Com apoio da FEAC, projeto qualifica trajetória de jovens que passaram por medida socioeducativa

Por: Fundação FEAC| Notícias| 11/09/2023
Com apoio da FEAC, projeto qualifica trajetória de jovens que passaram por medida socioeducativa

A realidade no sistema socioeducativo é, por si só, bastante desafiadora. E após o cumprimento de medidas no meio aberto, fechado ou em semiliberdade, o impacto desse período continua a ser sentido – muitos desses jovens recebem olhares e atitudes discriminatórias e portas fechadas para oportunidades de estudo e trabalho. Deixar os atos infracionais para trás e recomeçar a vida se torna tarefa difícil diante de tantos contextos de violências e vulnerabilidades aos quais são submetidos.

Para minimizar essas questões foi criado o Projeto Sintonizando na Transformação, que está em sua terceira fase e oferece novas perspectivas de futuro para esses jovens por meio da cultura. A iniciativa é do Centro de Orientação ao Adolescente em Campinas (COMEC) em parceria com a Fundação Casa e com o apoio da Fundação FEAC. Desde a sua primeira fase, o projeto recebe da FEAC apoio técnico e financeiro para auxiliar jovens e adolescentes para que não haja reincidência no universo infracional, ressignificando suas trajetórias de vida.

“Investir em projetos como o Sintonizando que proporciona novas oportunidades de escolhas, mobilidade, inclusão e transformação pessoal e social aos/às jovens em situação de vulnerabilidade é parte do objetivo do Programa Juventudes que visa contribuir para o rompimento das barreiras sociais, educacionais, econômicas, de raça e gênero impostas às juventudes periféricas de Campinas”, afirma Rodrigo Correia, líder do Programa Juventudes da Fundação FEAC.

Medidas socioeducativas precisam garantir os aspectos formativos

Uma pesquisa realizada pelo Centro Interdisciplinar de Educação Social e Socioeducação (Ciess) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) constatou que, durante 2018 e 2019, apenas cinco estados apresentaram taxa de escolarização de 100% para jovens em semiliberdade. Para alunos em meio fechado, somente dois estados atingiram o mesmo índice.

“As medidas de proteção ou socioeducativas precisam ter caráter formativo e garantindo direitos. Se feitas com eficiência, resultarão na construção ou reconstrução de projetos de vida com vista ao pleno desenvolvimento das crianças e adolescentes”, afirma Natália Valente, especialista em violências pela Fundação FEAC. Apesar de ser o ideal, essa não é a realidade que esses jovens enfrentam na prática e isso contribui para perpetuar a falta de garantia dos direitos para esse público.

O Panorama Nacional da Educação no Contexto Socioeducativo revelou que apenas 15 unidades federativas afirmaram oferecer cursos profissionalizantes aos socioeducandos entre 2018 e 2019. Ainda assim, devido à falta de agentes para acompanhá-los nas atividades, muitos deles não podiam frequentar as aulas. Além disso, somente 10 unidades afirmaram oferecer cursos de arte e cultura para os jovens.

“É essencial compreender os diferentes contextos que podem levar esses adolescentes e jovens a cometerem atos infracionais e pensar em ações de prevenção”, reforça Natália. Para a especialista, é importante que haja um trabalho voltado a ofertar novas possibilidades de futuro, por meio de um olhar delicado para o entendimento das realidades de cada um. “Se uma criança, adolescente, jovem comete atos infracionais, isso significa de todos nós falhamos enquanto sociedade e poder público”, completa.

Um olhar sensível para os contextos de violência

O Projeto Sintonizando na Transformação surge com o objetivo de transformar a vida de adolescentes e jovens que cumpriram medida socioeducativa no passado, e que precisam de oportunidades para explorar novos horizontes.

O projeto tem sido fundamental para ressignificar as trajetórias de vida dessas juventudes, estimulando a confiança, o pertencimento, o protagonismo e o empoderamento. A iniciativa oferece atividades como podcast, música, escrita criativa, vídeo, entrevista, entre outras oficinas de comunicação e tecnologia digital. Ali, eles passam a ter acesso ao universo da cultura e podem desenvolver suas habilidades e expressar suas percepções e situações de vida, promovendo debates e conscientização sobre as violências. A ideia é que eles consigam trazer reflexões sobre temas de interesse comum a partir de suas experiências de vida.

Ao colocá-los na centralidade da discussão, o projeto impulsiona a voz desses jovens e permite que eles ocupem novas posições e papéis sociais. Uma oportunidade importante, levando em consideração que as atuais políticas públicas são insuficientes para lidar com os desafios que permeiam as juventudes. “Estamos falando de jovens em situação de vulnerabilidade e risco social que, quando deixam o cumprimento das medidas, geralmente não são alcançados pelos serviços e espaços das diferentes políticas públicas”, observa Natália. “Ainda nos deparamos com uma sociedade que estigmatiza o adolescente autor de ato infracional, reforçando suas fragilidades e rupturas”, diz Juliana Vedovello, terapeuta ocupacional e coordenadora do projeto.

Embora o Sintonizando na Transformação trabalhe com jovens que cumpriram medida socioeducativa em meio aberto, a parceria com a Fundação Casa potencializa os objetivos pretendidos. Essa cooperação permite abranger os jovens do meio fechado também. “Para além do impacto dessa ação, a ideia é que os mobilizadores sociais do projeto possam ocupar esse lugar de referência positiva e de mobilização, com oferta de workshops e oficinas, com temáticas sobre a juventude”, explica a coordenadora. Segundo ela, a experiência tem sido benéfica e tem proporcionado trocas significativas entre os serviços e os atendidos.

“O Sintonizando dá voz e potencializa as juventudes”

A educadora do Comec Stefannie Araújo, mais conhecida como Fanni, é um exemplo do sucesso da iniciativa e do seu trabalho mobilizador, com transformação no papel social dos jovens. Nascida e criada na região do Campo Belo, em Campinas, a jovem de 23 anos cumpriu medida socioeducativa em 2016. Fanni ingressou no projeto logo em sua primeira fase. Ela conta que, por nunca ter tido acesso à cultura, não estava muito entusiasmada, mas conforme foi se aprofundando nas atividades e conhecendo os outros jovens, viu que era uma oportunidade valiosa em sua vida.

A partir daí, ela passou a se dedicar ao máximo, fazendo questão de não faltar e nem se atrasar para os compromissos do projeto. “Por várias questões – de raça e de onde eu venho –, não é em todo lugar que eu sou bem recebida. Então, acredito que foi uma forma de eu retribuir todo esse carinho que eles [Comec] têm comigo”, conta. Hoje, o Sintonizando faz parte de sua vida.

Na sua visão, ele foi uma forma de dar voz às experiências vividas, como a violência e o período em que cumpriu a medida. Assim como a sua, as histórias dos demais integrantes do projeto se conversam muito e geram pertencimento e interação. “Acho que ninguém melhor do que a gente mesmo para compartilhar sobre o assunto”, reforça a jovem.

Ao longo de sua trajetória, Fanni passou de participante a educadora, uma vitória e motivo de muito orgulho para todos que a acompanharam desde o começo. Atualmente, ela compõe a equipe técnica do Sintonizando, planejando ações, realizando articulações internas e externas e representações em espaços da rede de juventudes. “Se em 2016, alguém falasse que eu estaria aqui, trabalhando no Comec, eu nunca iria acreditar. A Fanni que eu sou hoje… Quando eu me olho no espelho, me vejo de outra forma”, revela.

Além de ter desenvolvido habilidades e potencializado sua voz por meio das atividades culturais promovidas pela iniciativa, ela também teve sua confiança e autoestima fortalecidas. Fanni conta que não acreditava em si mesma. “Por mais que minha mãe me aconselhasse, eu realmente não via sentido em nada. Quando eu vi que as pessoas acreditavam muito em mim, eu também comecei a acreditar.”

Nesses momentos, um ambiente seguro, acolhedor, com espaço para o diálogo e suporte emocional faz toda a diferença para que o jovem não retorne ao mundo infracional e persista em seus objetivos. “Essa rede de apoio deve ser ampliada, englobando a família, a comunidade, as referências afetivas e os serviços intersetoriais”, enfatiza Larissa Stocco, psicóloga do Sintonizando. Tudo isso com o objetivo de fortalecer a prevenção e o enfrentamento dos contextos de violência.

Hoje, mesmo ocupando o cargo de educadora, Fanni ainda participa das demais atividades que o projeto propõe. A profissional acabou criando gosto por estar em frente às câmeras apresentando as lives do projeto e dando vida às suas experiências. Ela conta que já se desenvolveu muito desde que entrou no Comec, há sete anos, e decidiu dar uma chance ao projeto Sintonizando. Seu sonho agora é criar coragem para gravar as músicas que compõe – e amplificar ainda mais a sua voz.

Por Bárbara Vetos

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