Construções compartilhadas
Por: GIFE| Notícias| 15/07/2011Beatriz Lomonaco e Thais Garrafa*
Além de partilhar esse indivíduo que num lugar se chama aluno e no outro, participante, criança ou educando, ONGs e escolas compartilham, sobretudo, o objetivo de educar. Mais que isso, escolas e ONGs pretendem educar da melhor maneira possível. Entretanto, ainda que fins e motivos sejam os mesmos, esse diálogo não tem sido fácil (quando existe…). ONGs criticam a rigidez e falta de escuta das escolas, ao passo que escolas desconfiam do caráter educativo do trabalho das ONGs
Ao longo de seus 5 anos de atuação, a Fundação Tide Setubal tem se inquietado com essas e várias outras questões e busca soluções no sentido da convergência e da soma de ações. Vários dos projetos da instituição trabalham em parceria com as escolas e, algumas vezes, nas escolas. Dessa experiência, quatro pontos se destacam e serão discutidos a seguir:
1) valorização da potência da equipe escolar;
2) abertura para o território;
3) investimento nas relações humanas;
4) ênfase na aprendizagem, sobretudo, no letramento.
A complexidade inerente à situação de vulnerabilidade de muitos alunos e do próprio território onde as escolas se situam impacta educadores de diferentes formas, geralmente traduzida como impotência, culpabilização das famílias ou do sistema escolar. Os profissionais da Fundação procuram valorizar a potência da equipe escolar, apresentar alternativas de ação e trabalhar para que os professores se impliquem fortemente na aprendizagem dos alunos.
A entrada das ações nas escolas tem exigido muito diálogo com a direção e coordenação pedagógica. Nesse sentido, a equipe da Fundação aposta na importância de conhecer os projetos já desenvolvidos na instituição, a quantidade de intervenções já realizadas na escola, bem como as diversas tentativas de solucionar os problemas existentes. Nesse contexto, valoriza a equipe escolar e procura fazer com que a intervenção desenvolvida ocupe um lugar estratégico ao potencializar as demais iniciativas. Alguns projetos da Fundação desenham sua intervenção a partir das demandas escolares e constroem com as equipes docentes o desenho das atividades, o que provoca variações no modo como o projeto acontece em cada escola.
Procura-se também integrar as atividades propostas aos mecanismos institucionais existentes, como é o caso do PEA (Projetos Estratégicos de Ação) das escolas municipais. O PEA é um conjunto de ações que se articulam em torno de um tema escolhido a cada ano para sustentar a proposta pedagógica da escola por meio de projetos. Ao inserir uma ação nesse contexto, as atividades são reconhecidas em sua importância para a instituição e podem ser previstas no cronograma escolar. A formação configura-se, portanto, como um investimento da escola em seus professores.
O constante diálogo com a coordenação pedagógica da escola é elemento fundamental para a sustentação da proposta e o envolvimento da instituição. A importância de respeitar o tempo e a rotina da escola também se apresenta como um elemento fundamental no diálogo e na construção conjunta.
Incentivando as práticas que consolidam a educação integral, os projetos da Fundação investem na possibilidade de educadores e educandos aprofundarem seu olhar para o território – conhecerem o entorno, suas questões e seus recursos. Seja em um projeto de preservação da memória do bairro, seja em uma iniciativa de comunicação, jovens e professores se comprometem com a produção de conhecimentos sobre o lugar onde habitam, construindo uma rede de trocas.
Os relatos de conflitos entre jovens na escola, entre educadores e alunos e entre diretores e pais tornaram-se cotidianos e impuseram aos projetos da Fundação a necessidade de investir significativamente na melhoria das relações humanas no espaço escolar. Pode-se dizer que essa é uma marca importante das ações da Fundação Tide Setubal junto às escolas de São Miguel Paulista. Fortemente ancorada nas ideias da educação para a convivência e sustentada por valores como respeito, tolerância e valorização da diversidade, a Fundação, de diferentes maneiras, procura intervir na possibilidade de redimensionar a relação entre professores e jovens, de modo a ampliar oportunidades.
Esse é o caso, por exemplo, de um projeto que procura ampliar a capacidade de continência dos educadores para as questões da adolescência, com o objetivo de fortalecer o lugar do professor como referência para os jovens, facilitar o diálogo e minimizar os conflitos. Ou de um outro, no qual professores e alunos, no mesmo grupo, envolvem-se em um processo de trabalho conjunto para produzir jornais, rádios ou TVs comunitárias. Ao trabalhar a construção de blogs e os registros fotográficos, por exemplo, outro núcleo de trabalho também aborda os conflitos de geração que emergem quanto ao uso da tecnologia, o que exige discussão nas atividades de formação com professores. A questão geracional também aparece ao longo de todo trabalho de outro projeto focado na memória local, sendo pauta das atividades.
O investimento feito pela Fundação nas relações humanas na escola não implica relegar a segundo plano a aprendizagem de conteúdos formais. Ao contrário, entende-se que criar condições para o diálogo e a convivência é condição para que se possa concentrar esforços no fortalecimento do papel do educador e na possibilidade dos jovens aprenderem.
A aprendizagem e, sobretudo, o letramento está no foco estreito do trabalho da Fundação com as escolas. As ações colocam forte acento nessa direção quando criam formas lúdicas e consistentes de envolver jovens e educadores em diferentes atividades de leitura e escrita. Não por acaso, as professoras de língua portuguesa têm se identificado com a proposta.
Cabe destacar também que as intervenções da Fundação Tide Setubal nessa esfera buscam potencializar as boas práticas de ensino-aprendizagem existentes nas escolas e, ao mesmo tempo, abrir espaço para a reflexão e questionamento a respeito de práticas de má qualidade. Não se pretende, em nenhum momento, ocupar o lugar do saber pedagógico que poderia ser transmitido à escola, com o intuito de melhorar o ensino. O trabalho da Fundação incide num plano mais abrangente, da intervenção institucional que visa colocar em circulação os saberes da equipe escolar, provocar o questionamento dos que respondem pelos problemas nessa esfera e estimular a busca por novos conhecimentos.
O caminho não é fácil nem tampouco inovador, mas alunos, professores e educadores sociais estão com as mãos cheias de pães e com a cabeça cheia de ideias!
Beatriz Lomonaco e Thais Garrafa são, respectivamente, coordenadora e analista de projetos do Núcleo de Gestão do Conhecimento da Fundação Tide Setubal.