Conciliar preservação e geração de renda é desafio para empresas e organizações

Por: GIFE| Notícias| 14/06/2004

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

ALEXANDRE DA ROCHA
Subeditor do redeGIFE

Um dos desafios de empresas e ONGs que decidem criar e manter unidades de conservação é conciliar a preservação dos recursos naturais com a geração de renda para as comunidades que vivem nessas áreas.

“”Há muitas formas para buscar renda e melhoria da qualidade de vida tendo como pressuposto o respeito à legislação e o uso do diferencial da conservação da natureza, agregando valor ao que estiver sendo produzido em regiões protegidas. No caso das unidades de conservação, deve preponderar a finalidade da preservação destas áreas acima de todas as outras questões””, afirma Clóvis Borges, diretor executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem (SPVS).

A legislação brasileira divide em duas categorias as áreas de conservação ambiental. Nas Unidades de Proteção Integral, como é o caso dos parques nacionais e reservas biológicas, não é permitida a presença de populações humanas. Nesses espaços não é possível conciliar a atividade econômica de extração de recursos naturais com a preservação.

“”O objetivo dessas unidades é a continuidade dos processos naturais, garantindo a conservação da biodiversidade, da paisagem e dos serviços ambientais, como, por exemplo, a manutenção do equilíbrio climático e da qualidade da água ou do solo””, conta Maria de Lourdes Nunes, gerente técnica-administrativa da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza. Segundo ela, 3% do território brasileiro está declarado como protegido e não permite o uso dos recursos naturais

Já nas Unidades de Uso Sustentável, a presença humana é permitida. Seu objetivo é exatamente compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos recursos naturais. Para o colombiano Aurélio Ramos, diretor da The Nature Conservancy, na maioria das situações isso é possível, desde que haja um planejamento sério e muito criterioso.

“”A melhor forma de minimizar os riscos é ter claro as metas e os passos a seguir em cada etapa. Deve-se incluir variáveis ambientais, sociais, financeiras, administrativas, tecnológicas e de mercado. A elaboração de um plano de negócios desde o início é fundamental para que um pequeno risco não torne o projeto inviável””, alerta.

A opinião é compartilhada por Myriam Mousinho Furtado Gomes, coordenadora de negócios em conservação da Conservation International do Brasil. “”A partir de análises biológicas, ecológicas e culturais, é possível estabelecer quais as melhores atividades que devem ser desenvolvidas. Estes estudos são importantes para a identificação de alternativas do ponto de vista ambiental, econômico e social.””

Myriam cita como exemplo o projeto de geração de emprego e renda aliado à conservação ambiental que sua organização vem desenvolvendo no sul da Bahia, em parceira com o Instituto de Estudos Sócio-Ambientais do Sul da Bahia (IESB). A iniciativa apóia pequenos produtores para a recuperação das plantações de cacau nas áreas infectadas com a doença conhecida como vassoura-de-bruxa.

Com a praga, muitos agricultores derrubavam a mata. Com a recuperação foi possível conservar as plantações de cacau, agora enriquecidas com outras arvores de espécies da Mata Atlântica. Isto consolidou duas cooperativas de produtores rurais e propiciou o lançamento no mercado de palmito orgânico de açaí e pupunha, frutas secas cristalizadas e cacau orgânico. Mais de 150 famílias são beneficiadas e a preservação da Mata Atlântica na região é garantida.

Salto Morato – Outro exemplo que alia conservação do meio ambiente e geração de renda acontece na Reserva Natural Salto Morato, localizada em Guaraqueçaba (PR). Mantida pela Fundação O Boticário, ela possui uma rica biodiversidade, que pode ser demonstrada pela ocorrência de 45% das espécies de aves, 48% das espécies de mamíferos e 20% das espécies de répteis registradas no estado do Paraná, além de 19 espécies de anfíbios e 38 de peixes. Toda essa variedade desperta o interesse de pesquisadores, que procuram a reserva para a realização de teses de doutorado, dissertações de mestrado, monografias e pesquisas científicas.

Desde seu início, a preservação da Reserva dependeu da conscientização dos moradores vizinhos da Vila Morato. Para Maria de Lourdes Nunes, gerente da fundação, os habitantes das regiões próximas a unidades de conservação estão mais acostumados a receber o beneficio do que a construí-lo, pois as políticas são normalmente compensatórias e assistencialistas, não estimulando o empoderamento da comunidade para que busque seu próprio futuro com responsabilidade no processo.

“”A conscientização da comunidade é um processo longo e afeta todo um conjunto de valores referentes às relações homem-natureza. É preciso internalizar o projeto e sentir os benefícios para querer mudar a forma de relação com a natureza. A aceitação das regras se dá quando a comunidade entende que a proteção de determinada área ou recurso natural pode garantir renda ao local e a ela diretamente.””

Como a principal fonte de renda dos moradores da Vila Morato sempre foi a extração de palmito e a caça predatória, a fundação criou oportunidades para o desenvolvimento de uma atividade alternativa que pudesse não só garantir o sustento, mas também proporcionar a melhoria na qualidade de vida: o artesanato. A comunidade recebeu orientações para a fabricação de cestas em fibras naturais, a partir de matérias-primas comuns na região e facilmente renováveis. A fundação tem como um de seus objetivos, agora, criar também condições para a escolarização de todos os membros da Vila Morato.

Outra experiência da fundação nesse sentido é o Fundo de Apoio a Projetos de Ecodesenvolvimento, realizado em parceria com a Fundação Interamericana (IAF). O projeto financia organizações que desenvolvam ações que aliam esforços ambientais e sociais, gerando alternativas sustentáveis de renda e, principalmente, modelos para outras iniciativas.

Quatro projetos estão em andamento. No Acre, por exemplo, a fundação financia a produção de sementes florestais nativas, por meio da qual 41 mil famílias aprenderam a agregar valor ao produto – fabricando óleos, por exemplo – e já foi feito um mapeamento de todas as árvores nas regiões de Porto Dias e São Luiz do Remanso.

Clóvis Borges, da SPVS, acredita que uma melhor conceituação da população sobre a importância da conservação e o que significa conservar a natureza é um ponto fundamental. “”Apesar de haver um posicionamento amplo da sociedade favorável a conservação da natureza, pouquíssimos dispõem de elementos para colocar isto em prática.””

Para ele, aliar conservação e geração de renda não é uma exceção à regra ou algo dispensável como tem sido tratado o tema ao longo da história. “”Projetos consistentes, que respeitam princípios da conservação da natureza, representam um ensinamento aos que perenizam o uso convencional dos recursos naturais, geralmente truculento e com resultados muito negativos para o coletivo da sociedade.””

Associe-se!

Participe de um ambiente qualificado de articulação, aprendizado e construção de parcerias.

Apoio institucional