Combate à violência depende de todas as esferas da sociedade

Por: GIFE| Notícias| 07/04/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Lançado pelo Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial e pela Editora Nova Alexandria, o livro Insegurança Pública – Reflexões sobre a criminalidade e a violência urbana traz 14 artigos de especialistas e estudiosos do tema.

Em entrevista ao redeGIFE, o organizador da publicação, Nilson Vieira Oliveira, e um dos autores, Bruno Paes Manso, falam sobre atuação das polícias e participação da sociedade civil no combate à violência.

redeGIFE – Hoje estamos acompanhando uma grande cobertura da mídia sobre a guerra entre EUA e Iraque, enquanto a violência local e diária com a qual se vive no Brasil permanece sem solução. Existe uma tendência das pessoas em tentar esconder ou esquecer a violência que as atinge diretamente? Por quê?
Nilson Vieira Oliveira – Nas grandes cidades brasileiras percebemos que sempre que contamos algum caso de violência acontecido conosco ou com algum conhecido, ouvimos dos interlocutores outras tantas histórias. A sensação crescente de insegurança nos traz ansiedade, mas com um pouco mais de cuidado aqui e ali temos que tocar nossas vidas. Quem é rico contrata segurança privada e quem é pobre passa a agir com a única salva-guarda que parece disponível: agir como se não visse, não escutasse e muito menos tivesse algo a dizer sobre crimes que testemunhou ou do qual teve alguma informação, para não se tornar alvo dos bandidos. Essas atitudes acabam resultando em decréscimo de confiança na polícia, que é o braço do Estado para coibir a violência. Assim, crimes considerados pequenos ou médios deixam de ser comunicados. Com a queda da comunicação, os policias sabem cada vez menos sobre os crimes que estão acontecendo, e os criminosos passam a agir com maior sensação de impunidade.
Bruno Paes Manso – O elevado índice de homicídios em São Paulo é um problema cuja solução parece ser vista como algo de médio ou longo prazo e por isso fica sempre em segundo plano. Para os moradores das regiões centrais, “”são casos que acontecem na periferia””. Para quem mora nos locais violentos, morrem principalmente “”os que estão envolvidos nas correrias””, ou seja, pessoas que atuam no mundo do crime e sabem dos riscos existentes neste universo. Em entrevistas com policiais militares e civis de locais com alto índice de violência, longe dos holofotes, duas são as respostas padrão quando se discute os elevados índices de homicídio: a) são bandidos se matando; b) é impossível evitar que bandidos se matem. Desta forma, as autoridades parecem tirar a responsabilidade das costas e conseguir conviver com essa violência. O homicídio se transforma em algo tolerável, como se fosse um problema dos “”outros””, que não afeta o “”nosso”” cotidiano. A partir do momento em que a polícia, as autoridades e a população assumem o problema como algo inaceitável e tomam medidas efetivas para combatê-lo, o que podemos perceber é que os índices caem rapidamente. A mobilização política em torno do assunto é fundamental para que se crie condições para combatê-lo.

redeGIFE – Quais são os principais motivos que têm levado ao aumento da criminalidade no Brasil?
Paes Manso – Existem inúmeros fatores relevantes, levantados por diversos estudos, que apontam aspectos sociais, culturais, etc. Prefiro focalizar o aumento dos homicídios. Ao longo do tempo, entre pessoas que exercem atividades criminais, o homicídio transformou-se em uma forma padrão de resolver conflitos. Quando se é ladrão ou traficante, não existe um órgão mediador capaz de resolver as pendengas existentes entre as duas partes conflitantes. Desta forma, a violência e a força aparecem como meio de se impor. Isso transforma o ambiente do crime em algo tenso e amedrontador, o que leva seus participantes a matar por motivos cada vez mais banais, dado o medo constante de ser assassinado. Neste meio, matar antes de morrer parece ser a melhor estratégia para continuar vivo.

redeGIFE – O apelo à violência e o uso indiscriminado de armas de fogo são práticas já consideradas comuns por grande parte da população brasileira. O que fazer para tentar mudar esse sentimento?
Oliveira – Acredito que o uso das armas de fogo ainda não seja algo comum para a grande maioria dos brasileiros. As pesquisas de opinião sobre mudanças legais para criminalizar a posse de arma mostram isso. Muita gente é a favor de uma medida como essa. Sou favorável ao desarmamento. O professor Ignácio Cano escreve sobre isso, mostrando que a posse de arma de fogo, além de raramente proteger a vítima, potencializa muito uma reação mais violenta do criminoso, que pode resultar em morte da vítima. O elevado número de acidentes fatais com armas de fogo também justifica mudanças na legislação sobre sua posse legal.

redeGIFE – A população está, há muito tempo, descrente do trabalho realizado pelo Estado no combate à violência. Muitos discursos são feitos por parte do governo, tentando comprovar seu esforço nesse sentido, mas os resultados são pouco visíveis. A questão da segurança pública tem sido tratada com a atenção necessária?
Oliveira – Em sua rápida passagem pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, o coronel José Vicente da Silva Filho procurou enfatizar dois pontos fundamentais: uma maior articulação nos trabalhos de segurança pública dos governos estaduais e federal e uma interação mais sinérgica entre as polícias e os diversos pesquisadores acadêmicos de violência. Isso resolve em parte o problema, porque faz com que pessoas com poder de comunicação e espaço na mídia acompanhem mais deperto as dificuldades no exercício do trabalho das polícias e, ao mesmo tempo, as polícias se tornem mais abertas a ouvir e a aceitar opiniões de pessoas de fora da corporação, que guardam a distância necessária para enxergar os problemas. É certo que essa maior transparência começará a chegar à população. E é importante que chegue para que as pessoas passem a confiar mais no trabalho da polícia e informá-la mais sobre problemas que acontecem.

redeGIFE – A repressão física é uma das medidas mais adotadas pelos governos para tentar diminuir a violência, o que os faz também atores dela. Qual é a melhor maneira de combater a violência urbana: mais policiais nas ruas ou mudanças nos sistemas penal e legal?
Paes Manso – A violência do Estado contribui para que o círculo de mortes continue rodando. A polícia é fundamental, mas, como muitos vêm dizendo, deve investir na inteligência. O Estado se diferencia do crime organizado por ser capaz de agir de forma estratégica. Olucro do crime deve ser combatido fundamentalmente. Os mecanismos que permitem a lavagem de dinheiro, as leis que dificultam prisão dos intermediários, entre outras coisas. Agir de forma violenta é, como dizem sabiamente alguns moradores da periferia com quem conversamos, coisa de “”bandido””.
Oliveira – Porém, há casos flagrantes de deficiência no número de policiais. Embu, na Grande São Paulo, tem 114 policiais militares para cuidar dos 220 mil habitantes. Isso dá quase 2.000 habitantes por policial numa cidade que lidera o ranking de homicídio em São Paulo, com 75,6 casos para cada 100 mil habitantes em 2002. No Estado de São Paulo, essa relação é de cerca de 500 habitantes por PM. Parece óbvio que mais policiais ali seria de muita valia para a melhoria da segurança.

redeGIFE – O combate à violência deve ser tratado em nível municipal, estadual ou federal? Por quê?
Oliveira – Há atribuições fundamentais para todas as esferas. Constitucionalmente, cabe aos Estados gerirem e proverem a segurança por meio das estruturas das polícias civil e militar. Por meio da Polícia Federal e das Forças Armadas, cabe ao governo federal vigiar as fronteiras e coibir o tráfico de armas e drogas. E as autoridades municipais também têm papel fundamental, tanto com medidas tópicas quanto preventivas. Programas sociais para os jovens e adolescentes, que são as vítimas e os algozes mais freqüentes dos homicídios, e ações administrativas como a manutenção das ruas bem iluminadas e o controle do funcionamento dos bares e casas noturnas em cuja cercania são freqüentes os crimes, são de grande valor para a redução da violência. No entanto, também é fundamental a interação entre todos. Deve haver diálogo regular e aberto entre os chefes das polícias civil e militar com o prefeito, do prefeito com o secretário estadual de segurança, e as políticas desse último devem estar conjugas e reforçadas com as estratégias dos órgãos federais de segurança.

redeGIFE – O que as organizações da sociedade civil podem fazer para ajudar no combate à violência e à criminalidade?
Oliveira – No âmbito preventivo essas organizações já vêm fazendo bastante. São inúmeras as instituições que promovem a recuperação de jovens viciados em drogas ou álcool, outras que desenvolvem programas com adolescentes e jovens em situação de risco, mobilizando-os para ações positivas que lhes devolvam a auto-estima. O Instituto Fernand Braudel, por exemplo, com o apoio do Instituto Unibanco e da Fundação General Electric, vem desenvolvendo o programa Círculos de Leitura, que capacita jovens em escolas públicas da periferia da Grande São Paulo, visando ampliar seu repertório cultural e formação relacionando questões do seu cotidiano com as histórias, valores, conflitos e temas que sobrevivem ao tempo, como liderança, comunidade, coragem, autoridade política e, sobretudo, postura diante dos conflitos inevitáveis.

redeGIFE – Algumas entidades sem fins lucrativos têm desenvolvido programas de inserção de ex-presidiários na sociedade. Como sabemos que nas penitenciárias o grau de ociosidade é grande, qual a importância de tentar levar esses projetos para dentro das prisões?
Oliveira – Neste livro, a professora Julita Lemgruber, uma das maiores especialistas sobre sistema prisional no Brasil, aponta para a limitação do encarceramento enquanto método correcional da delinqüência. Seu capítulo merece atenção especial porque nos obriga a repensar algumas “”verdades absolutas”” sobre as prisões e sobre o custo para o Estado em manter presos um número significativo de detentos que oferecem baixo risco à sociedade. No entanto, como cidadão, acredito que junto com uma minoria de detentos com alta periculosidade para a sociedade, há muita gente desesperada por uma única coisa: oportunidade de mudar de vida e passar a viver com dignidade. Neste sentido, os trabalhos das entidades e da Igreja são extremamente valiosos para a sociedade e para a vida dos presidiários.

redeGIFE – O poder público estaria disposto a fazer uma parceria com a sociedade civil organizada para desenvolver programas como esses?
Oliveira – São crescentes os números de exemplos que demonstram que os governos e as organizações sem fins lucrativos vêm atuando em parcerias muito eficientes. Por isso parece fazer muito sentido que isso também evolua e se solidifique nos programas voltados aos presos e sua inserção na sociedade.

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