Consciência Negra: combate ao racismo estrutural ainda é maior desafio

Por: Fundação FEAC| Notícias| 21/11/2022

O dia 20 de novembro é uma afirmação de protagonismo histórico do povo negro, já que a data marca o dia da morte de Zumbi dos Palmares

“O Dia da Consciência Negra (20/11) coloca em evidência a pauta racial de forma potente e reflexiva para que a sociedade brasileira, que tende a achar que consciência não tem cor, perceba que as vidas negras é que são dizimadas e que isso vem sendo naturalizado há séculos no país.” A afirmação é da pedagoga formada pela Unicamp Jacqueline Damazio, gestora do Centro de Referência em Direitos Humanos e Combate ao Racismo e à Discriminação Religiosa, de Campinas, em entrevista à Fundação FEAC.

Ela destaca a importância da data e de se promover esse debate, que em Campinas se estende ao longo de todo o mês de novembro, para que o tema se amplie e atinja o racismo institucional e estrutural que se manifesta em diferentes espaços e contextos. “As pessoas lidam diariamente com o preconceito, dentre eles o racial, com ideias preconcebidas sobre raça, geralmente com uma conotação negativa, inferiorizada e desigual. Com isso a naturalização da violência, a seletividade penal, o encarceramento, especialmente da juventude negra, a violação de direitos como a dificuldade de acesso à saúde, cultura, esporte, lazer, educação e ao mercado de trabalho se tornam algo normal e ‘aceitável’ pela sociedade,” diz Tatiane Zamai, líder do Programa Juventudes, da FEAC.

É o que confirma a pesquisa do Instituto Ethos, que analisou o perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e mostrou que a sub-representação da população negra (formada por pretos e pardos) é a mais acentuada desde o estágio, onde eles são minoria, com 28,8% das vagas, até os cargos de gerência (6,3%). Esse dado está longe de refletir a sociedade brasileira, em que negros representam 56,2%, segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, pontua Tatiane. “Diante disso, temos de levar em consideração que o Brasil precisa avançar e muito em relação às políticas públicas de ações afirmativas como um todo e nossa expectativa é que isso seja uma prioridade também no novo governo.”

Na mesma linha, a gestora Jacqueline defende que as políticas públicas de ações afirmativas também precisam alcançar o setor privado. “Temos de trazer essa pauta para dentro das instituições privadas. As vagas afirmativas devem estar presentes em todos os segmentos da nossa sociedade. Porque é a maneira de avançarmos também na questão das desigualdades sociais”, pontua. Jacqueline acrescenta que o fato de jamais ter havido uma compensação ao povo negro pós-abolição da escravatura exige que o país “construa um presente que priorize políticas que coloquem pessoas negras em condições de equidade com pessoas não negras”.

Zumbi dos Palmares: retomada do protagonismo negro

O 20 de novembro em si é uma afirmação de protagonismo histórico do povo negro, já que a data, instituída por lei federal em 2011, marca o dia da morte de Zumbi dos Palmares (1655-1695), e desbancou o 13 de maio (data em que a princesa Isabel assina a Lei Áurea) como marco da luta por liberdade, direitos e igualdade no Brasil. Zumbi tornou-se figura heroica e emblemática da luta histórica contra a escravidão. Símbolo mais forte da resistência, o Quilombo dos Palmares, que é do século 17, resistiu durante 100 anos ao avanço das forças coloniais.

Assim como Palmares, a resistência quilombola aconteceu em todo o território nacional e foi uma das formas mais agudas de oposição à escravização. “No entanto, esse conjunto de situações foi ocultado pela historiografia oficial, que só narra a história dos vencedores, dos opressores, dos grupos hegemônicos”, afirma a filósofa e fundadora do Instituto Geledés, Sueli Carneiro, em entrevista à TV Senado.

“Toda essa tradição de resistência e luta contra a escravidão, o racismo e a discriminação é uma história que foi apagada. O resgate dessas experiências cada vez mais faz parte das estratégias dos movimentos negros contemporâneos. Ou seja, todos esses saberes sepultados estão retornando graças a uma estratégia vigorosa dos movimentos negros”, conta a filósofa. (leia mais e assista à entrevista no box).

A voz negra na política

Os deputados federais que se autodeclaram pretos e pardos eleitos nas eleições de 2022 representarão 24,6% dos parlamentares que, a partir de 2023, ocuparão as 513 cadeiras na Câmara dos Deputados. O número corresponde a um aumento de 9%, em relação a eleição de 2018, quando 124 candidatos negros conseguiram uma vaga. Dos 513 eleitos para próxima legislatura (2023-2026), 135 se autodeclaram negros. Neste ano, as candidaturas negras aumentaram 14% em comparação a 2018.

Além da Câmara, as eleições deste ano também foram responsáveis por selecionar 27 parlamentares para o Senado, enquanto, em 2018, 54 senadores foram eleitos. Dos 81 assentos destinados ao Senado, 20 são ocupados por negros – seis deles eleitos em 2022. O número representa 24% das cadeiras.

Apesar de mais presentes dentro do cenário político atual, os candidatos que se autodeclaram negros e pardos ainda têm menos acesso a recursos para as campanhas e estão longe de representar a sociedade e a legítima parcela de 52,6% da população nacional, conforme registrou o IBGE.

Patrimônio imaterial

Entre as questões básicas da pauta racial que precisam ser olhadas com atenção está o reconhecimento do patrimônio imaterial da cultura afrodescendente. Para isso é preciso garantir a valorização das comunidades tradicionais, grupos culturais e folclóricos e também o cumprimento de leis que já existem.

Jacqueline Damazio lembra a importância da Lei nº 10.639, de 2003 – lei federal voltada para a valorização da história e cultura afro-brasileira –, que até hoje as escolas têm muita dificuldade de incluir em seu repertório pedagógico e desenvolver junto às turmas de alunos.

“Essas manifestações culturais geram nas pessoas esse sentimento de identidade, continuidade, pertencimento e contribui para promoção do respeito à diversidade cultural e criatividade humana. Este é o momento de estarmos pensando nessa questão cultural que é a base da nossa sociedade. Não podemos deixar para trazer essas contribuições negras culturais só no mês de novembro. Espero que a próxima gestão federal nos dê base, garantias e condições para que o combate ao racismo se estenda ao longo de todos os dias do ano”, conclui.

Mito da democracia racial: “Os negros estão reclamando do quê?”

O mito da democracia racial é uma das ideologias mais perversas e perfeitas, do ponto de vista de sua capacidade de produzir efeitos deletérios sobre um determinado grupo, analisa a filósofa e ativista antirracista Sueli Carneiro, em entrevista à TV Senado. Ela afirma que, do ponto de vista legal, no Brasil somos todos iguais perante a lei e essa é uma garantia forte quando comparada à segregação legal que existiu nos Estados Unidos, ou ao apartheid legal, na África do Sul.

Sueli lembra que esses países sempre foram usados aqui no Brasil como exemplos que comprovam a ausência de segregação legal ou qualquer forma de discriminação racial a pessoas negras ou indígenas no Brasil. “E essa falsa ideia se constituiu no instrumento que assegurou que a experiência de discriminação racial fosse generalizada na sociedade, sem que se pudesse buscar amparo legal para combatê-la. Afinal, legalmente não há discriminação no Brasil. Então, os negros estão reclamando do quê?”, ironiza Sueli Carneiro.

Por Natália Rangel

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