Com pontos a melhorar, regulamentação do Fundeb precisa acontecer ainda em 2020 para entrar em vigência no ano que vem

Por: GIFE| Notícias| 30/11/2020

Ativistas, organizações da sociedade civil e demais atores que defendem e trabalham por uma educação pública de qualidade comemoraram, em julho de 2020, a aprovação da Emenda Constitucional 108/2020, que instaura o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, o Fundeb. 

A aprovação representa um passo importante no avanço da luta pela garantia do direito à educação pública para todas e todos no Brasil, com equidade e qualidade, devido às alterações que propõe para o financiamento da área. Entretanto, especialistas ouvidos pelo redeGIFE já alertavam, à época, para o próximo desafio: a regulamentação, sobretudo considerando que o atual Fundeb expira no mês de dezembro. 

Se o novo Fundo não for regulamentado a tempo, não poderá ser aplicado em 2021. De acordo com o Todos Pela Educação, isso pode significar que 1.499 municípios de alta vulnerabilidade e seus sete milhões de alunos deixarão de receber cerca de R$ 3 bilhões adicionais advindos da nova modelagem do Fundeb, considerando apenas o ano de 2021.

Apesar de ter sido aprovada em agosto, a regulamentação do Fundeb está sendo acelerada somente agora, no final do ano, para que seja possível sua vigência em 2021. A demora no trâmite, ainda que se trate de uma pauta urgente, se deve, segundo Caio Callegari, coordenador de produção técnica e legislativa do Todos Pela Educação, ao momento político que vive o país. 

Considerando que a promulgação da Emenda Constitucional do novo Fundeb aconteceu no final de agosto, essa foi uma das últimas grandes atividades políticas do Congresso este ano, antecedendo o período eleitoral. “Soma-se a isso o fato de que, por conta da pandemia, não houve até agora a instalação das comissões temáticas. Assim, não houve espaço formal para a discussão da regulamentação do Fundeb e avanço da pauta”, explica. 

Proposta de regulamentação 

No dia 16 de novembro, o deputado federal Felipe Rigoni (PSB-ES), relator da regulamentação na Câmara dos Deputados, apresentou a primeira versão do relatório do Projeto de Lei (PL) 4372/2020, que trata da regulamentação do novo Fundeb. Conforme divulgado no Portal da Câmara, em razão do tempo curto, Felipe sublinha que a prioridade no momento é determinar o estritamente necessário. Nessa categoria, entraria, por exemplo, a nova proposta de distribuição dos recursos com o objetivo de reduzir desigualdades de financiamento entre municípios brasileiros. 

Para Caio, essa urgência realmente deve ser observada e, para a regulamentação emergencial ainda em 2020, ele reforça a observação de diretrizes previstas na Constituição Federal. 

“Precisamos da organização jurídica dos fundos contábeis estaduais para fazer rodar a distribuição dos impostos (que precisam ser definidos novamente na lei), dos tipos de matrículas que entrarão como regra de distribuição no Fundeb e quais as suas ponderações, do funcionamento detalhado de como será feita a complementação da União ao Fundeb (considerando a parte que trata do modelo atual e a novidade de recursos adicionais da chamada ‘complementação-VAAT’, inclusive no que tange à prioridade da educação infantil), da regra de subvinculação de parte dos recursos do Fundeb para pagamento de profissionais da educação, da definição dos sistemas de informação de receitas e despesas dos entes federativos e da estruturação dos conselhos de controle”, elenca. 

Alguns desses elementos citados por Caio aparecem na nota técnica Desafios da Regulamentação do Novo Fundeb, publicada ainda em setembro pelo Todos Pela Educação. Segundo o documento, são seis macro-temas que reúnem 20 tópicos a serem regulamentados pela lei de operacionalização do Fundeb. São eles: organização dos 27 fundos estaduais; fatores de ponderação: etapa, modalidade e tipo de ensino; nível socioeconômico e fator fiscal; complementação da União: operacionalização dos três modelos; uso dos recursos do Fundeb; fiscalização, avaliação e controle do uso dos recursos; e avaliação e revisão periódica do Fundeb. 

Apesar de tratar de uma lista grande, o coordenador reforça que desde 2017 há ampla participação da sociedade civil no processo para alcançar consensos sobre o novo Fundo. Além disso, mesmo que o país esteja imerso em campanhas eleitorais, o especialista ressalta que o Congresso foi rápido em apresentar Projetos de Lei para regulamentação do Fundeb e, desde setembro, o deputado Felipe Rigoni está reunindo as perspectivas de diversos atores educacionais, que já manifestaram suas posições. “Agora, precisamos de máxima celeridade para fechar o texto final e colocar em votação no plenário da Câmara dos Deputados, para que depois, o PL possa ser apreciado no Senado Federal.” 

Avanços necessários 

Os esforços de congregar diferentes visões no plano de regulamentação têm gerado resultados. Caio explica que, enquanto o PL original cobria cerca de 70% do que é necessário regulamentar, a minuta de substitutivo do deputado Felipe Rigoni abarca a totalidade dos pontos que precisam ser regulamentados até o final deste ano e contempla aperfeiçoamentos sugeridos por diferentes atores políticos da área da educação. 

Mesmo assim, ainda existem pontos que carecem de melhorias. “As regras da complementação da União precisam efetivamente priorizar a educação infantil, como explicita a Constituição. As definições sobre a complementação no modelo-VAAR precisam ser explícitas a respeito do combate às desigualdades educacionais. E é preciso debater de forma mais aprofundada a contabilização dupla de matrículas de ensino profissional (público e conveniado), para que não haja efeitos contra-redistributivos.” 

Além disso, algumas organizações do campo estão chamando atenção para pontos da proposta de Rigoni, como a possibilidade de que instituições privadas de educação técnica de nível médio recebam recursos do Fundeb, o que esbarra na questão da privatização da educação. Caio concorda que se trata de um ponto de atenção que não pode ser ignorado. 

Atualmente, os recursos públicos de impostos vinculados à educação já consideram as matrículas de instituições privadas sem fins lucrativos conveniadas com o poder público na educação infantil e especial. Isso acontece porque faltam vagas em creches e outras instituições públicas destinadas a atender essa faixa etária. 

“O Brasil conseguiu avançar no atendimento de zero a cinco anos e de crianças e jovens com deficiências com uma estratégia que aliou avanço na rede pública e na rede conveniada gratuita, alicerçada no Fundeb. O argumento pode até servir também para uma mudança em relação à educação técnica de nível médio, que ainda está muito distante da meta do Plano Nacional de Educação [PNE] em número de matrículas, mas o resultado efetivo será uma retirada de recursos de municípios que precisam do Fundeb em benefício da rede privada conveniada”, defende o coordenador. 

O cenário fica ainda mais alarmante considerando a proposta do Governo Federal de incluir as matrículas na rede privada conveniada de Ensino Fundamental e Médio e direcionar a elas recursos do Fundeb. “Haveria maior migração de recursos da rede pública para a privada, penalizando os municípios mais pobres, onde há menos escolas conveniadas. Precisamos evitar que essa proposta prospere.” 

Participação e papel do investimento social privado e sociedade civil 

Historicamente, educação é a área que mais recebe recursos e atenção por parte do investimento social privado, de acordo com dados do Censo GIFE. Para Caio, é possível promover impulso às muitas agendas já existentes de pesquisa e advocacy em relação ao Fundeb, para que possam trabalhar com maior presença na construção de uma política mais poderosa em matéria de promoção da qualidade com equidade. 

Essa participação não é necessária apenas durante a regulamentação em 2020, uma vez que a ideia é definir urgências ainda esse ano e detalhes mais técnicos em 2021. “É aí que moram potencialidades muito ricas de inovação a respeito da transferência da União para estimular resultados educacionais (complementação-VAAR) e dos fatores de ponderação fiscais e socioeconômicos que poderão estimular a busca ativa de crianças e jovens e a maior efetividade da arrecadação tributária ligada à educação.” 

Além da contribuição do ISP, também se faz importante a continuidade da participação de organizações da sociedade civil, muitas das quais lideram o debate sobre o Fundeb há anos e são responsáveis por introduzir inovações na política pública do financiamento da educação no país. 

Caio aponta três papéis principais para as OSCs nesse momento: mobilizar os atores políticos e as redes de contatos para a urgência de votar o novo Fundeb no Congresso nas próximas semanas, contribuir na concertação técnica e política para que a relatoria do deputado Felipe Rigoni resulte em um texto o mais consensual e robusto possível, e, por fim, se preparar tecnicamente para a incidência na atualização da regulamentação prevista para outubro de 2021. 

A incidência sobre a agenda deve ser incessante de forma a evitar possíveis retrocessos. No dia 26 de novembro, o Ministério da Educação (MEC) alterou, com publicação na edição extra do Diário Oficial da União, parâmetros do Fundeb, reduzindo o valor anual de investimento por aluno de R$ 3.643 para R$ 3.349 para o ano de 2020. 


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