Geraldinho Vieira*
“O processo eleitoral demonstra certa fragilidade da democracia representativa como a conhecemos: os eleitos pouco nos representam, mas sim recebem o poder de guiar boa parte dos rumos do país. Há uma crise de representatividade, mas não uma crise de poder”. A reflexão é de João Brant, quarta liderança social que entrevisto nesta série de breves diálogos “Eleições & Sociedade Civil”.
Graduado em Comunicação pela ECA-USP e em Regulação e Políticas de Comunicação pela London School of Economics, Brant (31) é membro da coordenação executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social. A organização trabalha pela efetivação do direito à comunicação como direito humano, como aspecto indissociável do pleno exercício da cidadania e da democracia.
O Intervozes é uma associação de militantes sociais voluntários e está presente em 17 estados. Foi uma das principais organizações protagonistas da Conferência Nacional de Comunicação, realizada em dezembro passado. “Uma sociedade só pode ser chamada de democrática quando as diversas vozes, opiniões e culturas que a compõem têm espaço para se manifestar” – afirma-se no site
www.intervozes.org.br.
João Brant não duvida que o processo eleitoral traga contribuições ao debate de temas relevantes para a agenda nacional, “mas não o faz por méritos próprios” – considera. “Os candidatos trazem pouca novidade e não necessariamente estão dispostos ao aprofundamento dos debates, mas a cidadania organizada, os blogueiros, os meios de comunicação… estes sim, cada um à sua maneira e com sua medida, criam uma atmosfera de debate real”.
O papel do Estado (não simplesmente se deve ser maior ou menor, se deve ser mais ou menos presente na vida social ou no mercado) é tema que não ganha, na visão de Brant, a reflexão que deveria merecer durante as eleições. Para ele, “da maneira como está construído, o Estado não garante o atendimento de direitos das parcelas mais desfavorecidas da população (em saúde e educação, por exemplo); representa o que há de pior em termos de repressão (massacre) dos cidadãos das periferias; e, em que pesem os avanços, não está desenhado para uma mudança estrutural das causas da exclusão”.
Para João Brant, a direita não está focada neste debate e a esquerda fala de um Estado hipotético: “O Brasil não discute de fato a necessidade de uma reforma do Estado e, é uma pena, o processo eleitoral não traz à tona a questão de um Estado garantidor de direitos”.
Uma crítica à ausência, mesmo na corrida presidencial, de um debate sobre mudanças estruturais, reformas de modelos de desenvolvimento e de governança, vai aparecendo com insistência nos diálogos que publicamos com lideranças sociais.
Para Brant, por exemplo, “são enormes os lucros dos bancos, mesmo os públicos, e é brutal o orçamento para pagamento da dívida pública (inúmeras vezes maior que os orçamentos da saúde e educação), mas não há o mínimo debate sobre esta equação que parece desiquilibrada”.
O Coletivo Intervozes, do qual Brant é um dos coordenadores, mantém um excelente acompanhamento sobre o “direito à comunicação”. Seu site é essencial para quem quiser conhecer o que se articula no Brasil em termos de políticas públicas de comunicação – um dos grandes temas globais deste início de século. Jornalismo, internet, telefonia, concessões de rádio e televisão, emissoras públicas e estatais, a concentração de propriedade dos meios e a questionada propriedade de meios de comunicação por parte de políticos… tudo isso compõe o cardápio de temas com os quais lida o Intervozes e cujo boletim de informações pode ser recebido gratuitamente.
Pergunto sobre este tema. “A questão das políticas de comunicação está de alguma maneira presente na agenda pública, mas de uma forma antiquada e enviesada”, responde Brant. E continua:
– “Aqueles que detem a propriedade dos meios ditam o tom do que é publicado sobre o tema. Óbvio! A ANJ – Associação Nacional de Jornais e a ABERT – Associação Brasileira de Emissoras de Rádios e Televisão, entre outras e para falar apenas daquelas ligadas ao jornalismo, querem fazer crer que toda e qualquer discussão sobre regulação dos meios de comunicação (concentração de concessões, liberdade de expressão e liberdade de imprensa, conteúdo etc.) é uma ameaça de volta da censura. Então fica um debate sem diferentes perspectivas”.
É tensa a discussão nesta área. A sociedade civil por vezes aparece com discursos também autoritários, mas de maneira geral os atores mais importantes neste debate são maduros e progressistas. “Mesmo que haja, por parte de alguns setores, perspectivas autoritárias” – diz Brant – “a centralidade das reivindicações da sociedade civil organizada nesta questão está em perfeita sintonia com o que praticam as democracias avançadas e, inclusive, com a perspectiva da OEA – Organização dos Estados Americanos, para quem tanto a concentração dos meios é uma ameaça à liberdade de expressão quanto a liberdade de expressão não pode ser tida como absoluta”.
Pergunto a Brant se ele acredita que este tema venha a aparecer nos debates da corrida presidencial.
– “Não é um tema fácil para os candidatos. Trata-se de debate que inclui necessariamente um enfrentamento com as grandes empresas de comunicação. Aqui voltamos à questão da fragilidade da democracia representativa como está desenhada: neste cenário, cabe perguntar quem tem poder real, quem é de fato maior, se o representante eleito ou outros poderes”.
* Geraldinho Vieira é Consultor na área da comunicação para a transformação social, Geraldinho Vieira é vice-presidente da ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância, professor da Fundación Nuevo Periodista Iberoamericano (Colômbia), colaborador da Fundação Ford na área do Direito à Comunicação e conselheiro do projeto Saúde Criança.
**este texto foi originalmente publicado no Blog do Noblat.
http://oglobo.globo.com/pais/noblat