De dentro para dentro

Por: GIFE| Notícias| 11/08/2014

Gerente executivo do Instituto Sabin, aborda dilemas vivenciados pelos profissionais que atuam com investimento social privado.

De dentro para dentro: dilemas cotidianos de profissionais que lidam com investimento social privado

Em todos os eventos e reuniões que o GIFE promove é muito comum trocarmos ideias sobre os dilemas e desafios que cada instituto e fundação lida em seu cotidiano. É sobretudo no momento do intervalo e do café que estas conversas ganham corpo e se constituem em verdadeiros benchmarks e troca de experiências, pouco sistematizadas em livros ou publicações sobre Investimento Social Privado (ISP). Costumamos, nestes momentos, desabafar sobre dilemas que, de um modo geral, profissionais que atuam com ISP lidam.

Tentei reunir alguns destes desafios e angústias que tornam o trabalho do gestor e equipe de ISP ainda mais instigante. Elenquei alguns destes dilemas para ilustrar melhor esta conversa. Eles são apenas um ponto de partida sobre o tema; uma espécie de registro do que minha antena vem captando ao longo do tempo nestas conversas e vivências:

1) Atuar em um campo em construção, com poucas certezas e muitas questões em aberto.

O pensamento de Edgar Morin, de que vivemos em um “arquipélago de certezas num oceano de incertezas”, não poderia se aplicar melhor em nossa área. Ao lidar com tantas “não-respostas prontas” precisamos ter a sabedoria e o feeling de encontrar caminhos e soluções para as dúvidas com as quais nos deparamos. As “não-respostas” não podem significar nem paralisia nem espaço para amadorismo ou qualquer resposta. O fato de atuarmos em institutos e fundações não nos confere passaporte para fazermos qualquer coisa, muito pelo contrário.

2) Atuar na fronteira entre o “com” e o “sem” fins lucrativos não é nada fácil

Lidamos com um dilema que nossos colegas do mundo corporativo talvez não consigam perceber com clareza. Transitar nestes dois universos, o do lucro e o do não-lucro, requer muita habilidade, jogo de cintura e, sobretudo, capacidade de trocar de “chip” diariamente a partir do diálogo entre a lógica da empresa, do governo e da sociedade. Trocar o chip é tarefa diária dos profissionais que lidam com ISP, pois há momentos que somos vistos como “empresa” e há momentos que somos vistos como “ONG”. O desafio é saber lidar com essa característica e tirar proveito dela, no bom sentido, é claro. Em muitos momentos de diálogo com setores da empresa, nos deparamos com essas lógicas distintas e precisamos saber transitar entre elas. Para “vender” um novo projeto, por exemplo, é preciso mostrar seus resultados e impactos, conciliando as variáveis econômico-ambiental-social. Ou seja, nada trivial de ser feito.

3)Resultados múltiplos, complexos e difusos

Afinal, quais os resultados e impactos efetivos que o ISP dá? Em que ele agrega e contribui, tanto para a sociedade quanto para o negócio? Nas palavras do mundo corporativo, o ISP precisa dar “lucro”, ou seja, resultado, retorno, impacto. Isso nos traz um baita desafio que é o de monitoramento, avaliação e mensuração de resultados, sempre os mostrando para a empresa na lógica que ela enxerga melhor e, para a sociedade, na forma que ela consegue visualizar com mais facilidade. Um dos desafios que temos lidado cotidianamente é o de como ampliar esta concepção de resultado que o ISP pode gerar? Como melhor tangibilizar o intangível? Isso é possível atualmente? Como?

4)Alinhamento entre institutos, fundações e empresas mantenedoras

Recentemente, tem se falado muito desse movimento, de uma aproximação cada vez maior entre institutos, fundações e empresas. A concepção de um instituto ou fundação dos anos 90, de total descolamento do negócio, parece ter se tornado coisa do passado. No entanto, sabemos que há tempos e níveis muito distintos de alinhamento e que não há manual de instruções para isso. Na prática, na medida em que se aprofunda nesse alinhamento, novas questões se apresentam até, no limite, nos depararmos com uma reflexão do tipo: um alinhamento completo e pleno é possível ou ele só é alcançável até certo ponto? De todo modo, temos clareza de que o desalinhamento e o distanciamento total é coisa do passado e cada vez mais impensável nos tempos atuais. O desafio que se apresenta é como costurar esta aproximação de forma inteligente e profícua, de modo a gerar sintonia e sinergia nas ideologias das organizações relacionadas.

5)Profissionalismo vs Causa

Atuamos numa área onde essas duas dimensões se misturam e que bom que isso é possível. Poder unir competência e formação profissional em prol de causas sociais é realmente um grande atrativo da nossa área. O próprio crescimento recente dos chamados “negócios de impacto” e “negócios sociais” evidenciam essa união entre o ganhar dinheiro e fazer a diferença. Creio que o dilema que vejo é a falta de um equilíbrio entre o profissionalismo e a militância. Profissionalismo ao extremo pode tornar o ISP muito frio e distante do seu lastro social. Militância desmedida pode tornar o instituto ou fundação em um movimento social descolado do mundo corporativo e, portanto, em muitos casos, de suas empresas mantenedoras.

6)Do projeto piloto ao ganho de escala

Um dos debates mais recentes que vem ganhando corpo na nossa área é sobre a necessidade de os projetos e iniciativas de ISP adquirirem maior escala. Cada vez mais a sociedade passará a cobrar que institutos e fundações revejam seus projetos à luz de ampliar escala de sua atuação e impactos. Supor que eternamente o ISP ficará com projetos-piloto atendendo número reduzido de pessoas é algo cada vez mais impensável nos tempos atuais. O ganho de escala e de alcance do ISP requer, necessariamente, uma aproximação com as políticas públicas e, consequentemente, parcerias com órgãos governamentais (municipais, estaduais e federais). Há um aparente consenso sobre esse rumo entre profissionais que lidam com ISP, entretanto, há inúmeros riscos e desafios daí decorrentes. De todo modo, esta aproximação entre ISP e políticas públicas parece ser um caminho sem volta.

Como visto, a intenção deste breve texto é reunir conversas e reflexões que profissionais da área de ISP têm feito em encontros, eventos e reuniões sobre o tema. Não falar sobre esses dilemas é assumir que não existem, o que bem sabemos, não é verdade. Falar demais neles é cair em uma armadilha perigosa que não nos levará a lugar algum. Que esse registro possa servir de ponto de partida para novas conversas e reflexões inspirando outros colegas a partilhar seus dilemas em prol de uma coletividade. Em nosso caso, de profissionais que encaram no ISP uma excelente oportunidade de promover transformações não só “para fora”, mas também “para dentro” de suas organizações e grupos empresariais. Talvez essas transformações, em muitos momentos, sejam até mais difíceis de serem alavancadas, trazendo à tona o velho ditado “casa de ferreiro, espeto de pau”.

*Engenheiro Agrônomo e Mestre em Recursos Florestais pela ESALQ/USP e gerente executivo do Instituto Sabin. Atuou durante 8 anos em diversos ministérios e autarquias do Governo Federal. “Me considero duplamente um ponto fora da curva, pois atuar com Investimento Social privado no mundo corporativo já é algo não trivial, ainda mais para um Engenheiro Agrônomo atuando na área de saúde, mais especificamente num laboratório de análises clínicas. Talvez o astrólogo já tivesse me avisado que eu viveria uma vida não trivial, e talvez ele pudesse ter me dito que eu gostaria muito deste estilo de vida”.

O Instituto Sabin é associado GIFE.

” Por Fábio Deboni

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