Como a filantropia tem mudado?

Por: GIFE| Notícias| 26/06/2013

Andrew Milner e Caroline Hartnell*

Dizem que a “crise financeira” começou em 15 de setembro de 2008, quando o Lehman Brothers declarou falência. Na América do Norte e na Europa foi com certeza quando o mundo mudou. Para o resto do mundo, essa pode ser uma data simbólica de uma mudança do poder econômico em um prazo maior, que aconteceu de forma diferente em diferentes partes do mundo. O que isso significou para a filantropia? Alguns membros selecionados do conselho editorial da Alliance apresentam seus pontos de vista sobre o que está acontecendo por parte deles.

O conselho editorial da Alliance é formado por peritos em filantropia do mundo todo, com a principal tarefa de assessorar o editor da Alliance sobre as tendências e os problemas em suas regiões e seus campos de expertise. Todos os membros do conselho editorial foram convidados a responder a várias perguntas sobre como a filantropia tem respondido às circunstâncias de mudança econômica. Este artigo se baseia nos pontos de vista dos membros que responderam.

Principais tendências
• Muitos governos do norte não conseguem atender às crescentes necessidades sociais.
• O gasto público tem crescido nos países BRICS, apesar de a taxa estar desacelerando.
• A lacuna entre os ricos e os pobres tem crescido em todos os lugares, exceto no Brasil e em alguns outros países latino-americanos.
• Muitas fundações do norte observaram reduções nos ativos e na renda.
• As fundações do sul, cujos fundos vêm de agências externas ou de uma matriz, também tiveram redução em seu financiamento.

Austeridade e desigualdade crescente no Norte

Em muitos países do Norte o panorama é sombrio. Massimo Lanza prevê “outro ano difícil na Itália com crescimento econômico negativo, maior desemprego, pobreza emergente e austeridade severa”. No ponto de vista dele, a mudança crucial é “a incapacidade do gasto do governo de apoiar as necessidades sociais que aumentarão em tamanho e qualidade” e ele não vê isso como “”uma crise de curto ou médio prazo””. Apesar de a Eslováquia ter tido uma das maiores taxas de crescimento na UE, Boris Strečanský prevê um período de dificuldades. Há muito tempo que a Eslováquia tem uma taxa de desemprego muito alta e “o governo não tem qualquer solução inovadora ou progressiva para lidar com a situação”.

Apesar de “não haver uma austeridade propriamente dita nos EUA”, diz Tim Ogden, ele prevê que em um horizonte próximo “qualquer organização que dependa dos gastos do governo deve pressupor que o gasto crescerá a um passo mais lento do que a inflação e mais lentamente do que deveria”.

Mesmo onde a recessão foi sentida com menos intensidade, como na Alemanha e na Austrália, a divisão entre ricos e pobres ficou ainda mais marcante. A Austrália sentiu os efeitos da quebra menos do que a Europa ou os EUA, diz Vanessa Meachen, por causa do boom de recursos do país. Mas isso levou a maior desigualdade de renda e condições mais difíceis para quem vive nos estados do boom e não tiveram um lucro direto. Até hoje, a economia alemã tem se mantido estável e bem sucedida, Volker Then e Michael Alberg-Seberich concordam, mas Alberg-Seberich conta que “3 milhões de crianças não têm sequer uma refeição quente ao dia e cada vez mais pessoas trabalham em empregos temporários e de baixa remuneração”. “Parece que estamos vivendo em uma bolha que logo vai estourar”, ele diz. Christopher Harris observa uma lacuna crescente entre os ricos e os pobres nos EUA, com “”vários problemas de desemprego e subemprego”” para a classe média, a classe trabalhadora e os pobres.

Como Barry Knight vê a situação, “”houve uma mudança crucial. O crescimento do Leste significa que o Oeste passará o resto do século em declínio”. Além disso, ele acredita que “foram cometidos erros fundamentais ao desperdiçar a riqueza criada no último século sem o investimento adequado na sociedade””.

Crescimento e desigualdade nos países BRICS

As chamadas economias BRICS da Rússia, Brasil, Índia e África do Sul, por outro lado, têm observado um aumento no gasto público. Segundo Maria Chertok, na Rússia “esse aumento inclui maior financiamento para ONGs tanto em nível federal quanto regional”. Na Índia, diz Ingrid Srinath, “o prognóstico de pior caso para o crescimento do PIB é de aproximadamente 6% ao ano”. Foi orçado um aumento de 300% com o gasto público com saúde até 2017, além de um aumento de 30% no gasto com educação. Mas ela observa que “esses planos foram antes da recente desaceleração econômica e não está claro como eles mudarão””.

Na África do Sul, Alan Fowler não “espera muito do caminho de austeridade, mas com a desigualdade extrema haverá maior ênfase nas políticas governamentais de redistribuição para proteger a prestação de serviços públicos, pensões, doações sociais, acesso universal à saúde, e assim por diante. Também é possível que faça pressão para retirada dos subsídios da energia ou dos alimentos”. Halima Mahomed concorda que o gasto do governo não deve sofrer grande redução, mas se refere à espiral da desigualdade. Segundo ela, aqui o problema não é o crescimento em longo prazo, mas “a natureza do crescimento e a distribuição dos ativos, da renda e da riqueza, que continua a ser extremamente distorcida”.

Enquanto isso, no Brasil e em outros países da América Latina, as políticas públicas afirmativas e o gasto público têm ajudado a estreitar a lacuna entre ricos e pobres. Um aumento de 16% na renda entre 2001 e 2011 se concentrou nos 50% mais pobres da população, segundo Marcos Kisil. Mas até mesmo no Brasil, com a inflação subindo mais rápido do que o PIB, “muitos brasileiros acham que 2013 demandará austeridade no gasto público”. Imagine: uma família participante do Programa Bolsa Família – um programa de bem-estar social do governo brasileiro que oferece ajuda financeira às famílias carentes brasileiras, com a condição que as crianças da família freqüentem a escola e sejam vacinadas.

O efeito sobre as fundações e os doadores

Muitas fundações do Norte tiveram seus patrimônios reduzidos. Nos EUA, como as fundações normalmente calculam seus orçamentos com base média das taxas de retorno de investimento por vários anos, Tim Ogden espera que o crescimento na generosidade da fundação seja limitado, no mínimo, pelos próximos cinco anos.

Apesar de até o momento a Alemanha ter conseguido escapar de um longo período de austeridade, tanto Volker Then quanto Michael Alberg-Seberich sabe do desafio crescente imposto à renda das fundações. Uma das razões para isso, segundo Alberg-Seberich, é que uma grande parte é investida em títulos do governo altamente rentáveis que dão retorno rápido, e os investidores precisam encontrar alternativas que produzam um retorno semelhante. A renda da fundação foi menos achatada na Eslováquia somente porque, como Boris Strečanský observa, poucas fundações obtêm sua renda dos ativos investidos.

As fundações no Sul têm maior probabilidade de contra com as contribuições anuais de uma matriz ou com a realocação dos fundos de doação de organizações externas. Quando o financiamento externo retrair e a empresas reduzirem os orçamentos para filantropia por causa dos lucros reduzidos, as ONGs sofrerão. Em alguns casos, isso significará mais do que apenas uma queda no financiamento geral. Como Halima Mahomed observou, na África do Sul as ONGs “que tratam de questões de direitos humanos, que se envolvem em campanhas e lobby, litígio de casos, mudança política, etc., são financiadas principalmente por fontes externas… O apoio filantrópico às organizações que desafiam o status quo raramente é obtido em nível local”.
Também é preciso observar que as fundações não costumam ser os principais atores no Sul, como Atallah Kuttab observa em relação à região árabe. Por outro lado, Janet Mawiyoo observa um aumento no número de fundações corporativas no Quênia, enquanto Ingrid Srinath relata que o modelo de fundação está ficando mais popular na Índia.

As fundações responderam ao desafio?

Aqui o ponto de vista dos entrevistados varia. Alguns acham que as fundações não conseguiram dar uma resposta adequada às mudanças que as cercam. Barry Knight considera a resposta no Reino Unido “fraca”. “Eles fazem as coisas na periferia de nossa sociedade que geralmente são úteis”, ele diz, “mas eles não se aprofundam nas grandes questões do dia. Na maioria das vezes, não gostam de arriscar e acham que as questões de economia política estão na categoria “muito difícil”. Essa é uma oportunidade perdida, porque as fundações têm a liberdade de explorar as questões e encontrar soluções criativas financiando pessoas que trabalham à margem, que é de onde vem a solução para a maioria dos problemas”.

Tim Ogden observa que os EUA: “as fundações e as organizações sem fins lucrativos só aparecem para retocar seu mundo cor de rosa””. Além de muito debate, ele espera que “”mais de 90% das fundações não adote qualquer plano estratégico” para lidar com o problema da maior necessidade e dos menores recursos e “vão tratar a questão no dia a dia”.

Massimo Lanza caracteriza a resposta das fundações italianas em termos mais comedidos. A reação geral tem sido racionalizar, ele diz, cortando os custos operacionais, reduzindo o número de doações e concentrando-as em áreas que possam servir a uma necessidade específica ou onde possam ver resultados. “Economias de escola e maior eficiência estão virando uma característica comum”. Na realidade, o maior foco em resultados tem sido um efeito geral da crise, tanto entre financiadores quanto entre financiados.

Na Eslováquia, diz Boris Strečanský, embora as fundações experimentem crescentes demandas dos necessitados, há pouco sinal de uma resposta coordenada, apesar de ele esperar que “a crise catalise novos métodos de uma forma menos tradicional””. Michael Alberg-Seberich observa uma mudança de interesse (não de recursos, ainda) na Alemanha, passando para questões como redistribuição de renda e redução da pobreza. Ingrid Srinath não tem conhecimento de grandes mudanças na atividade das fundações locais na Índia, mas prevê que o financiamento do Norte reduzirá e as fundações do Norte não conseguirão preencher a lacuna resultante.

Como as fundações estão respondendo?
• As fundações no Norte parecem mais inclinadas a trabalhar com o governo.
• Muitas fundações do norte mantiveram ou aumentaram o gasto, mas, em alguns países, as exigências legais para preservar as dotações não as deixaram fazer isso.
• A maior parte dos gastos das fundações nos países BRICS é para atender a necessidades básicas, com muito poucas querendo financiar causas mais controversas.
• Embora poucos no Norte prevejam um grande aumento na filantropia, um aumento repentino pode ser observado em partes da África, Índia, Rússia e Brasil.
• Apesar dos esforços do governo para incentivar o investimento social em vários países do norte, a maioria sente que ainda há muito exagero em relação ao investimento de impacto.

Relacionamentos em mudança

Em uma era de retornos reduzidos para as fundações, “parceria” e “colaboração” viraram as novas palavras de ordem. Mas elas são mais do que palavras? De acordo com Massimo Lanza, há mais sinais de cooperação entre as fundações italianas e o setor público e o privado, tanto local quanto nacionalmente. Com relação à Eslováquia, Boris Strečanský relata um esforço para criar uma associação de fundações corporativas – “então pelo menos neste segmento de fundações há alguns sinais de comportamento colaborativo”.

Tanto Michael Alberg-Seberich quanto Volker Then percebem um interesse crescente em trabalhar com o governo. Alberg-Seberich cita um programa de financiamento conjunto de mais de 40 fundações, assim como o “Lernen for Ort” (Aprendizado em Destaque) do governo federal. Em alguns aspectos, trata-se mais de uma mudança no grau do que no tipo. Como Then observa, já há uma tendência “a mais estruturas de parceria público-privado” por causa das características especiais do sistema de previdência social da Alemanha que não é “previdência social oferecida pelo estado, mas serviços prestados por atores sem fins lucrativos, com fins lucrativos e públicos, que concorrem em um quase-mercado regulado”. Na Austrália, também, Vanessa Meachen sente que as fundações estão colaborando cada vez mais com o governo. O governo do Estado de Victoria lançou uma série de princípios norteadores para a colaboração entre o governo e a filantropia.

Segundo Christopher Harris, nos EUA “muito poucas fundações estão renegociando as relações com os diferentes setores””. Algumas estão testando novas formas de trabalho, geralmente “onde as fundações veem claramente que a escala e a complexidade dos problemas estão além do que elas podem resolver por elas mesmas”. Isso é válido principalmente para cidades onde o financiamento federal foi cortado.

Níveis de financiamento

As fundações do Norte têm tentado manter os níveis de gasto e, até agora, o financiamento de ajuda do governo não foi afetado. Peter Laugharn observa que “em nossa área de financiamento global não vimos um corte real – ainda. Na verdade, no Reino Unido vemos um compromisso mais forte do que nunca com a assistência ao desenvolvimento estrangeiro e os EUA estão praticamente estáveis”. Janet Mawiyoo observa que o orçamento da Fundação de Desenvolvimento Comunitário do Quênia triplicou nos três últimos anos.

Em alguns casos, as fundações estão contando mais com seus recursos não monetários. As fundações australianas, diz Vanessa Meachen, “parecem estar respondendo principalmente através da oferta de assistência não de doação, como orientação… com um uso cada vez maior de sua voz e influência junto aos elaboradores de política, principalmente em nível de governo local ou estadual”.

Obstáculos para as fundações

Em muitos lugares, o espaço de manobra das fundações é limitado por uma exigência legal de preservar suas dotações. Isso acontece nas fundações bancárias italianas, diz Massimo Lanza (e outras fundações italianas costumam seguir o mesmo caminho) e na Alemanha. Segundo Meachen, na Austrália “algumas das fundações mais recentes, cujos doadores estão vivos, aumentaram o gasto e podem gastar ativos, mas muitas fundações são proibidas por lei de fazer isso”.

Os recursos limitados, no entanto, são o maior obstáculo. “O tamanho da doação anual das fundações na Eslováquia, de aproximadamente € 30 milhões, é muito baixo em relação às necessidades”, diz Boris Strečanský, “e uma pequena fração se comparado aos orçamentos públicos ou aos orçamentos de programas de fundos estruturais”. Podemos dizer o mesmo das fundações em qualquer outro lugar.

Para onde está indo o dinheiro?

De forma geral, os recursos de fundação no Sul vão para atender às necessidades básicas, mesmo nos países BRICS onde o gasto governamental foi mantido ou aumentado. “Na Rússia, uma das maiores áreas é a assistência à saúde”, diz Maria Chertok, e “a educação tanto em nível fundamental e médio quanto universitário, e o apoio a organizações que trabalham com crianças necessidades e os idosos”. Igualmente, na Índia a filantropia continua “muito concentrada na prestação direta de serviço para preencher as enormes lacunas entre a necessidade e a disponibilidade dos serviços públicos básicos””. Já no Quênia, Janet Mawiyoo relata que aumentou o apoio ao trabalho com algumas questões críticas que afetam a África, inclusive o desemprego de jovens e a segurança alimentar.

A maioria dos entrevistados do Sul aponta que a filantropia costuma evitar questões mais controversas. O financiamento local para direitos ou campanhas é muito raro e qualquer coisa que possa ser interpretada como oposição ao governo tende a ser evitada. Como diz Halima Mahomed: “não é fácil convencer as fundações a usarem seus fundos para a justiça social”. O Brasil parece ser uma exceção: embora as questões comuns de bem-estar atraiam muita atenção, Marcos Kisil observa que os filantropos estão preparados para combater “”problemas mais espinhosos”” como desigualdade de gênero e de raça.

Efeitos sobre os beneficiários

As fundações continuarão a existir, quer os recursos sejam reduzidos ou não. As verdadeiras vítimas de qualquer queda nos recursos filantropos são, provavelmente, as ONGs que eles financiam. Akwasi Aidoo observa que na África “a maioria das OSCs estão a uma doação da extinção””. Ele sugere que parte da culpa é dos doadores, que não incentivaram os beneficiários a serem menos dependentes. Por outro lado, as ONGs no Sul geralmente mostram grande resiliência diante do financiamento reduzido. Janet Mawiyoo observa que no Quênia, embora alguns programas tenham sido encerrados, os orçamentos para “um grande número de organizações na verdade aumentou desde 2008”, em parte porque conseguiram encontrar novas fontes de dinheiro e apoio. Ingrid Srinath comenta sobre o “etos da autoconfiança” entre a sociedade civil indiana, desde movimentos de base até grandes ONGs.

Peter Laugharn relata que as 26 organizações que a Fundação Firelight financia no Zimbábue “se mostraram notavelmente resilientes, resistindo a uma crise tripla: hiperinflação, situação política instável e alta taxa de prevalência de HIV. Mesmo assim, nenhuma delas decretou falência ou encerrou suas operações”. Sua criatividade permitiu que elas sobrevivessem, combinando “permuta, criatividade, novas parcerias com o governo local e grande determinação”.

Dinheiro novo? No Norte…
Está vindo dinheiro novo para a filosofia? E tem feito diferença? No Norte as respostas a essas perguntas parecem ser “às vezes” e “discutível”. Na Alemanha a taxa de criação de novas fundações é alta, mas a maioria “é composta por fundações para levantar fundos, fundações comunitárias e fundações com uma dotação de menos de € 250.000”, diz Alberg-Seberich. Na Itália, Massimo Lanza não acredita que os recursos de filantropia “aumentem no curto e médio prazo”. Na Eslováquia, por outro lado, Boris Strečanský vê “exemplos emergentes de novas pessoas – os filantropos de risco”. Mas eles não estão necessariamente criando novas fundações. “Eles tentarão formas novas e inovadoras de filantropia que combinem atividades comerciais e de caridade, e será difícil classificá-los”.

Mesmo quando a riqueza aumenta, ela pode não encontrar caminho na filantropia. “A Austrália Ocidental, onde se concentra a riqueza de mineração, tem vivenciado um grande aumento da riqueza, mas tem taxas de doação muito baixas em comparação ao restante do país”, diz Vanessa Meachen.

E mesmo quando vem dinheiro novo para a filantropia, ele pode não fazer muita diferença. Segundo Tim Ogden, nos EUA o novo dinheiro seguirá um dos dois caminhos que a maioria das novas fundações segue. Os novos doadores “derramarão muito dinheiro em uma causa que já é de interesse para os bilionários, e ao fazer isso gastão muito dinheiro fazendo uma doação precária, ou serão extremamente cautelosos, fazendo o mínimo de doações para cumprir com o regulamento, enquanto passam de 5 a 10 anos pensando em sua “estratégia””.

… e no Sul
Janet Mawiyoo e Akwasi Aidoo observam um rápido aumento na generosidade em diferentes partes da África. No Quênia Mawiyoo também observa um aumento na generosidade corporativa, com mais empresas e fundações assumindo mais seriamente a responsabilidade social corporativa (RSC).

A generosidade na Índia tem aumentado constantemente, segundo o Relatório de Filantropia da Índia de 2010, elaborado pela Bain & Co, com muitos novos doadores entrando em campo. Uma imponderável é a legislação recente que exige que as empresas dediquem 2% de seus lucros para atividade de RSC, ou justifiquem por que não o fizeram. Este é um “potencial fator de mudança nas regras do jogo”, diz Ingrid Srinath, mas a “cláusula de escape” significa que seu efeito real não pode ser medido antecipadamente.

As mudanças na distribuição de riqueza no Brasil na última década também levaram a uma mudança nos padrões de generosidade, diz Marcos Kisil, com a classe média recém-expandida “”aumentando sua generosidade em 13% entre 2009 e 2011”. Ele acredita que isso tenha alterado o foco da generosidade brasileira, porque esses doadores da classe média se concentram muito mais nas comunidades onde vivem e em “como seus recursos podem contribuir para amenizar ou resolver os problemas”. Além disso, a maior participação da classe média levou as comunidades a pressionarem “as empresas para que se tornem cidadãs locais, fazendo suas contribuições em nível local”.

Na região árabe, Atallah Kuttab vê uma vontade por parte do setor privado de disponibilizar mais dinheiro para as causas sociais se as ONGs se tornarem mais sérias na mensuração do impacto.

Investimento social – “mais retórica do que recursos”
Massimo Lanza fala do “crescente interesse no investimento social”, usando o que ele considera um capital acumulado e o espírito empreendedor da Itália, mas a maioria dos entrevistados acha que se fala mais do que pratica o investimento social.

Na Alemanha, Austrália e no Reino Unido, os governos têm tomado iniciativas para incentivar o investimento social. Houve experiências com títulos de impacto social na Nova Gales do Sul, iniciadas pelo governo do estado, e no Reino Unido, onde uma grande agência de empréstimo, a Big Society Capital, foi instalada. Michael Alberg-Seberich relata que o governo alemão criou um pequeno fundo (€ 15 milhões) para investir em empreendimentos sociais, juntamente com investidores privados. Volker Then observa “o início do interesse em investimento social / investimento em missão e no empreendedorismo social, mas em uma escala muito pequena. Tudo isso está em um estágio muito experimental”.

Christopher Harris vê “um pequeno aumento no número de fundações que fazem investimentos relacionados ao social” nos EUA, mas o investimento de impacto “parece ser muito mais retórico do que de recursos”. Boris Strečanský vê uma oportunidade crescente, ainda não totalmente assumida, para abordagens híbridas que combinam generosidade com investimento social.

“Uma falta de imaginação?

Peter Laugharn observa que “na crise atual a contribuição mais útil das fundações talvez seja uma combinação de dois de nossos pontos fortes: visão de longo prazo e compromisso, e flexibilidade em curto prazo”. É discutível se esses pontos fortes foram empregados de forma efetiva. O que parece claro é que as fundações não adotaram totalmente formas radicalmente novas de trabalhar, em resposta às circunstâncias de mudança na economia que elas enfrentam.

Seria justo chamar isso de “falta de imaginação”, como Barry Knight faz? “É muito fácil viver em uma bolha”, ele diz, “especialmente se você tiver uma dotação. O campo não tem qualquer desafio externo significativo”. Christopher Harris sumariza de uma forma um pouco mais branda: “a principal questão para a filantropia, eu creio, é a lentidão da maioria em repensar como realizarão suas missões em condições que mudam tão drasticamente. Embora algumas fundações tenham assumido abordagens muito impressionantes e criativas, muito poucas têm vontade de considerar mudanças mais audaciosas e substanciais para a forma tradicional de fazer negócios”.

Alguns desafios chaves para os setores de filantropia no mundo

• Aumentar o impacto. Volker Then, Massimo Lanza e Vanessa Meachen observam a necessidade de se concentrar no impacto e melhorar sua mensuração. Atallah Kuttab enfatiza sua importância para os potenciais doadores corporativos na região árabe.
• Alcançar escala. As fundações não dispõem dos recursos para dar conta dos problemas que suas sociedades enfrentam. Isso sempre foi verdade e é mais verdade ainda hoje em dia. Trabalhar mais uns com os outros e com parceiros de outros setores é uma resposta.
• Foco na desigualdade e na mudança social. Ingrid Srinath, Maria Chertok e Marcos Kisil gostariam de ver um foco maior na mudança social de longo prazo. “A filantropia brasileira ainda precisa passar de um modo de caridade para um investimento social que seja estratégico e gere o impacto necessário”, diz Kisil. Tanto Massimo Lanza quanto Michael Alberg-Seberich acha que as fundações deveriam se focar mais na pobreza.
• Atitudes do governo. Como Halima Mahomed e Ingrid Srinath observam, as atitudes do governo de oposição ou crítica podem dificultar a existência de uma sociedade civil vigorosa e efetiva.
• Falta de um ambiente legal e fiscal favorável. Observado por Marcos Kisil, Akwasi Aidoo, Halima Mahomed e Atallah Kuttab. Aidoo fala das “políticas fiscais incapacitantes, que não dão qualquer incentivo para que o contribuinte da classe média da África doe para tratar das necessidades sociais”.
• Falta de dados. Uma questão mencionada por Ingrid Srinath e Halima Mahomed, entre outros, a falta de dados pode impedir o desenvolvimento de uma resposta harmoniosa para os problemas.

A Alliance gostaria de agradecer às seguintes pessoas por suas contribuições para este artigo:
Akwasi Aidoo- África
Michael Alberg-Seberich- Alemanha
Maria Chertok- Rússia
Alan Fowler- África do Sul
Christopher Harris- EUA
Marcos Kisil- Brasil
Barry Knight- Reino Unido
Atallah Kuttab- Região árabe
Massimo Lanza- Itália
Janet Mawiyoo- Quênia
Peter Laugharn- EUA
Halima Mahomed- África do Sul
Vanessa Meachen- Austrália
Timothy Ogden- EUA
Ingrid Srinath- Índia
Boris Strečanský- Eslováquia
Volker Then- Alemanha

Nossos agradecimentos especiais à contribuição de Vanessa Meachen da Filantropia Austrália, que não participa do conselho editorial da Alliance.

*Andrew Milner é editor associado da Alliance.
Email [email protected]
*Caroline Hartnell é editora da Alliance.

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