Dados – primeira filantropia

Por: GIFE| Notícias| 24/09/2012

Lucy Bernholz*

Era uma vez… Usávamos mapas de papel para planejarmos nossas viagens pela estrada. Depois chegou o sistema GPS que foi instalado primeiro nos automóveis mais caros. Depois o GPS se tornou banal e chegou até ao nosso celular. Agora, muitos de nós digitamos um endereço, entramos no carro e seguimos passo a passo as direções que nos são mostradas e apresentadas por uma paciente voz eletrônica saindo do painel.

Alguns de nós podemos impor as nossas preferências no GPS programando-o para evitar não só as vias expressas como também nos manter longe das estradas privatizadas. Outros simplesmente ignorarão a placa “pare” dos endereçamentos, deixando “ele” “recalcular o caminho” até chegar num ponto da viagem que já sabemos qual caminho tomar. Cada vez menos de nós abre um mapa acompanhando com o dedo as diversas alternativas, encostando à rodovia para escolher outro caminho quando o cenário fica chato.

Isso é o que os dados têm feito com o dirigir. Sutilmente mudamos nosso papel de planejador de rotas para seguidor. A maioria de nós está feliz com essa mudança – chegamos onde queremos com menos dores de cabeça (e nunca precisaremos tentar dobrar o mapa).

Quando os dados passaram ser o GPS de nossa filantropia…

Imagine como serão a filantropia e o investimento social quando se desenvolverem para valer em torno dos dados. Têm acontecido grandes discussões e alcançado progressos o uso de dados na filantropia e esta edição da Alliance oferece muitos exemplos sobre os prós e contras. No entanto, ainda estamos na fase de agregar dados às práticas já existentes. Ainda não começamos a ver novas práticas emergirem dos dados já existentes. Quando isso começar a acontecer, quando os dados passarem a ser o GPS de nossa filantropia, presenciaremos grandes mudanças assim como aconteceu em outros campos.

Veja aqui duas breves analogias. A publicação está sendo refeita por dados. Os autores vão diretamente aos leitores via plataformas online que focam na otimização do motor de busca, integram vídeo e áudio aos textos, re-dimensionam longos artigos e os publicam como “singles”. Vendem-se histórias por 99 centavos. As vendas online oferecem incríveis dados sobre os leitores, onde e quem são como acharam o artigo e para onde foram depois. Organizações de notícias e outras publicações online promovem com muito orgulho os seus “artigos que geraram mais e-mails”. Tudo isto está mudando não somente os modelos de negócios como também o que se escreve o que se lê e o que gera conversas.

Pesquisa médica é outro exemplo. Durante séculos temos contado com o “”método científico”” das hipóteses – experimento – análises – hipóteses. Agora, massivos conjuntos de dados de informação do diagnóstico, experimentos, registros de tecido e testemunhal de pacientes são combinados e extraídos e algoritmos estão sendo usados para procurar padrões antes de qualquer tipo de hipótese ser gerada. As drogas desenvolvidas para uma doença podem fracassar melancolicamente na sua esfera original, mas pode ser um sucesso e um grande avanço em um campo não imaginado. Não são apenas os protocolos farmacêuticos resultantes que são diferentes, mas todo o método científico está mudando.

Desenhando a partir de e contribuindo para a loja comum.

Quando tentamos imaginar quais dados serão importantes para a filantropia, precisamos mudar a ordem das coisas. Viemos de uma época onde as preferências por uma filantropia discreta têm dominado sobre ações compartilhadas. Na era de dados, grupos coletivos de informação serão os preferenciais a serem examinados pelos filantropos individuais. No futuro haverá uma riqueza de dados acessível e utilizável de pobreza a doenças, de desempenho cultural a indicadores ambientais, de bem-estar infantil a direitos humanos, preços de commodities a localização dos mercados. Qualquer pessoa com um celular poderá ter acesso a eles. Os indivíduos poderão utilizar estas informações para encontrar oportunidade para voluntariado, doar ou investir. Eles contribuirão para estes conjuntos de dados com confirmações locais dos mesmos e com atualizações nas redes sociais. As instituições poderão combinar e visualizar subconjuntos destes dados de acordo com o seu próprio interesse cortando, desmembrando, recombinando e compartilhando as suas descobertas com bases de dados compartilhadas. Do interior destas comunidades compartilhadas, cuidadas e limpas e mantido constantemente atualizado o armazém de bits e bytes, as instituições filantrópicas poderão determinar o que precisam, fazer consultas e desenhar modelos de acordo com os seus interesses e novamente compartilhar automaticamente com outros para serem utilizados.

De forma similar, os dados estarão disponíveis, poderão ser comparados e misturados nos investimentos, no financiamento público, nas contribuições empresariais de responsabilidade social e nas doações filantrópicas. O mapeamento do fluxo dos ingressos por tema, geografia, pretensões e fontes será um simples e primeiro passo antes de fazer o planejamento da alocação dos recursos. Até antes disso acontecer, poderemos ver como esta fácil disponibilidade de dados facilita a criação de medidas compartilhadas tornando possível a comparação e o intercâmbio para investimentos impactantes. O que acontecerá quando naturalmente o primeiro passo for consultar os dados antes da alocação de recursos privados? Quando trabalhar com dados compartilhados for tão corriqueiro quanto digitar uma direção no GPS e também quando começarmos a enxergar de fato as mudanças nas práticas filantrópicas.

No mundo de dados online

A paixão e o interesse pessoal não vão desaparecer: apenas vão operar num ambiente diferente. O acesso a abundantes e significativos dados não mudará a natureza humana, mas poderá mudar os requisitos na emissão de relatórios, as expectativas de sucesso e facilitar as ações conjuntas. O que pode é, com o tempo, mudar os padrões de comportamento humano sobre o momento de doar tempo, dinheiro e conhecimento.

No mundo de dados online, a informação e o dinheiro tomam a mesma forma (bits eletrônicos), portanto é facilmente imaginável doadores individuais pegando carona nas pesquisas de grandes doadores e ao mesmo tempo financiando habitualmente projetos discretos e não apenas eventos especiais. Multidão Instantânea de “fazedores” e “doadores” podem se encontrar utilizando e consultando as informações que precisam nos telefones celulares (que agora superam o número de habitantes do planeta); eles se reunirão e farão acontecer alguma coisa estendendo-a para a rede próxima. Não poderíamos fazer instituições com este tipo de relacionamento e inventar novas formas de governança para demonstrar a sua confiabilidade ou responsabilizar os outros. A preocupação com a privacidade dos dados pessoais poderá mudar as leis e incorporar práticas de modo que cada um de nós conheça os próprios dados da mesma forma que a própria roupa. Poderíamos emprestar os dados uma única vez para pesquisas econômicas ou doá-los para sempre para a ciência, fazendo dos dados uma propriedade filantrópica assim como input e output. Por último, poderíamos reconhecer o valor público da filantropia, dos dados financiados e mudarmos o nosso regulamento para valorizarmos os dados e o acesso a eles. Não discutiremos mais a filantropia em termos de dólares doados, porém consideraremos a sabedoria e o conhecimento gerado.

As discussões que a filantropia precisa ter

Nem tudo é bom sobre o futuro dos dados digitais ou melhor do que o que temos até agora. Nem os dados poderão mais do que qualquer outra inovação tecnológica; serão distribuídos uniformemente ou não estarão livres de abusos. Os desafios e os problemas de grandes dados são tão gigantescos quanto os próprios dados. Mas também existem oportunidades. A verdade é que nós não sabemos o que significa viver num mundo onde a informação sobre nós, nos mais finos detalhes, está guardada por longo período de tempo e cada vez mais por distantes empresas.

Não sei quando chegará este futuro, mas eu sei isto: as pessoas que cresceram com dados digitais – massivos, conectados, pesquisáveis, misturáveis e com dados sempre à disposição, terão que moldar as fortunas e práticas filantrópicas deste século. As discussões sobre propriedade, privacidade, governança, limites, segurança e inovação que agora estão acontecendo tanto nas indústrias quanto na editoração e em organizações multilaterais como o Banco Mundial e dentro de governos do Brasil ao Quênia, são as mesmas que a filantropia precisa ter.

*Lucy Bernholz é Diretora Administrativa da Arabella Advisors e autora do premiado blog philanthropy2173.com.

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