Comercialização de produtos ou serviços por entidades sem fins lucrativos

Por: GIFE| Notícias| 02/10/2006

GIFE*

O fato de uma entidade sem ser fins lucrativos não significa que esteja ela impedida de comercializar produtos ou serviços, contanto que a renda assim obtida seja integralmente revertida na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais.Entretanto, a circunstância de uma entidade sem fins lucrativos (ESFL) dedicar-se habitualmente à pratica de atividades comerciais terá implicações do ponto-de-vista tributário. Isso porque, via-de-regra, os benefícios fiscais de que gozam tais entidades abrangem apenas aquilo que estiver diretamente relacionado às suas finalidades essenciais – e, por suposto, a comercialização de produtos ou serviços não se enquadra nessa categoria.

Essa regra vem expressa, no caso de instituições de educação ou de assistência social, na própria Constituição Federal. O artigo 150, VI, “”c””, proíbe aos entes federativos (União, Estados e municípios) instituir tributos sobre o patrimônio, renda ou serviços de tais instituições, cuidando o parágrafo 4° do mesmo dispositivo de esclarecer que essa vedação compreende unicamente o patrimônio, renda e serviços relacionados com as suas “”finalidades essenciais””. Essas ESFLs desfrutam, portanto, de imunidade tributária, uma garantia constitucional que impede qualquer tentativa de impor-lhes – mesmo que mediante a edição de lei pelo Congresso Nacional – algum tipo de tributo.

Vale registrar que, para ser considerada instituição de educação ou de assistência social, não é suficiente a previsão, no estatuto social, da condição de “”sem fins lucrativos””, sendo também necessário que “”(…) fique claramente demonstrado, desde sua criação, pelo objetivo estatutário e pela prática cotidiana, que a entidade não se destina à satisfação de interesses de seus instituidores ou dirigentes, mas, sim, à realização de atividades de caráter altruístico, voltadas ao interesse coletivo ao desenvolvimento e bem-estar da comunidade em que atua. (…)”” [1] . O artigo 12, parágrafo 2°, da Lei n° 9.532/97 especifica os requisitos para que tais instituições gozem da imunidade em questão.

As demais ESFLs – ou seja, aquelas que não se caracterizem como instituições de ensino ou de assistência social, mas que tenham caráter filantrópico, recreativo, cultural e científico, assim como as associações civis que prestem os serviços para os quais foram instituídas e os coloquem à disposição do grupo de pessoas a que se destinam, sem fins lucrativos[2] – têm garantida a sua isenção no pagamento de alguns tributos. Nessas hipóteses, tais ESFLs possuem isenção tributária, isto é, são dispensadas, mediante lei (e não pela Constituição Federal, como se dá no caso da imunidade tributária) da obrigação de pagar determinado tributo. É o que ocorre, por exemplo, em relação ao Imposto de Renda (IR) ou à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), posto que a Lei n° 9.532/97, em seu artigo 15, expressamente declara como “”isentas”” as entidades sem fins lucrativos que atendam as exigências ali fixadas.

No que se refere à prática de atividades comerciais, contudo, inexiste imunidade ou isenção geral para as ESFLs, devendo-se analisar a legislação específica de cada tributo. No caso de comercialização de produtos e serviços, tem-se no como principais tributos passíveis de incidência: no âmbito federal, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); no âmbito estadual, o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e Comunicação (ICMS); e, finalmente, no âmbito municipal, o Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISS).

Em relação ao IPI, as instituições de educação ou de assistência social são isentas de pagamento apenas quando os produtos por elas industrializados se destinem, exclusivamente, a uso próprio ou à distribuição gratuita a seus educandos e assistidos, no cumprimento de suas finalidades (cf. Regulamento do IPI aprovado pelo Decreto n° 2.637/98, art. 48, I). Ao lado disso, há ainda outras imunidades ou isenções incidentes sobre determinados produtos (indicados no Regulamento do IPI) que, eventualmente, poderão ser objeto de fabricação pelas ESFLs[3] .

Quanto ao ICMS, é reconhecida a imunidade sobre as compras de bens para integração ao patrimônio da entidade. Contudo, no que diz respeito à venda de mercadorias, as ESFLs não gozam, em geral, de imunidade ou isenção. Como lembra Eduardo Szazi, “”A única forma considerada válida para obter a desoneração do ICMS em suas vendas é valer-se de uma das seguintes alternativas: (i) vender produtos imunes ou isentos de ICMS [no caso do Estado de São Paulo, por exemplo, o imposto não incide sobre operações que envolverem livros, jornais ou periódicos; artesanato regional, desde que efetuado diretamente pelo artesão, em sua residência, sem trabalho assalariado; certos produtos para deficientes físicos e sensoriais; mercadorias de produção própria; e mercadorias recebidas em doação do exterior]; ou (ii) obter uma isenção específica com amparo em convênios ICMS.[4]””

Saliente-se, em relação a esta segunda alternativa, que algumas entidades já conseguiram a desoneração do ICMS com base em convênios firmados pelos representantes de todos os Estados no Conselho de Política Fazendária (CONFAZ); é o caso, por exemplo, da Fundação Projeto Tamar, do SENAI ou do MASP [5].

Por fim, em relação ao ISS, a disciplina referente à tributação de serviços prestados por ESFLs há de ser buscada na legislação de cada município, por se tratar de um tributo municipal. No caso do município de São Paulo, por exemplo, o Regulamento do ISS aprovado pelo Decreto n° 44.540/04 declara isentas do tributo as associações culturais sem fins lucrativos (art. 182, I).

* Este artigo foi produzido pelo Projeto Marco Legal do Terceiro Setor e Políticas Públicas do GIFE.

[1]. SZAZI, Eduardo. Terceiro Setor – Regulação no Brasil. 4. ed., São Paulo: Peirópolis, 2006, p. 46.
[2]Idem, ibidem, p. 53.
[3] Idem, ibidem, p. 66.
[4] SZAZI, Eduardo. Email datado de 23/08/06.
[5] Idem, ibidem.

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