De acordo com a MP, as organizações imunes (educação e assistência social) e isentas (instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural, científico, associações e fundações de direito privado criadas ou mantidas pelo poder público), por não estarem excetuadas, passariam a pagar a Cofins à alíquota de 7,6% sobre o faturamento.

Ao ser convertida na Lei 10.833/2003, foi mantida a sistemática anterior para as instituições de educação e assistência social sem fins lucrativos, ou seja, suas receitas próprias continuam isentas à cobrança da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social). Entretanto, as entidades isentas do Imposto de Renda não foram excetuadas pela lei, passando, em princípio, a ser tributadas à alíquota de 7,6% sobre o faturamento. Todavia, a Receita Federal, ao editar a Instrução Normativa 404, que trata da Cofins não cumulativa, dispôs expressamente que a nova modalidade somente se aplicava às pessoas jurídicas tributadas pelo regime do lucro real, que não é o adotado pelas entidades sem fins lucrativos.

Instaurada a lacuna legal, às entidades se apresentam dois caminhos: (1) seguir a Instrução Normativa 404 e, por conseguinte, continuar pagando Cofins à alíquota de 3% sobre suas receitas, excluídas as receitas próprias, que continuam isentas; ou (2) efetuar uma consulta à Secretaria da Receita Federal, indagando se, face ao disposto na lei 10.833/2003, estariam sujeitas ao regime de Cofins não cumulativo, de 7,6%.

O quadro a seguir reúne todas as formas de incidência ou não da Cofins sobre organizações do terceiro setor, seus requisitos e seu embasamento legal:

Tipo de
instituição
Base de cálculo / alíquota
Requisitos
Embasamento legal
Entidade beneficente de assistência social (educação/saúde/assistência social) Não pagam sobre as receitas próprias e pagam 3% sobre as receitas não próprias

– seja reconehcida de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal;

– seja portadora do CEBAS;

– promova, gratuitamente e em caráter exclusivo, a assistência sociela beneficente;

– não remuneração de diretores ou afins;

-aplicação integral de seus resultados nos objetivos socais;

– apresentação anual de relaótrio de atividades no CNAS.

Artigo 195, parágrafo 7º e artigo 55 da Lei 8212/1991
Educação e assistência social Não pagam sobre as receitas próprias e pagam 3% sobre as receitas não próprias

– não remunerar dirigentes;

-aplicar integralmente nos objetivos sociais;

-manter escrituração completa;

-documentos em ordem que comprovem origem de receitas e efetivação de suas despesas pelo prazo de 5 anos;

-apresentação da declaração de imposto de renda;

-assegurar a destinação a outra organização que atenda as condições para o gozo de imunidade no caso de incorporação, fusão, cisão ou encerramento de atividades;

-outros requisitos estabelecidos em lei específica.

Lei 10.833/2003, artigo 10, inciso IV e MP 2185-35, artigo 13.
Instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural, científico e as associações Idem acima
Lei 10833/2003- não foram excetuadas pelo artigo 10. No entanto a Instrução Normativa 404 que trata da COFINS refere-se somente as organizações tributadas com base no lucro real. (artigo 2º)

Sumário de pontos controvertidos e questionáveis judicialmente

1. Impossibilidade de leis ordinárias restringirem a imunidade das entidades beneficentes de assistência social.

No que se refere à isenção de entidades beneficentes de assistência social, prevista no art. 195, parágrafo 7º, a doutrina e jurisprudência é unânime quanto ao fato de tratar-se de imunidade e não isenção.

Tratando-se de imunidade e não isenção, não podem leis meramente ordinárias – como a Lei 8.212/1991 – estabelecerem restrições no campo imunitório, reservado à lei complementar, conforme dispõe o art. 146, inciso II, da Constituição Federal de 1988. Desta forma, os únicos requisitos possíveis para o gozo da imunidade seriam os estabelecidos pelo art. 14 do Código Tributário Nacional.

2. Impossibilidade de leis ordinárias restringirem a imunidade de entidades de educação e assistência social.

O art. 150, inciso VI, alínea c, veda a instituição de impostos sobre instituições de educação e assistência social. Há aqueles que divergem sobre ser a Cofins um imposto ou não. Se considerarmos a Cofins um imposto, não estariam as instituições de educação e assistência social imunes? Seguindo o mesmo raciocínio do item anterior, as condições para a imunidade de entidades de educação e assistência social não seriam as prescritas no art. 14 somente?

3. Ofensa ao artigo 246 da Constituição Federal

O artigo 246 da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 32/01, determina:

“”É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 até a promulgação desta emenda, inclusive.””

Neste sentido, o artigo 195, da Carta Maior, base constitucional da Cofins, foi alterado pela Emenda Constitucional nº 20/98. Dessa forma, não poderia a Medida Provisória nº 135/03, hoje convertida na Lei 10.833/03, tratar sobre a Cofins, vez que artigo 246 da Constituição Federal proíbe expressamente a utilização de tal diploma legal para esse fim.

Da constatação de inconstitucionalidade da Medida Provisória nº 135/03 tem-se:
(i) inexigibilidade da Cofins nos moldes da mencionada medida provisória; e/ou
(ii) inconstitucionalidade da própria Lei nº 10.833/03, uma vez que se originou de um diploma também inconstitucional.

4. O conceito de faturamento

O conceito de faturamento previsto pela Lei Complementar 70, definido como resultado de atividades mercantis, não pode ser ampliado pela Lei 9.718 para receita bruta, uma vez que se trata de lei ordinária e, conforme raciocínio anterior, imunidade não pode ser regulada por lei ordinária.

5. O conceito de receitas próprias

O conceito de receitas próprias das entidades – isentas de Cofins – é controvertido na Receita Federal. A Instrução Normativa 247 reitera que são receitas próprias “”somente aquelas decorrentes de contribuições, doações, anuidades ou mensalidades fixadas por lei, assembléia ou estatuto, recebidas de associados ou mantenedores, sem caráter contra-prestacional direto, destinadas ao seu custeio e ao desenvolvimento dos seus objetivos sociais”” (art.47, parág. 2º).

Desta forma, exclui da isenção as receitas financeiras e aquelas oriundas de programas de geração de renda, dificultando a constituição de endowments financeiros e a sustentabilidade. Assim sendo, faz-se necessário esclarecer que o conceito de atividades próprias não pode ser entendido de forma restritiva, uma vez que se trata de uma imunidade constitucional voltada para a preservação do patrimônio.

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