Debate com o Estado depende de conhecimento do interlocutor

Por: GIFE| Notícias| 17/12/2001

Uma das linhas de ação que o GIFE mais intensificou este ano foi a da articulação política, principalmente em prol de condições legais e fiscais mais favoráveis para a atuação do terceiro setor. Este processo foi liderado pelo vice-presidente do GIFE para relações com o primeiro setor, João Roncati.

redeGIFE – Qual foi a linha estratégica adotada pelo GIFE em 2001 no campo da articulação política?
João Roncati – Adotamos como estratégia a ampliação da articulação política, partindo do pressuposto que a construção de um marco legal, fiscal e tributário mais favorável ao investimento social privado só será possível a partir do diálogo com outros atores da sociedade civil e do governo.

redeGIFE – Como se deu esta ampliação?
Roncati – Esta postura é fruto de todo o conhecimento que o GIFE adquiriu e dos relacionamentos que construiu ao longo de seus 11 anos de história. Ela foi intensificada a partir do I Congresso Nacional sobre Investimento Social Privado, realizado pelo GIFE em Vitória em outubro do ano passado. Lá, identificamos uma série de lideranças interessadas em dialogar sobre questões que envolvem a área, além de um conjunto de necessidades e assuntos pertinentes. Então destacamos três necessidades globais básicas: a reforma de dispositivos legais, a articulação institucional e o conhecimento científico sobre as doutrinas jurídicas e sociais que fundamentassem nossas propostas. Iniciamos uma série de atividades nos dois últimos campos, para que só então fosse possível propor textos. No entanto, fomos surpreendidos pela Lei 10.705, que determina que todas as doações, inclusive em dinheiro, a pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas no estado de São Paulo sejam tributadas. Aí tivemos que agir rapidamente para não deixar que as organizações da sociedade civil fossem prejudicadas.

redeGIFE – Esta situação foi revertida?
Roncati – Consideramos que já obtivemos um grande êxito, mas a questão ainda está em andamento. Primeiro, o processo de negociação levou as instituições de educação e assistência social a serem excluídas do pagamento, já que são imunes constitucionalmente. Depois, em novembro, selamos um acordo com o governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, para isentar as organizações sem fins lucrativos do pagamento do imposto, abrangendo as entidades das áreas de meio ambiente, cultura e direitos humanos. O projeto de lei que propõe a mudança foi entregue em mãos ao presidente da Assembléia Legislativa e encaminhado à votação em regime de urgência. No entanto, a aprovação do orçamento do estado está tomando muito tempo dos deputados, mas acreditamos que a votação da matéria aconteça ainda este ano.

redeGIFE –Como vocês conseguiram obter este resultado?
Roncati – Primeiramente, procuramos nos munir de todas as informações legais necessárias, além do levantamento de medidas semelhantes em outros estados do país, com o apoio do advogado Eduardo Szazi, consultor jurídico do GIFE. Ao divulgarmos amplamente a questão, mobilizamos outras organizações interessadas em juntar-se ao GIFE para brigar por esta causa, como a Abong, o Instituto Sócio-Ambiental e a Fundação SOS Mata Atlântica. Depois, fomos negociar junto ao governo.

redeGIFE – O GIFE e estas organizações que estiveram com ele não podem ser criticados por lobby?
Roncati – Não vejo como. Mesmo porque em nosso país a denominação “”lobby”” possui um caráter eminentemente pejorativo e vinculado a tentativas de se obter apoio, em geral, para projetos com financiamento de verbas públicas. O que fizemos foi uma articulação em rede para levar ao primeiro setor, neste caso específico o governo e a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, a compreender que a questão não poderia ser tratada apenas por um dos ângulos, no caso o econômico/fiscal. Mostramos que além destes aspectos, tínhamos a questão do impacto sobre o mérito social das ações de terceiro setor e que, em nosso entendimento, era a principal. Tudo o que fizemos foi apresentar ao primeiro setor que a Lei 10.705 era injusta, pois o financiamento das organizações da sociedade civil é uma questão de mérito, dado seu caráter complementar às ações sociais empreendidas pelo governo.

redeGIFE – Quais as dificuldades encontradas por uma organização que toma a decisão de realmente dialogar com o governo?
Roncati – Acredito que a maior dificuldade seja a mesma que se encontra ao negociar com as empresas: conhecer, sem preconceitos, o seu interlocutor. É preciso aceitar e aprender a lidar com as diferenças que existem entre os setores. Os ritmos, métodos e possibilidades do governo e do terceiro setor são diferentes mas, por princípio, estamos todos trabalhando por melhores condições para o desenvolvimento social.

redeGIFE – Que perspectivas se abrem neste campo com as eleições gerais em 2002?
Roncati – Esta é uma questão delicada pois, ao mesmo tempo em que se abrem espaços para influenciarmos programas de governo com questões que abrangem o terceiro setor, temos a consciência de que será necessário buscar sempre o apoio do setor público através de ações institucionais e supra-partidárias. Como o encaminhamento de propostas, projetos de lei e ações semelhantes invariavelmente é feito por um político, tomaremos sempre o cuidado de nos aliarmos apenas aos que de fato estiverem tratando a pauta do terceiro setor como uma de suas prioridades. Está fora de questão submetermos este assunto a plataformas político-partidárias, ou interesses individualizados e particularizados. De qualquer forma, esta é uma empolgante oportunidade do exercício democrático.

redeGIFE – O GIFE tem algum plano específico nesta frente?
Roncati – Estamos conversando sobre estas questões para encontrar a melhor maneira de agir, sempre tendo em vista que não representamos o terceiro setor como um todo. Nosso foco é no investimento social privado, mas procuramos sempre nos aliar a outras organizações representativas para que, com forças reunidas, possamos obter os melhores resultados possíveis. Percebemos ao longo deste ano que podemos e necessitamos oferecer ao setor público informações que possibilitem uma visão mais realista e qualificada do terceiro setor, vis-à-vis, a fácil pré-conceituação e redução de nossa pauta a solicitações referentes às questões fisco/tributárias a que muitas vezes somos submetidos. É necessário buscar o consenso, ou ao menos a convergência, a partir de uma noção qualificada e comum sobre o papel e as ações do terceiro setor na transformação da sociedade brasileira.

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