Conceito de investimento social privado avançou nos últimos cinco anos

Por: GIFE| Notícias| 22/11/2004

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Em outubro, durante o Encontro GIFE 2004, o presidente Hugo Barreto e os então diretores Rebecca Raposo e Judi Cavalcante anunciaram a transição na direção executiva da organização, definida em comum acordo com o Conselho Diretor.

Desde 1999, o GIFE contou com a direção executiva da socióloga Rebecca Raposo. Formada pela George Washington University, ela vinha de uma carreira de cerca de 10 anos na área social, tendo sido analista no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e gerente de projetos da Vitae – Apoio a Cultura, Educação e Promoção Social.

Judi Cavalcante ingressou no GIFE como gerente de comunicação, em 2000, e dois anos depois assumiu o cargo de diretor executivo adjunto da organização. Formado em jornalismo pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), já havia trabalhado com comunicação institucional no terceiro setor, em órgãos públicos e universidades.

Em entrevista ao redeGIFE, eles falam sobre o desenvolvimento do tema investimento social privado, as principais realizações do GIFE nestes cinco anos e sua importância nacional e internacionalmente, além da evolução do Marco Legal do terceiro setor no Brasil.

redeGIFE – Como vocês vêem o desenvolvimento do tema “”Investimento social privado”” neste tempo de trabalho no GIFE?
Rebecca Raposo – Vou me reportar à perspectiva histórica. A expressão investimento social nasce junto com o GIFE – ela consta do código de ética, o primeiro documento aprovado pela mesma assembléia que instituiu o Grupo. Mas na realidade, naquela época (abril de 1995), não era ainda um conceito, mas sim uma expressão. O que se desejava era deixar claro que a rede GIFE se diferenciava do conceito de filantropia. O que tive o privilégio de fazer no início da minha gestão na direção executiva – até então eu participava do GIFE na qualidade de associada como membro da equipe técnica da Vitae – foi focar todo o trabalho do GIFE nesse conceito. Para isso, era preciso melhor defini-lo. Judi, como bom comunicador, foi de grande colaboração. Definimos o conceito com mais precisão e desenvolvemos uma estratégia de três anos para sua disseminação e fixação. Os resultados conquistados até aqui me permitem afirmar que deu certo.
Judi Cavalcante – O conceito avançou bastante na sua clareza, compreensão e, especialmente, utilização por parte do terceiro setor e da mídia quando se quer referir à ação social de institutos e fundações empresariais e até mesmo de empresas. Isso quando analisamos a evolução do conceito de ISP numa perspectiva histórica, tendo como marco inicial o primeiro Congresso GIFE realizado em Vitória (ES) em 2000. Foi ali que, por inspiração da Rebecca e muita reflexão interna, o GIFE passou a denominar o foco de sua atuação como sendo o ISP. Há um dado interessante sobre a utilização do conceito no plano internacional. Lá fora, essa ação da empresa é denominada exclusivamente como sinônimo da responsabilidade social empresarial, sem qualquer distinção entre os aspectos estratégicos e operacionais do ISP frente aos outros itens da agenda da RSE. Entretanto, quando há referência ao Brasil, com destaque para citações à pauta do Ethos e do GIFE, o conceito de ISP desenvolvido no país vem sendo utilizado com bastante clareza e aceitação, mesmo em centros de estudos acadêmicos.

redeGIFE – Quais são as suas perspectivas sobre a utilização deste conceito daqui pra frente?
Rebecca – Embora ainda se utilize a expressão responsabilidade social para denominar a ação da empresa na relação com a comunidade, já vemos com freqüência o uso da expressão investimento social privado nos balanços sociais mais elaborados. Com um pouco mais de trabalho de fixação do conceito de ISP acho que sua utilização se tornará irreversível. E essa diferenciação é de suma importância. Não porque o conceito foi desenvolvido pelo GIFE, mas sim pelas implicações que a falta de clareza – em particular quando se misturam as finalidades públicas com as de interesse privados – pode ter na melhoria do marco regulatório. Se nós da sociedade civil não damos clareza para o Estado, como ele vai reconhecer o que é legitimamente interesse público? Vamos esperar uma lei? Por que não tratamos de fazer isso nós mesmos?
Judi – Apesar do avanço histórico, duramente conquistado à base de muita reflexão, é preciso que se dê continuidade a um trabalho de se buscar maior compreensão e consistência prática por parte das empresas que estão iniciando ou querem ampliar suas ações na área social ou até mesmo junto àquelas corporações que já estão na estrada social há algum tempo, mas que ainda reproduzem na sua ação social algumas confusões conceituais. Isso é fundamental, pois uma prática sem consistência conceitual, sem reflexão, tende a se tornar, em si mesma, apenas boa gestão de projeto social, eficiente até, mas que não visa ao maior objetivo do ISP que é a transformação social. O GIFE e sua rede têm tido um papel essencial nessa missão, seja pelo constante aprimoramento da reflexão sobre a prática, seja pelo fato de cada vez mais essas organizações realizarem um trabalho prático exemplar, o que serve de benchmark e apoio a novos investidores sociais, no Brasil e na América Latina.

redeGIFE – O que vocês destacam como as principais realizações do GIFE neste período em que estiveram na organização?
Rebecca – O aprimoramento e a disseminação do conceito de ISP é a maior de todas elas. Destacaríamos também os pequenos, mas significativos avanços no marco regulatório; o crescente sucesso dos congressos GIFE, seja no formato, seja no conteúdo; o reposicionamento do GIFE e de sua rede de associados como atores sociais relevantes e importantes interlocutores nas arenas social e política brasileiras e a profissionalização da estrutura organizacional do GIFE. São realizações que ocorreram ao longo desse período em que estávamos à frente da diretoria executiva, mas são resultados coletivos, para os quais contribuíram de forma decisiva todos aqueles que compõem o GIFE – parceiros, financiadores, Conselho Diretor e, com destaque especial, a equipe técnica e os associados.

redeGIFE – O GIFE vem atuando fortemente na questão do Marco Legal do terceiro setor. Qual a importância deste envolvimento?
Judi – Por iniciativa de Evelyn Ioschpe e Neylar Villar Lins (primeira e segunda presidente do GIFE, respectivamente), a mudança do marco legal sempre foi uma das principais bandeiras que o GIFE portou desde sua origem. Apesar dos avanços conquistados, notadamente com a Lei das Oscips, o ambiente legal, fiscal e tributário existente hoje no Brasil ainda é um obstáculo ao ingresso de mais investidores privados na área social. Atuar pelo aprimoramento desse marco regulatório faz parte do cumprimento da missão do GIFE. Afinal, torna-se muito difícil disseminar a prática do ISP e atrair mais empresas para a área social se o ambiente legal é um cipoal de leis e de recolhimento de tributos.

redeGIFE – Quais as principais conquistas feitas até agora?
Judi – Nesse período, mais precisamente nos últimos dois anos, sob liderança de Léo Voigt, com apoio imprescindível da Fundação Ford e de alguns associados e a colaboração do advogado Eduardo Szazi, o que fizemos foi dar maior organicidade e estruturar a estratégia de atuação do GIFE, estabelecer foco e articular as ações da organização e de sua rede para atingir objetivos. Simplesmente não queríamos inventar a roda. Isso trouxe como resultado um conhecimento prévio dos embates que estão sendo travados nos bastidores políticos e maior produção de conhecimento sobre o marco regulatório do terceiro setor brasileiro. Do ponto de vista concreto, pode-se ter a falsa impressão de que o GIFE não alcançou nada. Mas, quando olhamos para os objetivos que constam da estratégia traçada, se constatará que avançamos em muitos aspectos. Como resumo dos avanços conquistados citaria as publicações e pesquisas que realizamos sobre o tema e o reconhecimento que o GIFE tem hoje junto às lideranças políticas, tanto de Legislativo quanto do Executivo federal.

redeGIFE – O que vocês esperam de evolução nesse campo?
Judi – Para falar de perspectiva futura é necessário, apenas para efeito de análise, separar os campos de articulação. No campo político, é necessário ampliar a articulação junto ao Congresso Nacional e ao Governo Federal, consolidando o espaço político conquistado para o GIFE. Outro ponto dessa articulação é o diálogo com outras organizações representativas do terceiro setor, com destaque para a Abong. GIFE e Abong conquistaram, separadamente, grande poder de voz na arena política. O próximo passo agora é unir forças, atuar naquilo que nos aglutina, deixando para um outro momento nossos pontos de divergência. Não proponho escamotear nossas diferenças, mas simplesmente nos fortalecer atuando naquilo que nos une, para tornar fortes os campos da sociedade civil aos quais, reconhecidamente, estamos legitimados a representar. Na nossa opinião, essa estratégia vale para outras redes e organizações associativas do terceiro setor com as quais o GIFE se relaciona ou venha a se relacionar. No campo interno é necessário um trabalho mais articulador junto aos associados. Cada vez mais os sócios do GIFE estão entendendo que os benefícios diretos para suas organizações advindos do aprimoramento do marco legal são apenas conseqüência de um fortalecimento maior da sociedade civil brasileira.

redeGIFE – Qual o papel do GIFE no terceiro setor brasileiro e internacional hoje?
Rebecca – No cenário brasileiro, estou convencida que o GIFE tem uma enorme responsabilidade na qualificação do verdadeiro investimento social privado. O crescimento do envolvimento das empresas nas questões sociais é uma enorme oportunidade de avanço social, seja pelo aporte de recursos de conhecimentos trazidos pelo mundo empresarial, seja pelos recursos financeiros de que tanto precisamos. Entretanto, se deixarmos que as estratégias de marketing se sobreponham, estaremos perdendo esta excelente oportunidade de avanço para todos, inclusive para as empresas, pois num ambiente melhor e mais justo, mais negócios se fazem. Quanto ao cenário internacional, o GIFE virou referência latino-americana. Essa posição deve ser utilizada para mostrar o que se passa na América Latina e ajudar a trazer novos aliados, novos parceiros, novas tecnologias e novos recursos financeiros. No mundo, nada mais se faz de maneira isolada. Toda ação local ou regional deve estar conectada. Organizações setoriais, como o GIFE, estão em posição privilegiada para fazer essas conexões.
Judi – O GIFE é hoje a principal referência, no Brasil e no exterior, no que tange à produção de conhecimento e à prática do ISP. São inúmeros os elementos concretos a abalizar essa afirmação, entre eles destaco: o número de visitas ao site da organização, os convites para palestras e produção de artigos em publicações de destaque nacional e internacional e o fato de o GIFE ser fonte reconhecida junto aos principais veículos de comunicação brasileiros que cobrem o terceiro setor.

redeGIFE – Qual a importância da produção de conhecimento para uma organização como o GIFE?
Rebecca – Planejamos, objetivamos e nesse período demos largos passos no sentido de constituir o GIFE num modelo diferente de organização. Temos dois pilares que sustentam a instituição e que precisam estar em constante equilíbrio: a defesa da causa – o advocacy do ISP – e os serviços aos associados, mas voltados para a causa. No modelo que planejamos, a geração de conhecimento é um elemento essencial. Isso porque estruturamos o desenvolvimento da organização naquele esquema piramidal, em que na base situam-se as pessoas e organizações que produzem e coletam dados. No estágio do meio localizam-se aqueles que, a partir dos dados, produzem informações. E no topo situam-se aqueles que, por um conjunto de ferramentas, metodologias e muita reflexão, transformam as informações em conhecimento. O GIFE situa-se hoje neste último estágio de ingresso no topo da pirâmide. Agora, por ser uma organização associativa e em respeito à missão que o GIFE se autodeterminou, sempre procuramos estabelecer um equilíbrio entre os dois pilares: conhecimento-advocacy e serviços aos sócios. Não é fácil, pois embora as duas agendas estejam muito conectadas, elas acontecem em tempos muito distintos, com competências e custos diferentes, mas na prática, tudo tem que acontecer com a mesma equipe e dentro de um único orçamento. Um certo malabarismo e muita criatividade são necessários. Agora, estamos convencidos de que só é possível se atingir um melhor equilíbrio entre esses pilares com muito planejamento e visão de longo prazo.

redeGIFE – E sustentabilidade financeira desse modelo?
Judi – Por ser organização meio, de infra-estrutura, a sustentabilidade é o grande desafio do GIFE. As atividades e os produtos de uma organização que atua na ponta, no atendimento direto a uma causa social, são mais concretos, têm resultados mais visíveis. Nesse sentido, é mais tranqüilo para os financiadores, especialmente os brasileiros, aportar recursos para essas organizações.
Rebecca – Captar recursos é um desafio para qualquer ONG, mas é muito mais difícil “”vender”” o GIFE. Como é uma organização associativa, todos imaginam que os associados cobrem 100% das receitas da organização. Mas a realidade não é essa, nem no GIFE, nem em qualquer outra organização associativa de fundações do mundo. O desenho financeiro de organizações similares ao GIFE, seja nos EUA ou na Europa, seja na América Latina ou em países da África, é o mesmo e se baseia em três fontes: contribuição dos associados, vendas de serviços e captação internacional via financiamento de projetos. É preciso fazer um reconhecimento e gostaria de aproveitar esta oportunidade e agradecer aos associados que vêm cada vez mais compreendendo isso e apoiando financeiramente o GIFE para além da contribuição associativa.

redeGIFE – Após este período na direção executiva do GIFE, quais são os seus desafios profissionais?
Rebecca – O que quero fazer eu sei: fazer mais do mesmo. Isso porque tenho absoluta convicção que a sociedade pode melhorar a partir do nosso trabalho, da colaboração de cada um. A questão que se coloca agora é como fazer isso daqui para frente. A geração e sistematização de conhecimento permanecem como um dos meus principais campos de interesse. O segundo ponto é apoiar o investidor social privado diretamente, voltando para a ponta, de onde saí e de onde sinto muito falta. O trabalho de campo é alimentador, revitaliza nossa perseverança, que é a ânima do trabalho social. E agora me sinto mais fortalecida ainda pelo riquíssimo período no GIFE. Pretendo conectar mais ainda o global com o local e colocar a serviço das organizações sociais todo o aprendizado internacional com a experiência brasileira. Imagino que uma fusão desses saberes deverá ser muito útil para o setor.
Judi – Esse período no GIFE foi extremamente rico, amadureci muito profissionalmente. Estou bastante satisfeito por ter participado dessa etapa na trajetória da organização e deixar o GIFE com uma base muito sólida para um salto qualitativo e para um novo ciclo de crescimento. Hoje me sinto capacitado e apto a dar novas contribuições ao terceiro setor e às empresas que desejam adotar os princípios da responsabilidade social como modelo de gestão corporativa. Pretendo fazer isso em dois patamares: no campo da prática cotidiana e no reflexivo. Para isso estou planejando desenvolver alguns trabalhos no Brasil e estudos nessa área em outros centros em que a temática está bastante avançada, como é o caso dos EUA e da Inglaterra.

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