Crise econômica na América Latina atinge organizações sociais
Por: GIFE| Notícias| 25/11/2002ALEXANDRE DA ROCHA
Subeditor do redeGIFE
O aumento de 44% da pobreza e de 20% da indigência na América Latina em 2002, previsto no relatório Panorama Social 2001-2002, divulgado pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) no início de novembro, está atingindo em cheio as organizações da sociedade civil na região.
Esta é a opinião de diversos líderes de entidades sociais presentes na Reunião Regional sobre o Setor Filantrópico na América Latina e Caribe. Realizado no Brasil, na última semana, pelo Wings (Worldwide Initiatives for Grantmaker Support), com o apoio do GIFE, o encontro reuniu diretores executivos de associações e de redes de fundações doadoras de recursos de 12 países da região. Em alguns países, estas redes ainda estão em formação.
Fernando Castellanos, da Fundación Acac, do Uruguai, resume a afirmação de todos os dirigentes: “”Com a crise, a demanda das organizações aumenta. Porém, no mesmo caminho, os recursos diminuem””. Ele afirma que os recursos das entidades uruguaias vêm dos repasses do governo e das doações de pessoas físicas. Com a retração econômica, o montante oferecido por estas duas fontes está diminuindo.
Para Rubén Farfán, diretor da Fundación del Azúcar de Guatemala, as dificuldades são mundiais, mas afetam principalmente os países mais pobres. Neste cenário, ele acredita ser imprescindível um esforço por parte das organizações sociais para melhor aproveitar os poucos recursos que têm à disposição. “”Se você tem uma crise em sua casa, você prioriza ações, certo? O mesmo deve acontecer na área social. As entidades devem levantar o máximo de informações e ter claro onde investir para que os resultados sejam os melhores possíveis””, enfatiza. Na Guatemala, 56% da população é pobre, vivendo com cerca de US$ 2 por dia, e 16% vive na indigência, com menos de US$ 1 por dia. O país tem 12 milhões de habitantes.
O diretor do Centro de Investigação da Universidad del Pacifico (Peru), Felipe Portocarrero, aponta um outro motivo para a diminuição de recursos, principalmente os de origem internacional. “”Muitas agências utilizam a renda nacional como índice para decidirem se canalizam recursos ou não. Neste critério, muitos países da região, como Peru, Brasil e Chile, não são considerados pobres. Eles acabam preteridos por países africanos, por exemplo””, afirma.
Alternativas – Segundo Luiz Eduardo Wanderley, professor do departamento de Sociologia da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e coordenador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da mesma universidade, muitas organizações mundiais, governos e agências financiadoras de projetos perderam recursos com a crise e mudaram suas estratégias de apoio e ajuda. “”Como conseqüência, grupos, movimentos e organizações ativas da sociedade civil cortaram atividades e mudaram prioridades, quando não foram forçados a fechar as portas””, lamenta. Para ele, como alternativa ao momento ruim, todos devem unir esforços, concentrar recursos em alvos mais abrangentes e criar espaços públicos de negociação e de constituição de sujeitos políticos ativos.
Durante a reunião do Wings, os participantes concluíram que, cada vez mais, é preciso transformar o modelo filantrópico de doação e canalização de recursos para uma ação de investimento social e cooperação. Para os dirigentes, uma das melhores formas de atingir este objetivo é a construção de redes.
“”A coordenação de atividades evita a sobreposição de ações e estimula um uso de recursos mais sensato. Devemos promover ações sinérgicas e trabalhar menos de forma individual””, diz Portocarrero. No Peru, ele cita como exemplo a Associação Nacional de Centros, que articula o trabalho de diversas organizações sociais do país.
Jacobo Rubinstein, vice-presidente da Fundación de la Vivienda Popular, da Venezuela, cita outra possibilidade: a autogestão das comunidades. “”As organizações devem trabalhar projetos que estimulem as populações pobres a trabalharem para resolver seus próprios problemas””, acredita.
Um bom exemplo que funde as duas possibilidades vem da Argentina. Com a crise que assola o país, a demanda das organizações cresceu exponencialmente no último ano. Ao mesmo tempo, cresceu na população o sentimento de solidariedade. “”A mobilização está sendo enorme. Dinheiro, alimentos e roupas são arrecadados nas empresas e nas fábricas””, afirma Fernando Esnaola, diretor executivo do Grupo de Fundaciones.
Ele conta que, preocupadas com o melhor aproveitamento desta mobilização, as organizações sociais estão cada vez mais se articulando em redes para que as ações sejam coordenadas e ofereçam resultados efetivos. Além disso, muitas instituições grantmakers (doadoras de recursos), atentas ao aumento da pobreza e da fome entre os argentinos, estão focando sua atuação em ações emergenciais, mas sem deixar de lado a preocupação com a transformação da realidade social do país.
“”É um trabalho de dar o peixe e ensinar a pescar ao mesmo tempo””, diz Esnaola. “”Aumentaram os investimentos sociais que fazem a diferença imediatamente, mas que também ofereçam possibilidades de mudança. Hortas auto-sustentáveis, por exemplo.”” O objetivo, segundo ele, é tratar da emergência sem esquecer o desenvolvimento sustentável.
Na avaliação de Léo Voigt, presidente do GIFE, as organizações sem fins lucrativos driblam muito bem a questão dos recursos financeiros e fazem, às vezes, até mesmo milagre com o que dispõem. “”O ideal seria que tivéssemos sempre mais recursos para atender todos e cumprir a missão que temos enquanto organizações do terceiro setor””, acredita.