Crise leva organizações a buscarem estratégias criativas de sobrevivência

Por: GIFE| Notícias| 08/03/2004

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Pesquisa divulgada recentemente pelo Center for Civil Society Studies, da The Johns Hopkins University, relata que as organizações sem fins lucrativos norte-americanas responderam ativamente e com criatividade à crise e às pressões econômicas ocorridas em 2003. Das 236 instituições pesquisadas, 90% afirmaram ter sofrido com esses problemas e mais da metade apontou que a pressão foi severa. Ainda assim, a maioria conseguiu elevar seus rendimentos e aproximadamente 65% aumentaram suas atividades. Isso aconteceu porque elas empregaram múltiplas estratégias, combinando novas iniciativas com redução de gastos e advocacy agressivo.

No Brasil, o terceiro setor também passou por um período difícil em 2003. Apesar de não haver dados que indiquem uma efetiva redução do fluxo de recursos para as organizações da sociedade civil, especialistas do setor ouvidos pelo redeGIFE afirmam que elas foram afetadas com a crise financeira mundial e com o corte do orçamento federal para programas sociais. Segundo os entrevistados, a atual demanda do governo por recursos privados para investimentos em seus projetos concorre com a demanda de apoio para as instituições da sociedade civil.

Hélio Mattar, diretor presidente do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente, lembra que, de modo geral, as organizações são afetadas de maneira muito desigual. “”As maiores e mais bem estabelecidas, na pior das hipóteses, não conseguem aumentar o volume de atividades. No entanto, as menores tendem a sofrer mais, especialmente as que dependem de contribuições de indivíduos e empresas, que ficam reduzidas””, afirma.

O diretor executivo adjunto do GIFE, Judi Cavalcante, afirma que a maioria das empresas que têm projetos e investimentos sérios na área social mantiveram o repasse de recursos no patamar histórico já compromissado com as atividades que vinham operando, mas retardaram ou congelaram novos investimentos em ONGs. “”Essa é uma característica do investimento social privado brasileiro que necessita ser repensada. Não necessariamente um projeto próprio traz maior eficácia social e retorno ao investimento feito pela empresa do que um projeto operado por uma ONG.””

Driblando a crise – A profissionalização que o terceiro setor vem adquirindo nos últimos anos tem proporcionado maior preparo e agilidade das organizações para responder às crises. Elas refazem seus planejamentos – incluindo projetos de geração de recursos -, diversificam suas fontes de financiamento, diminuem gastos e aumentam o número de parcerias. Essas foram algumas das estratégias adotadas pelas organizações procuradas pela Johns Hopkins, nos Estados Unidos. Cerca de 84% delas, por exemplo, aumentaram suas ações de marketing e a contribuição dos associados.

Célia Cruz, diretora do programa Brasil e Paraguai da Ashoka Empreendedores Sociais, conta que esse esforço também vem acontecendo no Brasil, onde cada vez mais há projetos de captação de recursos e busca pelo apoio de parceiros empresariais locais. “”Vejo algumas organizações aprendendo a negociar sua marca com empresas numa estratégia de marketing relacionado à causa. Isso tem sido discutido entre empresas e organizações, tentando encontrar o equilíbrio do ganho para a causa com o ganho financeiro para a empresa.””

A criação de novos programas e a inovação daqueles já existentes são outras estratégias muito utilizadas pelas organizações pesquisadas nos Estados Unidos. Elas responderam que mais expandiram seus programas (44%), alargando seu alcance (25%) e acelerando inovações (20%), do que eliminaram atividades (28%).

Para Ruth Cardoso, presidente da Comunitas, essa pesquisa mostra a vitalidade do terceiro setor e os esforços para o aperfeiçoamento da gestão nas instituições da sociedade civil. “”Este esforço está mudando o perfil gerencial das organizações que, para enfrentar as incertezas, desenvolveram uma capacidade de planejamento que no passado não tinham. Cada vez mais, sua viabilidade decorre da aptidão para gerir recursos financeiros e humanos.””

A mesma valorização das inovações para o gerenciamento das empresas, em busca de pessoas que mostrem criatividade em seu trabalho, também é vista nos empreendimentos não-lucrativos. “”Por sua própria natureza, eles atraem indivíduos interessados e com gosto por soluções alternativas. É previsível que, para gerenciar atividades que têm financiamentos instáveis e compromisso com os beneficiários, seja necessário lançar mão de muita criatividade””, analisa Ruth.

De acordo com Judi Cavalcante, ser criativo na área social é e sempre será condição de sobrevivência. “”Se formos fazer um balanço das horas de um gestor social, veremos que a energia e o tempo que ele investe na execução da ação social são praticamente os mesmos que dedica a vender a idéia, convencer as pessoas de que aquele sonho é viável e correr atrás de recursos para o seu desenvolvimento. Isso é o que fazemos dia sim, dia também.””

Gastos – Para cortar custos, mais da metade das organizações dos EUA pesquisadas pela Johns Hopkins respondeu que congelou salários, diminuiu benefícios ou aumentou as horas técnicas da equipe. Mais de 70% adiaram contratações e eliminaram férias, por exemplo. Esse tipo de ação, comum no segundo setor quando se trata de equilibrar receitas e despesas, mantendo as estratégias tanto quanto possível, tem sido cada vez mais adotada no setor sem fins lucrativos. “”Não há nada de errado nisso. A questão, que me parece preocupante, é se tais ações descaracterizam a estratégia das organizações sociais ou as afastam de suas missões. É necessário que as organizações sociais se mantenham fiéis às suas missões, mesmo que sejam obrigadas a reduzir a escala de suas operações e de suas ações””, atenta Hélio Mattar.

Em alguns casos, para superar a crise, as organizações norte-americanas partiram para a utilização de suas reservas financeiras. Mais da metade das entrevistadas afirmou ter feito uso de seus endowments (fundos patrimoniais), vendendo propriedades ou outros bens.

Mesmo sendo poucas as instituições brasileiras que possuem fundos patrimoniais, o diretor regional para América Latina e Caribe da Fundação Kellogg, Francisco Tancredi, alerta que fazer uso deste tipo de reserva é muito arriscado. “”A descapitalização reduz as chances de sobrevivência a longo prazo. Quando as grandes fundações americanas enfrentaram o problema da redução do seu patrimônio, optaram por uma redução drástica e rápida dos seus gastos operacionais e de suas doações para não comprometer o seu futuro.””

Ele acredita que outras formas de redução de custos encontradas pelas próprias organizações pesquisadas são mais seguras e eficazes, como a busca por parcerias. “”Parcerias são uma boa estratégia, porém desde que o parceiro traga os recursos tão necessários ou possa compartir custos””, afirma.

Advocacy – Mais da metade das instituições pesquisadas pela Johns Hopkins afirmaram ter aumentado o índice de colaborações e parcerias em 2003. Ao mesmo tempo, cerca de 65% das organizações norte-americanas responderam que implementaram ou expandiram suas atividades de advocacy.

Neste aspecto, Judi Cavalcante acredita que, quando comparado ao terceiro setor norte-americano, o Brasil ainda está engatinhando. “”Temos poucas organizações no terceiro setor brasileiro que têm na articulação e na disputa na arena política um dos pilares de sua atuação. Mas essas poucas são bastante atuantes””, afirma. Ele explica que isso é mais comum entre as ONGs que atuam na defesa de direitos – negro, mulher, consumidor, meio ambiente – e que no campo das organizações de origem empresarial, no qual se destaca o trabalho do GIFE, essa atuação política é muito recente e ainda incipiente.

“”Um exemplo de que essa compreensão está apenas no começo é que são poucas as organizações dispostas a financiar esta atuação. Consideram importante, começam a compreender que afeta sua operação, mas ainda não têm uma visão do quanto isso é estratégico””, diz Cavalcante.

Além da expansão do advocacy, Hélio Mattar aponta a reforma do marco legal para o terceiro setor como um aspecto da maior importância. “”Quando vemos os enormes investimentos sociais e doações feitos por empresas ou por indivíduos nos Estados Unidos e na Europa, fica claro o papel de um marco legal que defina de modo competente as diversas categorias de entidades e que estabeleça, para cada uma delas, os benefícios, as isenções e os privilégios que podem gozar tanto as próprias entidades, como aqueles que destinam recursos a elas.””

A pesquisa da Johns Hopkins demonstra, de acordo com Ruth Cardoso, que as ações de advocacy são formas pró-ativas que podem servir para enfrentar a crise fiscal das organizações, sendo um instrumento fundamental em sociedades democráticas. Já a soma das leis que regulam o terceiro setor, para ela, é uma coleção de pedaços que não estão mais ajustados à realidade atual. “”O novo caráter e a expansão do setor não-lucrativo exigem uma revisão.””

Associe-se!

Participe de um ambiente qualificado de articulação, aprendizado e construção de parcerias.

Apoio institucional