CPI das ONGs tenta sobreviver

Por: GIFE| Notícias| 03/01/2008

Rodrigo Zavala

A Comissão Parlamentar de Inquéritos (CPI) que investiga o mau uso do dinheiro público repassado a variadas organizações não-governamentais, vinculadas ao governo federal, não vai para frente se depender da base governista. Criticada pelos especialistas na área e boicotada ostensivamente pelo governo – alvo das denúncias – a comissão tenta se manter em 2008.

Na última semana, foi anunciado um acordo que o presidente e o relator da comissão, os senadores Raimundo Colombo (DEM-SC) e Inácio Arruda (PC do B -RN), esperam formalizar no Senado. O documento tem o objetivo de garantir que o presidente da Casa, o senador Garibaldi Alves, e os líderes de todos os partidos que permitam o prosseguimento das investigações.

A iniciativa faz sentido. Afinal, senadores pró-CPI afirmam existir uma espécie de campanha para obstruir os trabalhos promovidos por colegas da base aliada. Quem estaria à frente dessa blindagem é o senador Sibá Machado (PT-AC), acusado de rejeitar a votação de requerimentos de convocação ou dos pedidos de informações de pessoas e entidades ligadas ao governo.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, no dia 30 de dezembro, o senador acreano, no entanto, minimizou as críticas. Segundo a reportagem, Machado alega que tem agido “”apenas para evitar a apuração de denúncias não fundamentadas””. “”Estou esperando que cheguem os documentos pedidos para que não venha à comissão ninguém que não deveria vir””, argumentou.

Enquanto isso, Inácio Arruda adverte que, apesar dos obstáculos, as investigações poderão continuar, graças ao grande número de denúncias recebidas de todo o país. São indícios de desvio de recursos, ineficiência, ausência ou irregularidades na execução dos trabalhos, que proliferam em organizações sociais associadas ao governo federal.

As discussões sobre a criação da comissão começaram no final de 2006, quando a ONG Contas Abertas fez uma denúncia ao jornal Folha de S.Paulo. Na reportagem, veiculada no dia 17 de setembro, a organização apontava que a ONG UniTrabalho – que tinha como colaborador o ex-petista Jorge Lorenzetti – teria recebido mais de R$ 18 milhões da União desde o início do governo Luiz Inácio Lula da Silva.

Na época, também pretendia-se incluir nas investigações a denúncia de que a Petrobras teria repassado pelo menos R$ 31 milhões para ONGs ligadas ao partido do governo. Pouco meses depois, o PT acenderia mais um sinal de alerta com as denúncias que ligavam a então líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), a supostas fraudes na Fetraf-Sul (Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul). De acordo com reportagem publicada na “”Veja””, a Fetraf-Sul recebeu R$ 5,2 milhões, entre 2003 e 2007, da União.

Pouca transparência – O que poderia ser uma prova de fé do governo federal, ao pedir mais controle sobre os repasses de dinheiro público a ONGs, Estados e municípios, foi deliberadamente afastada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A pretexto de dificuldades tecnológicas, o governo adiou em seis meses a entrada em vigor de mecanismos de controle e transparência dos repasses, que consomem cerca de R$ 140 bilhões por ano dos tributos arrecadados pela União.

Na prática, as novas regras, anunciadas em julho do ano passado com o objetivo de evitar desvio de verbas federais, só entrarão em vigor depois das eleições municipais.

O adiamento foi determinado por decreto assinado na última quinta-feira do ano pelo presidente e pelo ministro Paulo Bernardo (Planejamento), mas o governo nega que a decisão vise facilitar a liberação de dinheiro público no período eleitoral.

Segundo o jornal Folha de S.Paulo, dia 03 de janeiro, o pacote destinado a conter fraudes nos repasses voluntários de verbas da União -a maior parte objeto de emendas parlamentares – foi a principal resposta do governo às fraudes recorrentes, apontadas por investigações da Polícia Federal, auditorias da Controladoria Geral da União e relatórios do Tribunal de Contas da União.

Entre as principais mudanças previstas para conter as fraudes, o decreto proíbe a liberação de verbas federais a ONGs que tenham como dirigentes deputados, senadores, servidores públicos ou seus familiares. As entidades a serem beneficiadas também deverão ser previamente cadastradas.

Tudo é terceiro setor – Embora acreditem que as investigações sejam imprescindíveis para o combate à corrupção e pela lisura dos investimentos sociais do Estado, representantes do terceiro setor se preocupam com o despreparo e falta de tato dos senadores para conduzir a questão.

A comissão tem sido criticada por especialistas, convictos de que levará, invariavelmente, a uma criminalização generalista das entidades. “”A instalação é uma iniciativa política para fustigar o governo e não para trazer melhoria no relacionamento público-privado na área social””, afirma o advogado, especialista em terceiro setor, Eduardo Szazi.

“”Ademais, para infelicidade do setor, o nome da CPI, pela sua amplitude, coloca em dúvida a reputação do setor sem fins lucrativos que notoriamente tem contribuído para a construção de um país social e ambientalmente sustentável e economicamente justo””, critica.

Para o secretário-geral do GIFE, Fernando Rossetti, os casos investigados não devem ser encarados como regra, já que não refletem o diverso trabalho realizado pelas organizações sociais. “”O corruptor nesse caso é o Estado, que criou canais para que isso ocorresse””, critica.

O Estado, na visão de Rossetti, deve criar regras e acordos de como prestar contas de maneira mais transparente possível, porém, sem dificultar o trabalho das organizações sociais. “”Quando o Estado se mete a controlar, ele burocratiza o sistema. Isso poderia trazer conseqüências para o trabalho de pequenas entidades, que se tornariam inviáveis sem um amplo respaldo jurídico””, afirmou.

O presidente da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong), Sérgio Haddad, é da mesma opinião. Em discurso na última reunião da CPI (realizada em Brasília, dia 04 de novembro), quando depôs como convidado, declarou que “”não podemos incriminar todas as ONGs pelos erros cometidos por duas ou três organizações, assim como seria indelicado incriminar outros setores da sociedade, como o Congresso Nacional, por alguns maus exemplos de parlamentares””, declarou Haddad.

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