Dados para o bem

Por: GIFE| Notícias| 24/09/2012

Larry McGill*

Então, acima de tudo, as fundações têm que coletar e manter dados sobre as suas atividades? E compartilhá-los com as outras fundações? E até mesmo torná-los público? E fazer isto voluntariamente porque tornará a filantropia mais eficiente? Cabe às fundações decidir fazer ou não tudo isto; só que a cada dia que passa fica cada vez mais claro que a resposta está sendo imposta a elas, não importando se estão preparadas ou não.

Dê crédito a Jaypee

É impossível escapar da noção de que já entramos no mundo dos “Grandes Números”. A indústria financeira, as empresas, as agências de marketing, as organizações laterais ou multilaterais e até os governos estão se movimentando pro-ativamente para tirar proveito da tecnologia da informação que permite uma rápida e eficiente coleta de dados organizados, de fácil acesso e colocados à disposição para maximizar o lucro, coletar dados reunindo os dados do mercado e, entre outras coisas, otimizar o fluxo de ajuda internacional. Mais de 300.000 empresas assinam atualmente os serviços de dados fornecidos pela Bloomberg LP de Nova York, que tem um terço de um mercado de 16 bilhões de dólares do mercado de dados financeiros. A OCED (Organização de Cooperação Econômica e Desenvolvimento) que tem como objetivo analisar e recomendar políticas que são “independentes e baseadas em fatos”, trabalha com 34 países membros na coleta e divulgação pública em tempo real de dados de centenas de medidas econômicas, políticas e sociais.

Ao mesmo tempo, a pressão para a “apertura” do conjunto de dados privados não disponíveis para uso público se prolifera; teoricamente desenvolvedores independentes de programas poderão desenvolver novas aplicações permitindo aos usuários acessar dados de uma maneira além das possibilidades originalmente pensadas pelos próprios pesquisadores de dados. Com essa intenção, o Banco Mundial recentemente disponibilizará para o público o acesso de dados sobre mais de 8.000 indicadores de esta massiva base de dados.

À medida que acontecem estes desenvolvimentos de transformação na tecnologia da informação, o que a filantropia está fazendo para usufruir deles? A filantropia tem planos para desenvolver o tipo de ferramentas de conhecimento que permitirá identificar áreas de necessidade, tendências, protagonistas chave e instituições engajadas em atividades de investimento social, padrões, e lacunas no provimento de ajuda e outros tipos de apoio, estratégias de intervenção que funcionam ou não e as oportunidades para colaborar com o aprimoramento dos impactos no local?

As Vantagens de ter dados

A compilação de dados pelo mundo não é um desafio fácil. Como o Diretor geral da European Foundation Center (EFC), Gerry Salole afirma em outro artigo de esta edição especial, simplesmente enumerar o total de fundações na Europa é “uma tarefa impossível visto as diferenças existentes num determinado país europeu; isto para não falar além das fronteiras e das constantes mutações e mudanças de contexto onde elas operam.”. Além disso, poderíamos nos perguntar: saber o número de fundações da Europa pode ajudar de alguma forma as fundações com o seu trabalho?

Apoio às ações comunitárias

Embora não possa ser relevante para o trabalho de uma fundação, certamente no coletivo é relevante para as fundações. O Estatuto de Fundações Européias que potencialmente pode facilitar o trabalho de mais de 100.000 fundações que representam um gasto anual de mais de € 50 bilhões (uma estimativa não oficial derivada das informações publicadas no site da EFC), é mais lógico que seja aprovado do que um estatuto que tem o potencial de facilitar o trabalho de um incontável número de fundações. O trabalho realizado da EFC e o recentemente formado Conselho de Fundações da Europa (Foundation Council of Europe) podem aproveitar o poder persuasivo dos grandes números somente se estes forem conhecidos.

Para inteligência de mercado

Para uma fundação individual, o mais importante é a “inteligência de mercado”; isto é; emprestando o termo comercial. Isto significa entender o potencial dos cidadãos, as necessidades não satisfeitas entre esses cidadãos, os mecanismos para satisfazer essas necessidades e o trabalho de outras organizações que operam nesse mercado.

Entender o potencial do cidadão significa coletar dados sobre quem é ele. Onde ele mora? De que forma ele se insere no maior ambiente social, cultural e econômico no próprio local em que vive?
Entender as necessidades não satisfeitas de esses cidadãos significa coletar dados sobre a extensão dos problemas ou temas que de forma desproporcional os afeta. Como alguns cidadãos (ex.: mulheres, afrodescendentes, populações rurais e pessoas com necessidades especiais) são afetados por esses problemas ou temas?

Entender os mecanismos para ir ao encontro das necessidades dos cidadãos significa entender que tipo de intervenções foram aplicadas e com que nível de sucesso.Entender o trabalho de outras organizações operando no mesmo “mercado” significa colher dados sobre as atividades das outras fundações, assim como também o trabalho das organizações bilaterais e multilaterais que trabalham com esses problemas ou temas. Quais são as a teorias de mudanças deles? Em quais mudanças estão agindo? Com quais organizações eles trabalham no local? Como o trabalho de sua fundação se encaixa nesse cenário?

O acesso aos dados de cada uma dessas áreas minimiza o risco de tomar decisões medíocres de investimento. Em outras palavras, os dados fornecem às fundações o melhor caminho para fazer diferença no seu trabalho. Assim como no mundo dos negócios isso não garante ações impactantes. Nem elimina os riscos. Minimizar os riscos é o único poder de controle que as fundações podem ter.

Para monitorar e aprender

Uma vez gasto os fundos, há pouco a fazer para as fundações continuarem influenciando o desenvolvimento dos eventos. O “mercado” agirá à medida que os fundos catalisarem os eventos, as ações e reações entre os cidadãos que são influenciados pelo trabalho. Então, o que as fundações podem fazer uma vez que os fundos foram utilizados é monitorar o trabalho e aprender das conseqüências geradas por elas. E isso, mais uma vez, requer uma coleta de dados.

Da mesma forma que coletar “inteligência do mercado” sobre o que foi aplicado e o que deu certo é parte da due diligence que as fundações devem fazer antes de desenvolver e implementar as suas estratégias de intervenção. Os dados, referente ao que deu certo na intervenção, têm que ser coletados no local, de modo que outros também possam fazer a due diligence. Deve haver aprendizado coletivo e individual.

Resumindo: as duas ferramentas mais poderosas das fundações para maximizar o impacto dos seus investimentos minimizam os riscos extraindo ensinamentos das consequências. E ambas requerem dados.

Quem na filantropia está fazendo a coleta de dados e por quê?

Para resolver os problemas globais, as fundações precisam de dados globais. Organizações como as OECD, o Banco Mundial, a Organização Mundial da Saúde e as Nações Unidas desenvolveram uma base de dados que pode ajudar as fundações a entenderem melhor os seus cidadãos em potencial e suas necessidades. Que tipo de informação está disponível sobre as atividades das fundações?

Enquanto as fundações individuais poderiam compartilhar algumas de suas informações por meio de relatórios anuais, sites da web e outros meios tornam-se impossível entender o impacto líquido do trabalho das fundações sem se engajar na coleta sistemática de dados sobre as atividades das fundações em geral. A necessidade desse enfoque sistemático está cada vez mais em destaque entre as associações de fundações que procuram desenvolver serviços que vão ao encontro das necessidades de seus membros.

Existem mais de 100 associações de fundações pelo mundo, a maioria delas organizadas nacional ou regionalmente. A grande maioria tem menos de 15 anos e ainda estão descobrindo a melhor maneira de atender os seus membros. A maioria está engajada em coletar dados dos seus associados regularmente, às vezes anualmente e, às vezes, com menos frequência. Que tipo de dados estão coletando? Estão fazendo o mesmo tipo de perguntas? Poderíamos aprender algo sobre o trabalho de filantropia pelo mundo ao juntar os dados coletados junto aos associados?

Como parte de nosso trabalho com a WINGS Philanthropy Data Network, olhamos para uma amostra de sete pesquisas que a associação de fundações está usando para coletar dados dos seus membros na Austrália, Colômbia, México, Minnesota (EUA), Espanha, Ucrânia e RU. (Estamos coletando outras pesquisas e estenderemos esta análise à medida que recebermos mais material.) O número de perguntas feitas em cada levantamento era de 28 a 55.

Nesses sete levantamentos de dados, quantas perguntas em comum foram feitas para todos eles? A resposta é uma: que área(s) geográfica atende a sua fundação? Além disso, seis dos sete questionários perguntaram pelo nome da fundação e suas áreas de interesse. Cinco perguntaram sobre o ano do estabelecimento da fundação, número de funcionários e “um ou outro comentário”.
Claramente colocado, estamos longe de ter uma coleta de dados global sobre as atividades das fundações. Ainda não podemos desenvolver um quadro global compreensivo da filantropia baseado nos esforços atuais de coleta de dados. No entanto, existem pontos de luz. Em 2010, por exemplo, o Centro da Fundação China foi estabelecido em Pequim. Em menos de dois anos a CFC coletou e disponibilizou para o público dados de mais de 2.000 fundações chinesas que podem ser vistas na en.foundationcenter.org.cn.

E, recentemente, o desenvolvimento de ferramentas de conhecimento para dados está transformando a forma de como as fundações trabalham em conjunto. Em Outubro de 2011, com a ajuda da Hilton Foundation Center lançaram a WASHfunders.org, um portal personalizado na web que funciona com um hub de informações e de recursos para doadores que trabalham no mundo todo em melhorias do acesso à água, saneamento básico e higiene, comumente conhecida como ‘WASH”. O site reúne e organiza dados de diversas fontes, incluindo fundações, o Banco Mundial e a OECD para que os financiadores das comunidade possam, com mais eficiência e coletivamente, enfrentar os desafios globais.

Por meio da WASHfunders.org, as fundações tem acesso gratuito e irrestrito a um amplo conjunto de dados importantes que incluem:

● Uma ferramenta para mapeamento que permite aos usuários interagir com dados sobre o fluxo da ajuda internacional e indicadores chave de desenvolvimento.

● Perfis de documentação que fundamentam as estratégias da WASH e das fundações líderes.
● Estudos de caso que ilustram o sucesso e os desafios dos projetos da WASH no mundo.
● Ferramentas e recursos para avaliar os resultados dos projetos.
● Um arquivo de pesquisa disponível com relatórios de pesquisas recomendados pelos líderes do setor.

Steven Hilton, Presidente e Principal Executivo da Fundação Conrad N. Hilton, um doador líder em temas da água, espera que a WASHfunders.org “desempenhe um papel chave na promoção da eficiência, do incremento de colaboradores e a facilitação da tomada de decisões dentro da comunidade de doadores. Isso ajudará a adquirir maior visibilidade para a crise global de água, atrair novos parceiros e doadores e preencher uma lacuna fundamental no esforço para enfrentar os desafios globais da WASH.”

Com menos de um ano do lançamento da WASHfunders.org, o seu sucesso tem gerado iniciativas para desenvolver meia dúzia de portais de conhecimento em tópicos como mídia, organizações de artes sustentáveis e financiamento para homens e crianças negras. As fundações estão descobrindo rapidamente que as ferramentas do conhecimento como as da WASHfunders.org, são mais estratégicas, permitindo-lhes tomar decisões em dados e compartilhar opiniões entre os seus pares de forma mais eficiente.

Aprimorando os dados na filantropia

Se as fundações desejarem participar integralmente na revolução dos dados, elas precisam superar a tendência natural para desenvolver e trabalhar em sistemas que servem apenas às suas necessidades internas. Quando 100 fundações estão utilizando 100 métodos idiossincráticos para descrever e monitorar o seu próprio trabalho, é impossível compartilhar de forma eficiente o aprendizado entre as organizações. E, em geral, a área como um todo não consegue ser mais eficiente.

A filantropia não é a única área lutando com estes temas. Num domínio onde os riscos são provavelmente ainda maiores do que na filantropia, as organizações da saúde estão indo ao encontro com o fato de que dados precisos sobre saúde nem sempre estão disponíveis quando e aonde são necessários. Um manifesto recente publicado pelo Fórum Econômico Mundial, chamado de Global Health Data Charter (Carta Global de Dados da Saúde), assinala que “a falta de dados pode levar a que se executem serviços de saúde ineficazes ou incertos, escolhas ruins do paciente e perda de recursos. O gerenciamento eficaz dos dados da saúde é um pré-requisito para atingir as metas do tratamento individual e da saúde da população junto com aquele do desempenho geral do sistema de saúde. [ênfase adicionada].”

A Carta de Dados da Saúde Global articula uma simples, porém forte visão para poder desenvolver dados padrões da saúde (“Melhores dados da saúde para uma melhor saúde”), uma série de princípios para orientar o desenvolvimento de padrões, um plano de ação que descreve os habilitadores necessários para garantir uma implantação de sucesso dos padrões e uma imagem dos valores resultantes que os padrões vão gerar.

Uma carta de dados de filantropia global?

À medida que as fundações e as associações filantrópicas lidam com as mesmas questões, pode ser o momento para a filantropia desenvolver a sua própria carta desenhando em termos muito claros a “visão, os princípios, os viabilizadores e os valores resultantes” que fundamentam os compromissos para estabelecer padrões de dados comuns para a área. Ao mesmo tempo, o campo precisa estar ciente de que um número novo de modelos já está chamando a atenção (ex.: a IATI, iniciativa International Aid Transparency , que dentro do seu esquema começou a integrar dados no trabalho das fundações), enquanto que iniciativas nacionais específicas também estão avançando em ritmo acelerado. Resumindo, a vontade de coletar dados sobre a filantropia é generalizada e o tempo é curto para desenvolver e adotar padrões globais de coleta de dados que são de grande utilidade para a filantropia.

No entanto, à medida que a área trabalha para desenvolver dados padronizados, uma preocupação final importante precisa ser reconhecida. Os padrões não podem ser incompatíveis com a flexibilidade. A filantropia, apesar de ser similar em vários aspetos em todo o mundo, é monolítica. Enquanto muitas de suas características básicas podem ser descritas por meio de categorias padronizadas, inevitavelmente mantém o carimbo da organização individual e da cultura de onde se origina como deveria ser. Sim, isto torna mais difícil o trabalho de desenvolver padrões globais de dados, porém não deveria ser utilizado como uma desculpa para não desenvolver os padrões ou coletar dado algum. Assim como na área da saúde, os riscos são muito elevados na filantropia em operar sem ter condições de ter disponíveis as melhores informações possíveis.

Conclusão

Num “recente blog postado “Philanthropy’s Data Dilema”, o Presidente da Foundation Centre, Bradford Smith, afirmou:” Levar as fundações para a área da Big Data não tem que ser um desafio hercúleo. ‘A tecnologia está ao nosso lado e, se por um lado parar de fazer coisas, poderá liberar recursos para fazer outras coisas. ’. Como se dirige a uma audiência de fundações dos EUA, os princípios que ele articula também se aplicam a todos:

1. PARE de tentar ser o único.
2. COMECE a alinhar os seus dados com o mundo externo.
3. PARE de desenvolver sistemas personalizados de bolsas de gestão.
4. COMECE a ir além dos relatórios requeridos pelas leis tributárias.
5. PARE de pensar de que dados e comunicação são duas coisas diferentes.
6. COMECE a pensar sobre os dados como sendo abertos.

Existe, no fundo, uma teoria de mudanças nas recomendações para que se juntem ao movimento da “Big Data” (“Muitos Dados”). E como outras teorias de mudanças relacionadas à filantropia, o seu objetivo é maximizar o impacto da filantropia. Não incentivamos a coleta de dados para simplesmente ter dados ou até mesmo como meio de melhorar a eficiência das práticas da fundação, muito embora estes objetivos estejam certos. No fundo, os maiores beneficiários da melhoria de dados na filantropia são, de fato, as próprias pessoas que as fundações estão tentando atingir por meio de suas atividades de caridade.

*Larry McGill é Vice-presidente de pesquisas da Foundation Centre

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